Este módulo é um recurso para professores 

 

Tráfico de bens culturais

 

Enquadramento legal

Dois ladrões usaram uma escada para subir ao telhado e invadir o Museu de Vincent Van Gogh em Amesterdão, e em apenas alguns minutos furtaram dois quadros de Van Gogh avaliados em $30 milhões. A polícia apanhou os dois homens que foram, posteriormente, condenados, mas os quadros nunca foram recuperados. Museus iraquianos e locais arqueológicos sofreram grandes perdas de artefactos históricos, devido aos saques durante os conflitos armados e agitação civil no país. Alguns dos artefactos furtados do Museu Nacional do Iraque foram devolvidos mas, cerca de 10,000 objetos, continuam desaparecidos (Bogdanos and Patrick; 2006; McCalister, 2005; US DoJ, 2008). Estes exemplos ilustram o roubo de antiguidades e arte, dois tipos relacionados, ainda que se refiram a tipos de propriedade cultural substancialmente distintos. O termo “bens culturais” refere-se a “bens que, por razões religiosas ou profanas, são considerados por cada Estado como tendo importância arqueológica, pré-histórica, histórica, literária, artística ou científica” (Artigo 1.º da Convenção de 1970 da UNESCO, relativa às medidas a adotar para proibir e impedir a importação, a exportação e a transferência ilícitas de propriedades de bens culturais).

Os bens culturais fazem parte da herança comum da humanidade. É um testemunho único para identificar as pessoas, e a importância da sua proteção tem sido enfatizada em diversos instrumentos internacionais. Alguns exemplos destes tratados incluem a Convenção da UNESCO, relativa às medidas a adotar para proibir e impedir a importação, a exportação e a transferência ilícitas de propriedades de bens culturais (1970), e a Convenção da UNIDROIT sobre bens culturais roubados ou ilicitamente exportados (1995).

Nos anos mais recentes, os grupos criminosos organizados têm-se envolvido de forma crescente na destruição, pilhagem, tráfico e venda de bens culturais, ambos por mercados legítimos, como em leilões ou pela Internet, e mercados ilícitos subterrâneos. A crescente consciencialização dos elementos da criminalidade transnacional sobre o crime de tráfico de bens culturais, despoletou os Estados a reconhecer a importância da Convenção contra a Criminalidade Organizada no fornecimento de uma resposta para este crime.

Para além disso, a adoção pela Assembleia Geral das Diretrizes para a Prevenção do Crime e as Respostas da Justiça Criminal Relativas ao Tráfico de Bens Culturais e outros Crimes Relacionados, em dezembro de 2014, apresenta-se como uma nova ferramenta para fortalecer a resposta da comunidade internacional para este tipo de crime. As Diretrizes, ainda que não vinculativas para os Estados Membros, estão disponíveis, para a sua consideração no desenvolvimento e fortalecimento da prevenção do crime e políticas de justiça criminal, estratégias, legislação e mecanismos de cooperação para prevenir e combater o tráfico de bens culturais e crimes relacionados (UNODC, 2016).

 

Mercado e tendências

O tráfico de bens culturais, envolve diversos atos que, no limite, podem implicar a sua perda, destruição, remoção ou furto de bens insubstituíveis. Mas, quem é responsável por estes furtos, qual a sua motivação, e qual o destino destes objetos?

Não existe muito estudo sistematizado sobre quem se envolve nestes furtos, tráfico, e venda de bens culturais. O número de casos de furtos a museus, e residências privadas, aparentam ser pouco sofisticados, com pequenos grupos de ladrões, que tiram vantagem das parcas medidas de segurança (Council for Museums, Archives and Libraries, 2003). Por outro lado, a capacidade para vender estas mercadorias roubadas ou saqueadas, por preços mais elevados do que aqueles praticados em lojas de penhores, implica contactos e ligações além da capacidade dos criminosos em pequena escala. Vender arte roubada por exemplo, envolve, frequentemente, a assistência ou facilitação corrupta ou negligente dos colaboradores das galerias de arte, leiloeiras, empresas de transporte, curadores, companhias de seguros, ou funcionários públicos.

O tráfico de bens culturais representa uma enorme fonte de lucros ilícitos para os grupos criminosos organizados, que também o usam para branqueamento dos proveitos do crime. O problema de objetos culturais roubados tem crescido de tal forma que, existe agora, um número de registos internacionais onde os bens roubados podem ser denunciados e as fotos exibidas. A INTERPOL, a maior instituição para a cooperação policial internacional criou, há muitos anos, uma base de dados dedicada a arte roubada. O objetivo da base de dados é publicitar a descrição e as fotografias das obras de arte roubadas mais recentemente (ou procuradas), bem como dar visibilidade às obras de arte recuperadas, que em relação às quais não tenha sido identificado o proprietário. A base de dados contém uma lista dos bens recuperados. O objetivo geral é tornar mais difícil que os potenciais compradores ou vendedores de arte roubada ou antiguidades, façam negócio.

A escolha de furtar bens culturais reside, provavelmente, na relativa facilidade do roubo e do ganho potencial que dele resulta. Por exemplo, o furto de uma pintura muito conhecida, mesmo quando transacionado por uma fração do seu valor, pode trazer mais dinheiro aos ladrões do que qualquer número de assaltos a residências. Assim, medidas de segurança melhoradas em museus e coleções privadas, bem como em sítios arqueológicos, combinado com a maior exigência em termos de diligência devida daqueles envolvidos no mercado de arte e de bens culturais, teriam, provavelmente, um efeito dissuasor neste tipo de roubos. É difícil vender obras de arte muito conhecidas, uma vez que são facilmente reconhecíveis. Assim, é provável que alguma da arte roubada seja armazenada, ou vendida a um preço baixo a alguém que esteja disposto a assumir o risco de a revender a um comprador corrupto, e/ou transportá-la para um país, em que a vigilância seja diminuta para localizar antiguidades ou obras de arte roubadas. Tem havido alguns casos em que a procura por arte roubada é resultado da procura de potenciais compradores ricos, sem escrúpulos (Bowman, 2008; Kennedy, 2008; Lane, Bromley, Hicks, Mahoney, 2008; Manacorda and Visconti, 2014).

 

Desafios e oportunidades

O crescimento do número de furtos nos anos mais recentes, tem granjeado uma maior atenção sistemática das agências policiais, e museus, e outras agências não-lucrativas criaram sítios na internet para exibirem obras de arte perdidas, roubadas e recuperadas, por forma a informar os potenciais compradores e vendedores da sua situação atual (Mackenzie, 2009).

Um melhor controlo do tráfico internacional de bens culturais roubados ou pilhados, implica que a longo prazo mais países se tornem partes em acordos bilaterais e internacionais sobre os métodos aceitáveis de entrega e troca. A execução legal destes acordos entre os países ratificantes tem que continuar para melhorar, e assim, detendo compradores e vendedores sem escrúpulos. De facto, algumas das investigações mais frutíferas ocorreram com recurso a estratégias proactivas de execução da lei para combater a criminalidade organizada, como operações encobertas ou secretas, e dicas de informadores na rede global de negociantes de arte, galerias e leiloeiras. Estes métodos também incluem a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada, que contém uma referência, no preâmbulo da resolução 55/25 da Assembleia Geral, que adotou a Convenção, para a sua utilidade como uma ferramenta eficaz, e sendo o enquadramento legal necessário para a cooperação internacional no combate aos “crimes contra a herança cultural”.

É necessário estabelecer inventários compreensíveis das coleções públicas, onde ainda não existam, por forma a melhorar a documentação de propriedade, e relatórios sobre peças desaparecidas ou roubadas. Para além disso, uma maior consciencialização pública é crucial para perceber a importância e relevância da herança cultural para a história do país e das pessoas, e a necessidade de a preservar. Estas e outras medidas eficazes constam das Diretrizes para a Prevenção do Crime e as Respostas da Justiça Criminal Relativas ao Tráfico de Bens Culturais e outros Crimes Relacionados, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução  69/196.

 
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