Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Quatro: Recolha de dados sobre a vítima

 

De modo a compreender o modo como as vítimas são afetadas pelo crime, bem como se a resposta à sua experiência se revela adequada e efetiva, é importante proceder à recolha de dados. Em vários países, as estatísticas nacionais de criminalidade não registam todos os casos em que as vítimas são afetadas pelo crime.

Para efeitos de estatísticas oficiais, a polícia recolhe dados sobre denúncias criminais que são posteriormente complementados por dados fornecidos pelo sistema judicial sobre os crimes/criminosos processados, bem como por dados dos serviços correcionais e respeitantes à liberdade condicional.

Duas críticas fundamentais poderão ser efetuadas em relação a estes dados:

Em primeiro lugar, os dados recolhidos referem-se em geral ao crime e ao criminoso, frequentemente sem recolherem os detalhes completos ou as perspetivas das vítimas. A título exemplificativo, esses dados oficiais eventualmente não conterão informações relativas ao relacionamento entre a vítima e o ofensor.

Outra limitação significativa a estes dados consiste no facto de se basearem em crimes que tenham sido denunciados, enquanto os crimes que não o tenham sido permanecem na penumbra. Isto distorce-os, bem como as taxas de vitimização, e tem implicações em termos de prestação de serviços, visto que várias respostas em termos de prevenção da criminalidade ou de serviços às vítimas são financiadas de acordo com dados quantitativa e qualitativamente incompletos.

Em termos estatísticos, as vítimas de certos crimes apresentam uma maior probabilidade de apresentar uma denúncia do que outras. Nos países desenvolvidos, as vítimas de crimes de reduzida importância, tais como o furto de bens sem identificação do agente incluindo, por exemplo, o furto de bicicletas, normalmente não são denunciados, enquanto outros tipos de furto, tal como o furto de carros, onde a vítima normalmente tem um seguro, apresentam uma elevada probabilidade de serem denunciados. Outras razões que levam a que a vítima não denuncie o crime incluem: o medo de retaliação; a vergonha; uma relação pessoal entre a vítima e o agente; falta de confiança no sistema de justiça criminal ou falta de acesso à polícia/Ministério Público, em particular no que concerne a vítimas vulneráveis ou vítimas provenientes de comunidades marginalizadas; ou quando se trata de crimes que apresentem um impacto relativamente pequeno, casos em que a vítima considera que, feita uma análise do custo/benefício do esforço que poderá acarretar a denúncia do crime às autoridades, não se justificaria fazê-lo. Para além disso, também é reduzido o número de denúncias de crimes de colarinho-branco, casos em que as vítimas não são direta ou imediatamente afetadas.

Em resposta ao movimento de apoio aos direitos das vítimas da década de 70 do século passado, vários países começaram a desenvolver e a implementar inquéritos de vitimização. Tais inquéritos abordam tanto o crime em geral, como específicos tipos de crime, como por exemplo os inquéritos sobre a Violência contra as Mulheres. Os Inquéritos Internacionais sobre as Vítimas de Crime (IIVC) começaram a ser realizados em 1987 por um grupo de criminólogos europeus com experiência em inquéritos nacionais sobre o crime (Van Dijk, Mayhew, Killias, 1990). O inquérito foi preparado para gerar estimativas de vitimização que possam ser utilizadas para fins de comparação internacional. O inquérito evoluiu para o principal programa mundial de inquéritos padronizados que analisa a experiência dos chefes de família em matéria de crime comum em diferentes países. Até ao momento, foram realizados cinco ciclos principais de IIVC. Depois do primeiro ciclo, em 1989, os inquéritos foram repetidos em 1992, 1996, 2000 e 2004/2005. No final de 2005, tinham sido realizados mais de 140 inquéritos em mais de 78 países. Mais de 320,000 cidadãos foram entrevistados até agora, no decurso das IIVC. A presente base de dados cobre 325454 participantes (International Crime Victim Survey, s/d).

Em 2009, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2010) e a Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) publicaram o Manual sobre Inquéritos de Vitimização. O Manual (2009) oferece uma fonte completa de informação e de padrões para o desenvolvimento de um inquérito nacional de vitimização. Fornece informação em termos metodológicos e de recolha de amostras sobre o modo como preparar e levar a cabo um inquérito. Fornece assuntos-chave que necessitam ser levados em consideração, incluindo a abordagem a ser seguida, métodos disponíveis, as principais questões analíticas e a apresentação de resultados. O Manual (2009) proporciona orientações ao nível internacional para a concepção de inquéritos nacionais de vitimização. A UNODC apoia vivamente a utilização de inquéritos como ferramentas-padrão, não tanto para medir as taxas de criminalidade, mas para melhor compreender a dinâmica dos problemas relacionados com o crime, de que modo os indivíduos e as comunidades são afetados pelo crime, e qual a melhor forma de combater o crime e os danos causados pelo mesmo. A UNODC e o Centro de Excelência em Informação Estatística sobre Governo, Crime, Vitimização e Justiça, lançaram desde então um repositório de inquéritos de vitimização que permite a realização de investigação a título comparativo (UNODC, s/d). Os inquéritos de vitimização são utensílios importantes para medir a criminalidade, mas também para avaliar a satisfação das vítimas vis-a-vis o sistema de justiça criminal. Têm sido concebidos inquéritos mais específicos de modo a ganhar uma visão mais específica sobre a satisfação das vítimas relativamente aos serviços.

Não obstante as limitações inerentes aos mesmos, os inquéritos às vítimas, assim como os estudos científicos e a investigação académica, podem revelar-se como ferramentas úteis para os políticos e decisores, podendo ainda direcionar as escolhas políticas, como as que se prendem com a definição de prioridades e a alocação de verbas. Os países que conduzem inquéritos de vitimização regulares têm igualmente um conhecimento de base a partir do qual podem medir o impacto das políticas públicas. Afetar recursos onde a investigação tenha provado existirem efeitos positivos, consubstancia a melhor forma de se utilizar o dinheiro público.

 
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