Este módulo é um recurso para professores 

 

As manifestações da corrupção no setor da educação

 

A corrupção é um fenómeno complexo, sem uma definição uniforme. Uma análise das diversas formas e definições de corrupção, bem como dos seus efeitos nefastos um pouco por todo o globo, está disponível no Módulo 1 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção. Por agora, importa notar que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC) se abstém de fornecer uma definição abrangente de “corrupção”. Em vez disso, define e qualifica diferentes atos de corrupção como crimes, como acontece no caso do suborno e do peculato (tanto no setor público, como no setor privado); do tráfico de influências; do abuso de funções; do enriquecimento ilícito (arts. 15.º a 22.º da UNCAC). Com 187 Estados Partes (dados de abril de 2020), a UNCAC está a aproximar-se de uma adesão à escala universal e pode considerar-se que os diferentes atos de corrupção definidos pela Convenção são internacionalmente aceites. O Módulo 4 e o Módulo 5 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção integram discussões mais detalhadas sob a forma como estes vários atos se manifestam nos setores público e privado, respetivamente.

Nos sistemas de educação, o suborno e o peculato têm sido descritos como os mais comuns atos de corrupção. O suborno no setor da educação envolve vantagens pecuniárias e não pecuniárias, como acontece, por exemplo, quando um professor paga a um membro do comité de seleção de uma universidade para ser contratado de forma preferencial face a outros candidatos mais qualificados ou quando um professor aprova uma dissertação fraudulenta porque o pai do aluno em causa, dono de um stand de automóveis, lhe oferece uma nova viatura. O peculato pode traduzir-se na utilização de dinheiro público – o qual devia ser empregue para melhorar a biblioteca da escola – para pagar as férias ao diretor da escola e da sua família. Um caso de peculato que foi popularizado por Reinikka e Svensson (2004) é a apropriação de fundos destinados a gastos não relacionados com o pagamento de salários em escolas do Uganda. Apenas 13 por cento das bolsas atribuídas chegaram às escolas. Para uma discussão mais aprofundada e exemplos adicionais de corrupção no setor da educação, vide Hallak e Poisson (2007, pp. 57–58).

Crimes relacionados com fraude e extorsão também foram identificados como comuns no setor da educação (Amundsen, 2000). A fraude envolve qualquer tipo de esquema destinado a gerar um ganho económico (vide, por exemplo, Merriam-Webster). Um exemplo de fraude na área da educação é a existência de “fábricas de diplomas”, as quais vendem diplomas falsos na internet. Se uma universidade ou outra instituição de ensino produzir e vender diplomas falsos, tal pode constituir um crime de abuso de funções nos termos do artigo 19.º da UNCAC (pelo menos no que respeita a instituições públicas). A extorsão é o uso de coerção, violência ou ameaças para extrair algo de outra pessoa (esta definição é discutida com maior detalhe no Módulo 4 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Criminalidade Organizada). Um docente que exija favores sexuais ou o pagamento de quantias não obrigatórias aos seus estudantes ou encarregados de educação, de modo a que aqueles tenham melhores notas ou adquirem os seus diplomas, são exemplos de extorsão no campo da educação. Quando a extorsão tem uma natureza sexual, tende a ser apelidada de “extorsão sexual” ou “sextortion”, tal como explicado no Módulo 8 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Aqueles casos em que a solicitação de favores sexuais não é coerciva ou em que estes são oferecidos a estudantes em troca de uma certa nota ou qualificação podem constituir casos de suborno ou de abuso de funções e são, por vezes, apelidados de atos de corrupção sexual. Quando a CNUCC incumbe os Estados Partes de criminalizar o  suborno, o abuso de funções e outras formas de corrupção, a mesma refere-se a todos os benefícios envolvidos na transação corrupta como “vantagens indevidas”. O termo “vantagens indevidas” deve ser interpretado da forma mais ampla possível, abrangendo todos os casos em que artefactos intangíveis ou benefícios não pecuniários (como favores sexuais) são oferecidos, na medida em que criam ou podem vir a criar um sentimento de vinculação obrigacional entre as partes envolvidas. Vide uma discussão mais desenvolvida no Módulo 8 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Outras violações da integridade no setor da educação, as quais em alguns contextos são consideradas atos de corrupção, são o plágio e o absentismo por parte dos docentes (TI, 2013). Existem ainda casos de corrupção na administração das escolas, principalmente na área da contratação pública e dos recursos financeiros e humanos.

Para avaliar a prevalência de vários atos corruptos na educação, é útil identificar o nível institucional de ocorrência (v.g. ministério, município, escola), o nível de ensino em que ocorre (v.g. primário, secundário, terciário), os atores envolvidos e a natureza da transação (Hallak e Poisson, 2007, pp. 60–61):

  • O nível de ocorrência: a corrupção pode ter lugar ao nível do ministério da educação, departamento governamental, região, distrito, escola ou turma. Cada nível acarreta as suas específicas oportunidades para a corrupção e requer distintas soluções e respostas. Por exemplo, prevenir e combater atos de corrupção levados a cabo por docentes de uma escola secundária pressupõe a tomada de medidas distintas das adotadas para dar resposta a atos de corrupção cometidos no Ministério da Educação.
  • O nível de educação: a corrupção pode revestir-se de distintas formas consoante seja levada a cabo ao nível da educação primária, secundária ou terciária. Por exemplo, é mais provável que um docente pressione os encarregados de educação (e vice-versa) com vista à aceitação de um tutor para os seus filhos nos níveis educacionais mais baixos; já a corrupção no plano das admissões é mais usual em níveis mais elevados de ensino.
  • Os atores: os atores envolvidos em atos de corrupção podem ser administradores, empresas privadas que fornecem bens às escolas, a faculdade, os estudantes e as famílias dos mesmos.
  • A natureza da transação: a transação corrupta pode ser iniciada pelos beneficiários dos serviços de educação ou pelos fornecedores dos mesmos.

Existem distintas formas de avaliar os riscos de corrupção e os fatores de risco relacionados com cada uma das caraterísticas supramencionadas. Kirya (2019), por exemplo, sugere a análise à luz da economia política, a análise de poder e influência, as avaliações do risco de corrupção, os mapeamentos de sistemas e a metodologia da Integridade de Sistemas de Educação (INTES) como abordagens confiáveis que podem ajudar ao desenvolvimento de estratégias e ferramentas anticorrupção eficazes para dar resposta aos problemas de corrupção no setor educacional. Todas estas abordagens são discutidas detalhadamente neste Relatório U4 de 2019.

Pode constatar-se que a corrupção no setor da educação ocorre tanto em países desenvolvidos, como nos países em desenvolvimento. Os orçamentos cada vez mais reduzidos e a dependência cada vez maior de rankings e a competição por bolsas têm incentivado a redução de custos em detrimento da qualidade dos sistemas educacionais mesmo nos sistemas de educação liberais de maior dimensão, como é o caso dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Por exemplo, um dos atos de corrupção mais recorrente nos Estados Unidos é a manipulação deliberada dos resultados de exames nas escolas (Jacob e Levitt, 2003). A corrupção na educação internacional, mormente por via da compra de falsas qualificações e do suborno de instituições para o recrutamento de estudantes, também envolve os países mais desenvolvidos (Vincent-Lancrin, 2013). Um princípio comum subjacente a todos os sistemas de educação é o de que todas as salas de aula devem ser espaços seguros em que os docentes e estudantes podem discutir temas difíceis de forma aberta. Tal é seriamente ameaçado devido à corrupção.

Antes de embarcar na discussão em torno das causas e impactos da corrupção e das respostas para combater este fenómeno, importa clarificar a distinção entre educação de baixa qualidade e corrupção na educação. Esta distinção é essencial para a correta escolha de medidas corretivas apropriadas. Uma educação de baixa qualidade pode surgir como resultado de comportamentos inaceitáveis por parte dos docentes das escolas ou universidades, os quais são motivados por outras causas que não o abuso de poder com vista ao enriquecimento pessoal. Se a universidade tem uma biblioteca pequena porque não consegue adquirir coleções de livros em quantidade e qualidade, a falta de materiais literários pode ter um impacto negativo na educação dos estudantes. Neste caso não é a corrupção a causa para a falta de livros. Para se resolver este problema, uma maior quantidade de recursos devem ser disponibilizados à biblioteca da escola. No entanto, se um docente se apropria de livros da biblioteca, então cometeu um crime de furto e as penas adequadas deverão ser-lhe aplicadas, mormente exigindo-lhe a devolução ou reposição dos livros (vide uma discussão relevante neste artigo). Da mesma forma, se a falta de livros é consequência do facto de um administrador se ter apropriado de fundos da biblioteca para o seu próprio benefício, ou se um docente paga a um administrador para encobrir o furto dos livros, não tomando as medidas devidas, então nestas situações estamos ante casos de corrupção.

 
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