Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Quatro: Alternativas Pós-Sentenciais

 

A maioria dos sistemas penais assenta num regime de condenação (sentencing regime), concretamente, um regime em que as penas são impostas de acordo com os vários objetivos da punição referidos supra. Esta parte do Módulo analisa um conjunto de penas não privativas da liberdade que poderão ser impostas na fase em que se profere a sentença judicial (sentencing stage) – muitas vezes referidas como medidas de “primeira linha” (front door measures).

 

Alternativas à prisão decretadas na fase em que se profere a sentença (at sentencing)

A regra 8.2 das Regras de Tóquio (1990) propõe que um vasto conjunto de sanções, além da pena de prisão, possam ser impostas pelas autoridades competentes na fase em que se profere a sentença (at the sentencing stage). Tais como:

(a) sanções verbais, como a censura, a repreensão ou a advertência;

(b) suspensão da execução da pena de prisão (conditional discharge), em que a pessoa é libertada sob a condição de não praticar outros crimes;

(c) sanções que afetam direitos dos indivíduos no seu contexto comunitário;

(d) aplicação de sanções económicas e pecuniárias, como por exemplo multas;

(e) poderes de expropriação (expropriation order), através dos quais as autoridades podem confiscar o produto de um crime ou expropriar bens ou a propriedade de um ofensor;

(f) restituição ou compensação à vítima, através, por exemplo, da devolução da propriedade ou do pagamento à vítima de uma indemnização pelo dano causado ou perda sofrida, ou pagamento à vítima de uma indemnização através de fundos do Estado;

(g) pena suspensa ou diferida, em que a decisão de aplicação de uma pena de prisão é proferida, mas a sua efetiva aplicação é suspensa mediante o cumprimento de obrigações definidas pelo tribunal;

(h) probation e supervisão judicial para fornecer informações ao tribunal e para monitorar e supervisionar o comportamento do ofensor na comunidade, auxiliando-o nos problemas que possam enfrentar durante esse período;

(i) prestação de serviço comunitário, exigindo que os ofensores realizem um determinado número de horas de trabalho não remunerado a favor da comunidade, ou realizar uma tarefa específica em prol da comunidade em que se insere;

(j) reencaminhamento para um centro que ofereça, por exemplo, programas de tratamento ou intervenção terapêutica para dar resposta ao comportamento criminoso;

(k) prisão domiciliar em que se ordena que o ofensor não saia de casa;

(l) qualquer outra forma de tratamento não-institucional, de forma a que se desenvolvam novas formas de tratamento não privativo da liberdade;

(m) combinação das medidas listadas acima, para garantir que o tribunal não se limite a uma única possibilidade (ver também: UNODC, 2007). 

As normas internacionais deixam claro que às autoridades que proferem as decisões (sentencing authorities) assiste a possibilidade de imporem medidas alternativas à prisão, que satisfaçam os diferentes objetivos e justificações da punição, de acordo com as garantias legais de um Estado de Direito. As Regras de Tóquio preveem que a "adoção, definição e aplicação de medidas não privativas da liberdade devem ser prescritas por lei" (1990, Regra 3.1), e que a escolha de sanções não privativas de liberdade, "deve ser fundada em critérios previamente estabelecidos que levem em consideração tanto a natureza e a gravidade da infração quanto a personalidade e os antecedentes do infrator, o objetivo da condenação e os direitos das vítimas" (1990, Regra 3.2). Para além disso, a aplicação de medidas não privativas de liberdade deve sempre respeitar e manter os direitos e liberdades fundamentais dos ofensores, requisito evidenciado pela Regra 3.9, que estabelece que "A dignidade do infrator submetido a medidas não privativas de liberdade deve ser sempre protegida". Como tal, o Comentário às Regras de Tóquio (1993, p.13) afirma que as Regras 3.9-3.12 exigem que as sanções alternativas não devam ser impostas "como um meio de assédio aos ofensores, que ponha em risco a sua dignidade ou que seja intrusivo na sua privacidade ou na das suas famílias". 

Para que as medidas não privativas de liberdade sejam implementadas como "alternativas realistas e eficazes à pena de prisão", elas devem ser apoiadas pelos stakeholders e por serviços da administração da justiça bem como pelo público em geral (UNODC, 2007, p.28; ver também Conselho da Europa, 1999). Aqueles serviços de administração da justiça devem incluir pelo menos: 

  • juízes e tribunais, para garantir que as alternativas à prisão sejam aplicadas sempre que possível;
  • legisladores, que prevejam a devida implementação e monitoramento das penas alternativas;
  • administradores, para criar alternativas adequadas;
  • agentes de probation (probation officers), para supervisionar e monitorar os ofensores na comunidade;
  • líderes comunitários, para ajudar na implementação de sanções no contexto comunitário; e
  • voluntários,para ajudar a implementar sanções penais no contexto comunitário (UNODC, 2007, p.45). 

Os resultados de pesquisas demonstram que nas últimas décadas muitos ordenamentos jurídicos introduziram diferentes sanções executadas na comunidade, para dar resposta ao uso excessivo à aplicação da pena da prisão (ver, por exemplo, Wadeet al., 2008). Em alguns ordenamentos, o recurso ao monitoramento eletrónico tem sido utilizado para monitorar os ofensores que estão a cumprir pena na comunidade. Contudo, esta opção pode não ser viável em países com poucos recursos financeiros, uma vez que a tecnologia necessária é dispendiosa, podendo não existir o apoio técnico e estrutural essencial para a sua rigorosa implantação. Uma preocupação do foro dos direitos humanos tem sido suscitada pela comunidade internacional, pois que “a utilização de pulseiras eletrónicas exige uma necessidade de supervisão adicional e restrições impostas ao ofensor que, por vezes, não são justificadas, o que viola excessivamente o direito à privacidade e à dignidade da pessoa humana do ofensor" (UNODC, 2013a, p.111). As normas internacionais têm sublinhado que o direito à privacidade do ofensor e da sua família é de "especial importância", e que "é necessária a máxima vigilância para garantir que não haja uma intrusão indevida" (Nações Unidas, 1993, p. 14). Tais considerações devem ser cuidadosamente ponderadas, antes de ser introduzido o uso de monitoramento eletrónico (UNODC, 2013a; ver também Dünkelet al, 2017). 

Note-se, todavia, que práticas mais tradicionais também podem servir de modelo para as alternativas à decisão judicial (alternative sentencing). O recurso às abordagens de Justiça Restaurativa, por exemplo, têm aumentado nos últimos anos, sendo que nelas a vítima, o ofensor e outros indivíduos ou membros da comunidade afetados pela prática de um crime se encontram com o propósito de reparar os danos causados e de criar um plano para compensar ou dar assistência às vítimas. Em alguns países, os princípios da Justiça Restaurativa têm sido utilizados como o paradigma principal para resolver problemas de justiça de transição (transiticional justice) e de conciliação. Na Colômbia, por exemplo, foi apresentado um modelo de justiça restaurativa como sendo "a melhor opção para fazer face às atrocidades cometidas por grupos paramilitares" (Uprimny e Sanín, 2005, p.1). Da mesma forma, perspetivas pós-coloniais ou indígenas que exigem uma indemnização, reparação e compensação motivadas por injustiças históricas, desafiam de modo significativo a fragilidade e pré-conceitos do sistema de justiça criminal convencional e contribuem para enriquecer o debate sobre alternativas à pena de prisão (ver, por exemplo, Villa-Vicencio, 2000; Boraine, 2002; Cunneen, 2011; Cunneen e Taur, 2018). 

Numerosos ordenamentos jurídicos, em vez de se focarem no debate em torno do binómio retribuição versus reabilitação, adotaram uma abordagem restaurativa como terceira via das consequências jurídicas do crime (ver Zehr, 1990; Hughes e Mossman, 2002). Um inquérito realizado em 2017 pelo UNODC que obteve respostas de 31 Estados-Membros, concluiu que os programas de Justiça Restaurativa são uma "alternativa efetiva e flexível ao processo penal formal" e "podem contribuir para a diminuição da quantidade de processos do sistema criminal, bem como para reduzir a taxa de reincidência" (UNODC, 2017, p.43). Todavia, concluiu que a Justiça Restaurativa ainda é “pouco utilizada e pouco conhecida em muitas partes do mundo” (UNODC, 2017, p. 44). Para mais materiais sobre Justiça Restaurativa, ver o Módulo 8 na Série de Módulos Universitários E4J sobre Prevenção da Criminalidade e Justiça Criminal.

 

Alternativas à prisão pós-sentença (post sentencing)

Nas últimas décadas, muitos países também passaram a aplicar medidas não privativas de liberdade na fase pós sentença (post sentencing) – por vezes denominadas de "medidas de último recurso” (back door measures) – embora não sejam sempre reconhecidas como alternativas à pena de prisão. Diferentemente das estratégias de primeira linha (front door strategies), as medidas de último recurso (back door measures) visam reduzir a sobrelotação das prisões, libertando os presos em regime de liberdade condicional antes de cumprirem a totalidade da pena de prisão (ver, por exemplo: Pitts, 2014; Bernardi, 2016). 

É importante realçar que o recurso ao regime da liberdade condicional tem vindo a ser utilizado como uma forma eficaz de prevenir a reincidência e promover a reintegração social, desde que acompanhado de apoio, assistência e supervisão adequados. A Regra 9.1 das Regras de Tóquio (1990) estabelece que deve existir um conjunto de alternativas variado na fase pós-sentença (post sentencing), "para evitar a prisão e ajudar o ofensor a reintegrar-se rapidamente na sociedade". As Regras de Tóquio também sustentam a ideia de libertar condicionalmente os ofensores o mais cedo possível, para um programa de liberdade condicional, e recomendam as seguintes orientações para a fase pós-sentença:

  • Autorizações de saída (Furlough) e casas de passagem/de saída/de albergado – para permitir saídas do estabelecimento prisional por períodos de tempo curtos, ou para que os reclusos possam viver em casas de passagem/de saída/de albergado antes da sua libertação definitiva.
  • Libertação para trabalhar ou para frequentar a escola (work or education release) – para permitir saídas temporárias da prisão para trabalhar ou frequentar a escola.
  • Disponibilizar várias formas de liberdade condicional (parole) – para facilitar a libertação antecipada da prisão em condições que se mantenham em vigor até ao termo da pena.
  • Comutação de pena (Remission) – é uma forma de libertação que ocorre depois de o recluso ter cumprido uma parte pré-determinada da sentença, o que por vezes depende do bom comportamento na prisão.
  • Perdão (Pardon) – perdão dos termos da condenação, normalmente concedido pelo chefe de Estado (1990, Regra 9.2; cf. UNODC, 2007, p.48-50). 

As principais instituições e atores necessários para levar a cabo estas orientações são semelhantes aos que são necessários para a implementação de medidas de primeira linha (front door measures), nomeadamente juízes e tribunais, legisladores, administradores e agentes de liberdade condicional. Mas também são necessários polícias, para apoiar e monitorar os ofensores que tenham sido libertados condicionalmente, bem como chefes de Estado quando fazem uso dos seus poderes de perdão ou de amnistia (Nações Unidas, 1990). 

Embora existam algumas vantagens óbvias associadas às abordagens de último recurso (back door approaches) (tais como a redução de custos, a redução da sobrelotação prisional e a diminuição de períodos de privação da liberdade muito longos), também existem algumas preocupações. A libertação precoce pode colocar em causa a autoridade do tribunal e, nessa medida, bulir com a confiança que a população deposita no processo penal. Pode ainda implicar uma redução da proteção conferida à sociedade que a prisão oferece. As decisões discricionárias ou arbitrárias podem conduzir a abusos de poder e a sentimentos de injustiça e de descontentamento. Além disso, as condições impostas podem implicar uma punição adicional ao prisioneiro condenado (UNODC, 2007). De facto, foi reconhecido que medidas privativas de liberdade, como a prisão, podem restringir e infringir os direitos e liberdades pessoais (ver Morgenstern e Larrauri, 2013). Por outro lado, os especialistas têm argumentado que a libertação precoce ajuda a lidar com algumas deficiências de monta do sistema de justiça criminal, sobretudo no que respeita à sobrelotação prisional. Para além do que vai dito, foi já demonstrado que a liberdade condicional contribui para redução das taxas de reincidência daqueles que dela beneficiam, permitindo que os presos sejam libertados quando a perceção do risco pela comunidade diminuiu já significativamente (Cavadino e Dignan, 2007). 

O Comentário às Regras de Tóquio (1993) enfatiza a importância de as autoridades judiciais seguirem os procedimentos formais de tomada de decisão, para efeitos de reapreciação de sentenças anteriores e na tomada de decisão sobre libertação antecipada. Além disso, devem ser fixados, nesta matéria, critérios claros que hão de ser explicados tanto aos reclusos como ao staff prisional. Ao estabelecer tais critérios, "potenciais abusos de poder serão reduzidos ao mínimo e os reclusos poderão trabalhar em prol da respetiva libertação, sabendo quais os critérios que terão de ser satisfeitos para que tal possa ocorrer " (Nações Unidas, 1993, p.21). Ao mesmo tempo, "as medidas de libertação antecipada serão explicadas mais facilmente à sociedade em geral, que pode desconfiar de tais medidas" (Nações Unidas, 1993, p. 21.

 
Seguinte:  Tópico Cinco: Avaliação das Alternativas
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