Este módulo é um recurso para professores  

 

Semelhanças e diferenças entre criminalidade organizada e outros tipos de criminalidade

 

Recorrendo à infração, ao invés do agente, como uma análise unitária, há atos claramente “organizados” na sua comissão mas ainda não considerados como integrantes da criminalidade organizada, para os fins da Convenção Contra a Criminalidade Organizada. Criminalidade Organizada é, atualmente, um tipo de entre várias categorias de comportamento criminoso organizado.

Por exemplo, os crimes de colarinho branco estão relacionados, e sobrepõem-se à criminalidade organizada e, a sua definição integra a Convenção Contra a Criminalidade Organizada, o que permite apreender vários casos de crime de colarinho branco. Não obstante, estes dois tipos de criminalidade apresentam diferenças de monta pois o crime de colarinho branco ocorre como um desvio de uma atividade comercial legítima, enquanto a criminalidade organizada ocorre como um negócio criminoso continuado, que existe, principalmente, para obter lucro de atividade ilícita. O crime de colarinho branco pode ser cometido por uma única pessoa, enquanto a criminalidade organizada exige várias pessoas e um plano elaborado, com o escopo de cometer infrações de uma forma mais sistemática. Os crimes de colarinho branco também podem, no entanto,  ser praticados no âmbito de grupos criminosos organizados. Existe diversa investigação onde se comparam as ligações entre criminalidade organizada e crime de colarinho branco (Kegö, Leijonmarck and Molcean, 2011; Tusikov, 2012).

Os Governos e os seus órgãos e serviços, bem como políticos, podem ser considerados agentes de criminalidade organizada se os requisitos da definição geral se verificarem in casu. É relevante assinalar que não são unicamente as pessoas singulares, mas, também, pessoas coletivas, como as corporações, que podem praticar crimes na sua atividade empresarial. Os crimes graves são frequentemente praticados por, ou sob a estrutura, de uma pessoa coletiva. A sua estrutura complexa pode ocultar de forma eficaz a sua verdadeira titularidade, os seus clientes ou transações particulares. As pessoas coletivas podem ainda ser usadas como escudos para proteger as pessoas singulares da sua responsabilidade pessoal, e esta composição complexa pode ser ainda usada para ocultar atividades ilegais. O papel das pessoas coletivas nas atividades ilegais pode abranger todo o leque crimes transnacionais organizados, desde o tráfico de pessoas, drogas e armas, à corrupção e branqueamento de capitais. Garantir a responsabilidade das pessoas coletivas é, por isso, uma componente importante no combate à criminalidade organizada transnacional (mais sobre a responsabilidade das pessoas coletivas no Módulo 4).

O terrorismo é outra forma de comportamento criminoso “organizado” mas distinto da criminalidade organizada. Em termos gerais, o terrorismo envolve crimes cometidos com o objetivo de intimidar as populações, ou tendo em vista atingir objetivos políticos ou sociais, coagir governos ou alguma organização internacional. Exemplos deste crime incluem tomada de reféns para assegurar a libertação de presos considerados injustamente detidos, ou atos de violência executados como forma de retaliação de alegadas injustiças passadas. Um ato de terrorismo visa um objetivo político.

A criminalidade organizada, por outro lado, visa sempre lograr a obtenção de um benefício económico, ou outro benefício material, sendo o poder e controlo eventuais motivos secundários. A criminalidade organizada pode incluir violência e coação mas, o objetivo neste tipo de criminalidade, continua a ser o lucro.

A definição de “grupo criminoso organizado” prevista na Convenção contra a Criminalidade Organizada, só inclui grupos que, pela sua atividade, procuram, direta ou indiretamente, um “benefício económico ou outro benefício material”. O que significa que, em princípio, não se incluem grupos terroristas ou de insurgentes, uma vez que os seus fins não são puramente materiais. Não obstante, a Convenção pode ser aplicada a crimes cometidos por estes grupos, no caso destes cometerem crimes abrangidos pela Convenção, quando o fazem para obter benefícios económicos ou outros benefícios materiais.

Por outras palavras, ainda que geralmente os seus objetivos sejam distintos, as atividades dos grupos terroristas e dos grupos criminosos organizados podem sobrepor-se (Bassiouni, 1990). Um exemplo claro verifica-se quando grupos terroristas usam a atividade de um grupo criminoso organizado para financiar os seus objetivos políticos. As organizações terroristas podem, assim, adotar táticas convencionais de grupos criminosos organizados, como obter lucro do tráfico de droga, ou de outros tipos de comércio ilegal. Neste contexto, a Resolução 55/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que adotou a Convenção Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, insta também os Estados a reconhecer o vínculo entre as atividades da criminalidade organizada transnacional e os atos terroristas.

Outro elemento importante na distinção entre estes dois tipos de criminalidade é que, por definição, a criminalidade organizada não pode ser cometida por uma única pessoa (como resulta da definição de grupo criminoso organizado prevista no art. 2.º, al. a) da Convenção Contra a Criminalidade Organizada), enquanto os atos terroristas podem ser cometidos por uma única pessoa.

Os Estados Membros não chegaram a acordo quanto à definição de terrorismo. Em vez disso, há 19 instrumentos legais universais contra o terrorismo negociados nos últimos 50 anos. Embora as negociações para redigir uma compreensiva convenção sobre terrorismo internacional estejam em andamento, a verdade é que, até agora, o desenvolvimento de uma estratégia compreensiva contra o terrorismo tem-se mostrado limitado, pela inabilidade em se chegar a acordo quanto à própria definição de terrorismo, entre outras questões.

A Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo prevê uma definição ampla como a que se transcreve infra.

Definição ampla de terrorismo

Comete uma infração, nos termos da presente Convenção, quem, por quaisquer meios, direta ou indiretamente, ilegal e deliberadamente, fornecer ou reunir fundos com a intenção de serem utilizados ou sabendo que serão utilizados, total ou parcialmente, tendo em vista a prática: […]

(b) De qualquer outro ato destinado a causar a morte ou ferimentos corporais graves num civil, ou em qualquer pessoa que não participe diretamente nas hostilidades numa situação de conflito armado, sempre que o objetivo desse ato, devido à sua natureza ou contexto, vise intimidar uma população, ou obrigar um governo ou uma organização internacional, a praticar ou a abster-se de praticar qualquer ato.

Fonte: Art. 2.º, n.º 1, al. b) da Convenção Internacional para a eliminação do Financiamento do Terrorismo; Nas Recomendações do GAFI sobre o Financiamento do Terrorismo e Financiamento da Proliferação, define-se ato terrorista como se apresenta supra, além das infrações ao abrigo das convenções e protolocos universais antiterrorismo negociados em 1999.

Grupos criminosos organizados também podem, no entanto, adotar táticas terroristas de violência indiscriminada e intimidação pública em larga escala para promover os seus objetivos criminosos, ou satisfazer um objetivo operacional especial. Grupos criminosos organizados e organizações terroristas podem promover alianças entre si. A natureza destas alianças varia amplamente e podem incluir relações pontuais, de curto ou de longo prazo. Com o decurso do tempo, grupos criminosos e de terroristas podem desenvolver a capacidade de se envolverem em atividades criminosas ou terroristas, formando entidades que exibem características de ambos os grupos. A figura que se segue (Figura 1.1) esquematiza o nexus crime-terrorismo. Mostra que, embora a criminalidade organizada e o terrorismo tenham objetivos distintos, podem, também sobrepor-se. 

Figura 1.1. O nexus crime-terrorismo

 
Seguinte: Atividades, organização e composição dos grupos criminosos organizados
Regressar ao início