Este módulo é um recurso para professores 

 

Termos e conceitos fundamentais

 

O termo sociedade civil é compreendido neste Módulo como o setor da sociedade que inclui os cidadãos, as CSOs e os média, em contraposição com os setores público e privado. Note-se, porém, que a definição de sociedade civil é dinâmica e evolutiva, tal como realçado pelo Fórum Económico Mundial no seu relatório O Futuro Papel da Sociedade Civil (2013):

Os conceitos estão a modificar-se à medida que a sociedade civil passa a significar muito mais do que um mero “setor” dominado pela comunidade de organizações não-governamentais: hoje, a sociedade civil inclui um conjunto bem mais amplo e vibrante de grupos organizados e não organizados, à medida que os atores da nova sociedade civil tornam mais turvas as fronteiras entre setores e assumem novas formas organizacionais, tanto online, como offline

Os termos cidadão e cidadania estão associados, respetivamente, à posse do estatuto de membro de um país em particular e à titularidade de direitos em virtude desse mesmo estatuto, incluindo o de receber proteção por parte do Estado. A cidadania é, por vezes, definida não só como um estatuto, mas também como um papel, o qual requer um envolvimento ativo na vida política do respetivo país e a participação no exercício do poder político (Marshall, 1950). Para os presentes efeitos, a participação dos cidadãos refere-se ao papel dos cidadãos na luta e combate (mormente por via da deteção e denúncia) contra a corrupção. Tal participação pode ter lugar num plano individual ou pessoal, num plano mais organizado através de CSOs ou através dos média.

As CSOs têm sido definidas pelo Banco Mundial como uma vasta quantidade de organizações públicas ou semipúblicas («non-private») e de natureza não lucrativa, como os “grupos comunitários, as organizações não governamentais (ONGs), os sindicatos, os grupos indígenas, as organizações de caridade, as organizações religiosas, as associações profissionais e as fundações” (Banco Mundial, n.d.). As CSOs interagem com a esfera pública, gozando, por vezes, de autonomia e sendo regularmente guiadas por interesses que não são puramente privados, nem económicos (vide, por exemplo, Spurk, 2010). Dependendo do contexto local e de outros contextos, as CSOs podem ser formais ou informais. Estas apresentam objetivos e ideologias distintas e, por vezes, conflituantes. As CSOs têm sido igualmente descritas como organizações que surgem do fracasso do Estado e dos mercados e que, na sequência, são criadas por cidadãos para preencher lacunas que resultam desses mesmos fracassos. 

Os média incluem todos os canais de comunicação, como a radiodifusão, a imprensa e as plataformas e redes sociais. Os média são considerados neste Módulo como meios que permitem aos cidadãos escrutinar as condutas governamentais e dos privados e manter a corrupção sob controlo. Uma discussão mais aprofundada sobre a definição e formas dos média está disponível no Módulo 10 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética.

Apesar de não ser incluída nas definições convencionais de sociedade civil, a universidade faz parte da mesma, desde logo porque os indivíduos e grupos de académicos são cidadãos, grupos comunitários, associações profissionais, etc. Ao abrigo de uma definição mais flexível de sociedade civil, a universidade pode ser considerada uma componente da mesma, ao lado de CSOs e dos média. De todos os modos, dado o importante papel da universidade no combate à corrupção, os conhecimentos e discussões apresentados neste Módulo são-lhe perfeitamente aplicáveis.

Responsabilidade social e capacitação social

Cidadãos ativos são fundamentais para combater a corrupção: eles chamam à atenção para a corrupção, sensibilizam a população do problema e do seu impacto e atuam como vigilantes eficazes de políticos e de outros sujeitos ao monitorizar a sua atividade e mantendo-os sob permanente escrutínio em termos de responsabilidade e responsividade. Cidadãos ativos ajudam a cultivar comportamentos de luta contra a corrupção entre a elite dirigente. Tal dá origem a uma espécie de mecanismo de auto-cumprimento, exigindo-se aos políticos que atuem eticamente e encetem uma governação transparente, o que os cidadãos assumem como um direito próprio (Collier 2002; Mungiu-Pippidi 2015). Como pontuado por Adserá, Boix e Payne (2003, p. 445): “um determinado governo funcionará tão bem quanto a capacidade dos seus cidadãos de responsabilizar os políticos pelas suas ações”.

O conceito de responsabilidade social refere-se à responsividade das instituições públicas (e privadas) aos problemas sociais, bem como à sua prontidão para partilhar informações e facilitar o escrutínio público das suas ações. Espera-se que líderes publicamente responsabilizados pelas suas ações se comportem melhor, já que poderão vir a ser afastados dos seus cargos caso o seu desempenho seja considerado inaceitável (no entanto, vide a discussão sobre o “perdão dos eleitores” no Módulo 3 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção). Como Holmberg e Rothstein (2015, p. 14) pontuam: “os cidadãos precisam de ter os seus líderes sob rédeas – talvez não uma rédea muito curta, mas que envolva algumas restrições constitucionais/democráticas, bem como exigentes procedimentos de responsabilização se necessário”.

Para combater a corrupção de forma eficaz, a participação dos cidadãos não deve apenas incrementar a responsabilidade social; ela deve também promover a capacitação dos cidadãos. O conceito de capacitação refere-se ao processo de desenvolvimento da capacidade para produzir as mudanças desejadas na sociedade (Mungiu-Pippidi, 2015). No entanto, a importância da capacitação social não pode ser sobrevalorizada, desde logo por causa da existência de barreiras que podem limitar a capacidade dos cidadãos de se envolver diretamente no combate contra a corrupção, incluindo a falta de conhecimentos, recursos (financeiros e outros), informações e apoio jurídico. A necessidade dos Estados de removerem tais barreiras é abordada no artigo 13.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (UNCAC), cujo conteúdo é discutido abaixo. Outras barreiras à participação dos cidadãos nos esforços anticorrupção são a repressão governamental dos cidadãos mais ativos, quer individualmente considerados, quer organizados em CSOs; a censura; ou o controlo dos média pelo governo ou por outros poderosos atores económicos. Para uma discussão mais aprofundada destes e outros desafios com que se deparam as CSOs, vide este working paper do United States Congressional Research Service (Tiersky e Renard, 2016).

As modalidades de participação dos cidadãos variam consideravelmente entre as sociedades, dependendo das estruturas jurídico-políticas que a facilitam e promovem. Como resultado, existem diferentes níveis de responsabilidade social e de capacitação social em distintas sociedades. A ideia de que os funcionários públicos (e atores privados) devem prestar contas da sua conduta à sociedade no seu todo pressupõe estruturas que facilitam uma avaliação da transparência da informação e o escrutínio público. Assim, são condições que promovem a responsabilidade social e a capacitação social a existência de uma sociedade civil forte e reivindicativa, mas também de liberdade de imprensa e de um direito de acesso à informação (os quais são discutidos abaixo).

Os conceitos relacionados de capital social e cultura cívica devem também ser mencionados neste contexto. Ambos servem como elementos normativos que podem afetar e constranger a atitude das pessoas face à corrupção. De acordo com Mungiu-Pippidi (2013), o capital social traduz-se no “hábito generalizado” dos cidadãos de se envolverem em ações coletivas formais ou informais guiadas por interesses comuns, objetivos e valores, enquanto que a cultura cívica se refere ao envolvimento ativo dos movimentos sociais de cidadãos e dos média. Para uma discussão mais aprofundada, vide, por exemplo, Johnston (2011), Mungiu-Pippidi (2013) e Marquette e Peiffer (2015). Sobre a ação coletiva contra a corrupção, vide o Módulo 5 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Confiança pública, instituições e normas informais

As instituições públicas necessitam, idealmente, de atuar de forma responsável e ética para conquistarem e manterem a confiança dos cidadãos. Por outro lado, as expetativas dos cidadãos nas instituições públicas são e devem ser elevadas: não apenas como uma forma de responsabilizar tais instituições por comportamentos pouco éticos, mas também porque a missão subjacente às instituições públicas é justamente a de fornecerem bens e serviços públicos à comunidade que servem. O desafio reside no facto de a confiança dos cidadãos nas instituições públicas ser dificilmente conquistada e facilmente perdida. A falta de responsabilidade social pode influenciar adversamente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e políticas. Alguns autores consideram que a falta de confiança dos cidadãos se deve ao “problema da ação coletiva” que conduz à corrupção (o problema da ação coletiva é explicado com maior detalhe no Módulo 4 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção). Além disso, tem-se considerado que o desempenho governamental, mormente reformas e o estabelecimento de novas instituições, não pode ser bem-sucedido sem a confiança dos cidadãos (Johnston, 2011). Assim, a confiança pública e as instituições públicas estão interrelacionadas de forma complexa e frágil.

Deve ainda notar-se que, apesar da importância da existência de instituições eficazes e responsáveis, muitos autores têm afirmado que as instituições formais, como as que integram o sistema judiciário, as agências anticorrupção e outras organizações de aplicação do direito são sobrevalorizados em relação à sua capacidade de controlar a corrupção, estando longe de ser suficientes (Charron, Dijkstra e Lapuente, 2015). Assim, o papel de instituições informais e das normas sociais deve também ser considerado quando se analisa a participação dos cidadãos nas atividades anticorrupção. As normas sociais, os valores e as tradições (incluindo as leis e instituições) impactam a compreensão básica dos indivíduos sobre o que os outros fazem (normas descritivas) e sobre o que os outros pensam que devem fazer (normas injuntivas). Cialdini, Kallgren e Reno (1991) definem normas descritivas como “as perceções individuais do que é commummente feito em determinadas situações, sem lhe associar qualquer juízo, enquanto que as normas injuntivas ditam como um indivíduo se deve comportar”. As normas sociais definem até que ponto os indivíduos se envolvem e esperam que os outros se envolvam na corrupção. As normas sociais podem ser formais (normas escritas e instituições formais) ou informais (baseadas na cultura e em interações sociais). Embora as últimas sejam mais difíceis de identificar, elas desempenham um importante papel na explicação da corrupção e devem ser particularmente consideradas (vide, por exemplo, Kubbe e Engelbert, 2018).

 
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