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Teorias que explicam o nexo género-corrupção

 

Para explicar as correlações entre género e corrupção, várias teorias acerca do nexo género-corrução têm sido desenvolvidas. À data, as principais áreas de discussão em torno deste tópico são: 1) socialização; 2) risco-apetite; 3) oportunidades para a corrupção; 4) quotas de género; 5) o papel da mulher; 6) instituições; e 7) contexto. Estas explicações são cruciais para o debate sobre como o género influencia a corrupção e de que forma o faz.

Socialização

A primeira e mais comum explicação para o nexo género-corrupção foca-se nas diferenças no processo de socialização em termos de papéis de género (Dollar, Fisman e Gatti 2001; Swamy e outros, 2001). Estes autores dedicam-se a analisar as formas pelas quais as meninas tendem a ser mais “preocupadas com o outro” e cuidadosas do que os rapazes e, nessa medida, enquanto mulheres, estão mais predispostas a ajudar e envolver-se em comportamentos pró-sociais. Gilligan (1982) defende que existem diferenças de género na priorização da empatia e da compaixão face a noções de moralidade baseada na justiça. Para uma discussão relacionada sobre a ética do cuidado e o feminismo, vide o Módulo 9 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética. Por força deste conceito, as mulheres tendem a ser menos egoístas e mais confiáveis, caridosas, tolerantes e altruístas do que os homens (Boehm, 2015). Além disso, como mães que, em regra, assumem uma maior quantidade de tarefas domésticas não remuneradas do que os homens, as mulheres tendem a ser movidas por valores e normas e não tanto pelos ganhos materiais, o que pode resultar, em última instância, numa menor propensão para comportamentos desonestos e para a corrupção. Uma versão deste argumento foi avançada por Rheinbay e Chêne (2016), que destacam as evidências empíricas que explicam as diferenças na forma como “homens e mulheres encaram, experienciam e toleram a corrupção” (vide o Guia de Tópicos sobre Género e Corrupção de 2016 da Transparência Internacional para mais informações). Estes argumentos seguem uma lógica semelhante àquela que subjaz ao discurso sobre mulheres em cargos de liderança, a qual se baseia em resultados empíricos (embora contestados) para demonstrar as diferentes formas pelas quais as mulheres podem tornar-se líderes mais transformacionais, proactivos e relacionais do que os homens (Eagly e outros, 2003). No debate sobre corrupção, a conclusão a que conduzem tais descobertas empíricas é a de que, em resultado da socialização, as mulheres costumam ser menos propensas a envolver-se em atos de corrupção do que os homens.

Risco-apetite

A segunda explicação baseia-se nas diferenças entre homens e mulheres em termos de aversão ao risco e comportamento recíproco. Tradicionalmente, as investigações focavam-se no estudo do género como uma variável para explicar e prever o envolvimento das mulheres em atividades criminosas em comparação com os homens (vide Bennett, Farrington e Huesmann, 2005; Gottfredson e Hirschi, 1990). Em termos de nexo género-corrupção, Croson e Gneezy (2009) sugerem que as mulheres são, em média, mais avessas ao risco do que os homens (sendo o caso das gerentes empresariais uma das exceções).

Além disso, existem dados que sugerem que as mulheres parecem ser mais sensíveis às normas sociais, menos competitivas e inclinadas a cooperar, embora sejam, em regra, menos confiantes, defendam padrões de ética mais flexíveis e possam ser mais propensas do que os homens a evitar comportamentos ilícitos em razão do medo de sofrerem consequências adversas e sanções (Esarey e Chirillo, 2013; Esarey e Schwindt-Bayer, 2018). Neste contexto, Rheinbay e Chêne (2016, p. 5) destacaram que as mulheres são punidas mais severamente do que os homens pelo seu envolvimento em atos de corrupção. Tal facto influencia, de forma inevitável, a probabilidade de que as mulheres venham a envolver-se em atos corruptos.

Num estudo de campo no Burkina Faso, no qual os sujeitos não sabiam que estavam a participar, Armantier e Boly (2011) descobriram que as mulheres são mais propensas a aceitar subornos quando não temem ser detetadas. De forma consistente com a descoberta de que as mulheres são mais avessas ao risco do que os homens, descobriu-se que a existência de meios de controlo parece ter um efeito mais dissuasor sobre as mulheres. Schulze e Frank (2003) descobriram que as mulheres e homens são igualmente propensos a aceitar subornos quando não existam meios de controlo, mas as mulheres são menos propensas a aceitar subornos quando eles existam. De forma geral, pode sugerir-se que as mulheres são menos propensas do que os homens a envolver-se em atos de corrupção, particularmente quando o risco de deteção e punição é elevado.

Oportunidades para corrupção e redes

A terceira explicação é a de que as mulheres podem ter menos oportunidades para levar a cabo atos de corrupção do que os homens. Muitos atos de corrupção são cometidos em contextos políticos e económicos aos quais as mulheres sempre tiveram historicamente menos acesso. Hossain, Musembi e Hughes (2010, p. 22) notam que as atividades corruptas tendem a prosperar em redes que são predominantemente masculinas, às quais as mulheres têm menos acesso, particularmente quando as mesmas são estabelecidas e não existem relações de parentesco entre os homens e mulheres que as compõem. Além disso, a corrupção floresce em redes criadas com base na confiança. Sendo membros relativamente recentes nas redes de corrupção, as mulheres podem, portanto, ajudar a desmantelar as redes existentes e a diminuir a corrupção a curto prazo (Hossain, Musembi e Hughes, 2010, p. 22). Por exemplo, o guia prático da Transparência Internacional sobre corrupção de terras na África Subsaariana concluiu que muitas mulheres são excluídas da possibilidade de serem proprietárias de terras, não pela lei, mas pelas práticas sociais, pelas normas e pela corrupção (Raab, 2017). A longo prazo, no entanto, será importante analisar se as mulheres poderão vir a adotar as normas corruptas da rede à medida que se vão integrando nela (Boehm, 2015). Consoante for aumentando o acesso a redes de corrupção, elas podem deixar de exercer um efeito inibidor sobre este fenómeno.

No seguimento desta mesma linha de pensamento, é possível avançar com exemplos de mulheres que se envolvem em atos de corrupção quando têm oportunidade para o fazer. Um exemplo recente é o escândalo de admissão em universidades nos Estados Unidos da América, no qual várias atrizes de Hollywood e os seus parceiros foram acusados de pagar subornos e obter resultados falsificados de exames para assegurar lugares aos seus filhos em universidades prestigiadas (vide o relatório de 2019 da CNN para mais detalhes). Este caso desafia a ideia de que as mulheres são menos corruptas do que os homens e avança um exemplo de um caso em que as mulheres e os seus parceiros são acusados de corrupção. É preciso que um maior número de pesquisas tome em consideração casos em que as mulheres estejam envolvidas em atos de corrupção e em que as estruturas de oportunidade ou redes de parentesco ajudem a facilitar tais atos. Além disso, ao discutir oportunidades de envolvimento na corrupção, é importante considerar os distintos mecanismos de censura e punições que mulheres e homens recebem pela prossecução de condutas corruptas. Como referido acima, está demonstrado que as mulheres são mais severamente punidas do que os homens por se envolverem em atos de corrupção. Tais diferenças quanto às repercussões sociais e mecanismos de dissuasão irão presumivelmente influenciar a propensão de homens e mulheres em procurar oportunidades para a corrupção.

Nos últimos anos, o campo do género e corrupção tem crescentemente explorado a ideia de que as mulheres estão menos envolvidas em transações corruptas do que os homens, em vez da ideia de que as mesmas são, globalmente, menos corruptas (Esarey e Chirillo, 2013; Esarey e Schwindt-Bayer, 2017). Continuar a questionar as oportunidades e estruturas de género em torno da corrupção pode ajudar ao desenvolvimento de novas perspetivas no quadro do nexo género-corrupção.

Por fim, ao investigar as redes de corrupção, muitos estudos sugerem que, mesmo nos casos em que as oportunidades para a corrupção existem, as mulheres são, ainda assim, parceiras menos confiáveis do que os homens. Tal conclusão foi confirmada por Lambsdorff e Frank (2011), os quais demonstraram que as funcionárias públicas são menos propensas do que os funcionários públicos a responder a subornos com favores e, portanto, parceiras comparativamente menos apelativas para a corrupção do que os homens. Rivas (2013) levou a cabo uma experiência que concluiu que as mulheres são significativamente mais propensas a comportar-se de forma oportunista, aceitando subornos sem realizar o correspondente favor corrupto. Tal experiência também revelou que os homens são mais propensos do que as mulheres a oferecer elevados subornos (i.e. mais dinheiro) e que tanto os homens como as mulheres ofereceram subornos mais elevados a funcionários públicos (homens). Estas conclusões sugerem que o aumento da participação das mulheres no governo e no mercado de trabalho pode ajudar a desmantelar redes de corrupção a curto prazo e, possivelmente, também a longo prazo.

Quotas de género e corrupção

As quotas de género, as quais aumentam a representação numérica das mulheres em organizações, nomeadamente, no setor público, têm sido associadas a níveis mais baixos de corrupção. O aumento do número de mulheres no domínio público e em posições de liderança foi considerado como um meio de melhorar os sistemas de prestação de contas, influenciando positivamente a cultura organizacional e reduzindo a corrupção ou melhorando a confiança no setor público (Stensöta, Wängnerud e Svensson, 2015). Os factos empíricos baseados em dados de 38 países na Ásia indicam que “um aumento da participação feminina na política pode reduzir os níveis de corrupção nos países asiáticos” (Paweenawat, 2018, p. 27). Não é ainda suficientemente claro, porém, se a participação feminina no domínio público reduz a corrupção e se a redução da corrupção cria mais oportunidades para as mulheres entrarem na política e nos negócios (Barnes e Beaulieu, 2014).

Atualmente, as pesquisas têm considerado crescentemente as ligações entre uma melhor governança e níveis mais baixos de corrupção, por um lado, e os direitos das mulheres e participação na vida pública, por outro lado (Rheinbay e Chêne, 2016, p. 4). Nesse sentido, como se discute melhor mais abaixo, as organizações internacionais, bem como os académicos, profissionais e decisores políticos têm apoiado a integração de género (especialmente em posições de liderança formal ou sénior) como um meio de reduzir ou prevenir a corrupção em organizações.

O papel da mulher importa

Os papéis que as mulheres desempenham na sociedade são crescentemente considerados um fator que afeta a prevalência da corrupção. As mulheres que laboram na política, por exemplo, podem ter um impacto superior sobre a corrupção quando comparadas com mulheres que desempenham outros papéis. As mulheres são um grupo diversificado com distintas atitudes face à corrupção e às normas. Consequentemente, os seus papéis devem ser cuidadosamente considerados como uma variável nos estudos sobre género e corrupção. Por exemplo, as mulheres gerentes de empresas correm mais riscos do que a média das mulheres. Tal sugere que o papel desempenhado pode intersetar-se com o género na explicação das diferenças de género em pesquisas sobre corrupção.

Apesar de o nexo causal entre a existência de mais mulheres em papéis de liderança e a verificação de níveis mais baixos de corrupção ainda não ter sido comprovado, outros estudos sugerem que as decisoras políticas tendem a estar mais bem preparadas para conduzir políticas que combatam a desigualdade de género e que promovam os direitos de grupos vulneráveis, como as mulheres e crianças (Jha e Sarangi, 2018). Tal é consistente com descobertas mais recentes de que as deputadas podem defender valores mais progressistas e mais favoráveis à diversidade e à igualdade de género do que os deputados (Gouws e Kotze, 2007). Da mesma forma, as mulheres que laboram no setor público em países com elevados níveis de igualdade de género podem estar melhor posicionadas para promover políticas consistentes com o interesse comum (Bauhr, Charron e Wängnerud, 2018; Engelbert e Kubbe, 2018).

Um estudo de Jha e Sarangi (2018), o qual visou analisar se o número de mulheres na política e incumbidas da tomada de decisões influencia os níveis de corrupção na sociedade, revelou que as mulheres têm o efeito de reduzir sistematicamente os níveis de corrupção “apenas se elas estiverem representadas nos parlamentos, o que implica que os efeitos da corrupção se façam possivelmente sentir através da tomada de decisão”. As mulheres em assembleias eleitas não constituem, no entanto, um grupo homogéneo e não irão necessariamente combater a corrupção ou melhorar as experiências de todas as mulheres só porque são mulheres. A maioria das mulheres eleitas para cargos públicos estão normalmente numa melhor posição económica (e talvez social) do que a maioria daquelas mulheres que representam. Elas podem não ter noção das suas específicas necessidades e das experiências de mulheres em áreas especialmente atingidas pela pobreza ou das mulheres com deficiência. Além disso, a participação feminina no parlamento não irá eliminar ou prevenir a formação de redes dentro ou fora do parlamento (vide, por exemplo, Johnson, Einarsdóttir e Pétursdóttir, 2013).

No seu estudo sobre mulheres envolvidas em comércio ilícito transfronteiriço no Senegal, Howson (2012, p. 421) demonstrou as formas pelas quais o género e a classe afetam o acesso a redes de corrupção, incluindo “afinidade geográfica e socioeconómica com funcionários alfandegários, representantes do Estado e transportadores bem situados”. Assim, é importante reconhecer que as mulheres terão, em geral, atitudes diferentes face à corrupção e às normas, bem como diferentes estruturas de oportunidade e, nessa medida, o seu papel na sociedade deve ser tido em conta. 

As pesquisas em torno da influência do papel da mulher convergem largamente para a conclusão de que o acesso das mulheres a posições de liderança pública pode resultar na adoção de políticas que sejam mais propícias à mitigação da corrupção. Os investigadores de género e corrupção têm crescentemente reconhecido a importância de se estudar as intersecções do género com diferentes dimensões, como a sexualidade e a identidade, a história educacional, a classe socioeconómica, bem como a cultura e o contexto (vide, por exemplo, este artigo de investigação da OCDE redigido por Sim e outros, 2017).

Além disso, deve notar-se que o empoderamento feminino na prossecução de diversas funções (não esquecendo a da maternidade) tem-se provado fundamental na promoção da boa governança. Motivadas pelas suas contribuições, muitas mulheres – tanto de meios urbanos como rurais – a quem são dadas oportunidades para se educarem e espaço para partilharem os seus pontos de vista, decidem sacrificar-se economicamente de modo a poderem continuar a apoiar o desenvolvimento das suas comunidades. Estas contribuições silenciosas, mas bastante impactantes, moldam as atitudes e valores da próxima geração de mulheres e homens que podem vir a ocupar o governo ou desempenhar outros papéis influentes (vide este relatório do website da Bahá’íInternational Community, 2018).

As instituições importam

As estruturas institucionais em torno do género e corrupção também devem ser consideradas. Sung (2003) defendeu que a associação entre igualdade de género e níveis mais baixos de corrupção pode ser explicada a partir de outras variáveis pouco consideradas, como o Estado de Direito, a liberdade de imprensa, o nível da democracia e as mudanças na participação feminina ao longo do tempo. No entanto, o autor não encontrou qualquer relação significativa entre género e corrupção ao controlar essas variáveis.

A natureza e a estrutura de uma instituição (neste caso, um governo) pode mediar a relação entre género e corrupção (Stensöta, Wängnerud e Svensson, 2015). Os estudos que se dedicam a analisar as diferenças no seio das e entre democracias parecem revelar que o vínculo entre género e corrupção surge em alguns contextos, mas não em outros. Esarey e Chirillo (2013, p. 362), por exemplo, descobriram que a existência de um número mais elevado de mulheres em cargos públicos não produz sempre os mesmos efeitos no que respeita à prevalência da corrupção, sendo certo que as instituições democráticas “ativam a relação entre género e corrupção”, o que não acontece no caso de instituições autocráticas.

Uma das principais descobertas de Stensöta, Wängnerud e Svensson (2015, p. 494) foi que:

A relação entre género e corrupção varia entre países consoante a arena institucional do legislativo ou a instituição da administração burocrática são ou não controladas... o efeito dissuasivo das representantes femininas sobre a corrupção é maior na arena eleitoral, do que na arena burocrática.

Esta pesquisa implica que é importante distinguir entre fatores institucionais e contextuais no momento de se tecerem considerações gerais sobre a relação entre género e corrupção. 

Novas explicações: O contexto importa 

Pesquisas mais recentes e específicas ilustram a complexa relação entre a corrupção, o género e outras variáveis, como a cultura, as instituições e a natureza do sistema político (Debski e outros, 2018; Stensöta, Wängnerud e Svenssons, 2015; Sung, 2003). Esta linha de pesquisa surge no seguimento da tese segundo a qual, ainda que se possa falar de uma correlação entre género e corrupção, existem outras variáveis em jogo que devem ser exploradas para se compreender se o género pode efetivamente mitigar a corrupção – e, em caso afirmativo, porquê e como.

Em muitos casos, os fatores contextuais sociais parecem ser a primeira causa explicativa das diferenças entre comportamentos corruptos, podendo relevar mais do que o género de cada um dos participantes no ato corrupto. Assim sendo, é importante ter cuidado quando se generalizam factos empíricos, já que é improvável que as mulheres inquiridas sejam verdadeiramente representativas do seu género. Por exemplo, pesquisas empíricas sobre corrupção e mulheres em áreas rurais e mais pobres são extremamente raras (Hossain, Musembi e Hughes, 2010, p. 8). À medida que a investigação em torno do nexo género-corrupção vai evoluindo, devem ser explorados diferentes contextos e uma multiplicidade de tópicos. Além disso, os fatores contextuais, como as instituições e o papel da mulher, devem ser tidos em conta em futuros estudos que investigam correlações entre género e corrupção.

 
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