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A responsabilidade das pessoas coletivas

 

Sabe-se que os grupos criminosos organizados usam empresas, negócios, organizações de caridade ou outras entidades, para cometer crimes graves e sofisticados. Eles podem usar essas organizações para camuflar o envolvimento pessoal nesses crimes, sendo as empresas particularmente úteis para esconder os clientes e transações, bem como para preservar a propriedade dos proveitos do crime. A lei penal tem procedimentos para determinar esse tipo de condutas sob o disfarce dessas organizações. Estes são baseados na distinção entre pessoas singulares (i.e. indivíduos) e pessoas coletivas, como as sociedades.

Pessoas singulares versus pessoas coletivas

São reconhecidas, nos termos da lei, dois tipos de pessoas: as singulares e as pessoas coletivas. As pessoas singulares são todos os seres humanos, responsáveis pelos seus comportamentos de acordo com a lei. As pessoas coletivas são criações legais, normalmente empresas ou corporações, que não se confundem com os indivíduos, mas têm alguma capacidade de desencadear ações que afetam outros.

A previsão da responsabilidade das pessoas coletivas, previsto no artigo 10.º da Convenção contra a Criminalidade Organizada, é um importante reconhecimento do papel que as pessoas coletivas podem desempenhar na comissão, ou facilitação, da criminalidade organizada transnacional. Impõe-se a cada Estado parte que preveja a responsabilidade das pessoas coletivas, prevendo que, em conformidade com o ordenamento jurídico de cada Estado parte, a responsabilidade das pessoas coletivas poderá ser penal, civil ou administrativa. Os ordenamentos jurídicos nacionais continuam a ter formas diversas de tratar a responsabilidade das pessoas coletivas, como imputam essa responsabilidade ou a culpa, e como determinam as respetivas sanções, com alguns Estados a recorrer a sanções penais contra a organização em si, como multas, perda de bens ou privação de direitos, enquanto outros aplicam sanções não penais ou quase-penais.

Estruturas societárias complexas podem esconder de forma eficaz o verdadeiro proprietário, a clientela ou as transações. O conceito de pessoa coletiva também pode ser usado como escudo à responsabilidade das pessoas singulares, e estruturas complexas podem ser usadas para esconder a atividade ilegal. O papel das pessoas coletivas na atividade ilegal pode desencadear uma ampla variedade de criminalidade organizada transnacional, desde o tráfico de pessoas, estupefacientes, produtos médicos falsificados e armas, à corrupção e branqueamento de capitais. Assegurar a responsabilidade das pessoas coletivas é, por isso, uma componente importante no combate à criminalidade organizada transnacional.

Artigo 10.º Responsabilidade de pessoas coletivas

  1. Cada Estado Parte deverá adoptar as medidas necessárias, em conformidade com o seu ordenamento jurídico, para responsabilizar as pessoas colectivas que participem em crimes graves envolvendo um grupo criminoso organizado e que cometam as infracções enunciadas nos artigos 5.º, 6.º, 8.º e 23.º da presente Convenção.
  2. Em conformidade com o ordenamento jurídico do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas colectivas poderá ser penal, civil ou administrativa
  3. A responsabilidade das pessoas colectivas não obstará à responsabilidade penal das pessoas singulares que tenham praticado as infracções.

Cada Estado Parte deverá assegurar que as pessoas colectivas consideradas responsáveis em conformidade com o presente artigo sejam objecto de sanções eficazes, proporcionais e dissuasivas, de natureza penal ou outra, incluindo sanções pecuniárias.

Como resulta do n.º 3 do artigo 10.º, a responsabilidade das pessoas coletivas não afasta a responsabilidade penal das pessoas singulares que tenham praticado as infrações. A responsabilidade das pessoas singulares que praticam tais atos é, consequentemente, considerada para além de qualquer responsabilidade das pessoas coletivas, e não deve ser afetada por isso. Por outras palavras, quando uma pessoa singular comete crimes por conta de uma pessoa coletiva, é possível imputar responsabilidade, deduzir acusação e condenar, tanto a pessoa singular como a pessoa coletiva.

Algumas das questões importantes podem ser identificadas no processo para estabelecer a responsabilidade das pessoas coletivas. Por exemplo: O que significa uma pessoa coletiva num determinado contexto? Pode uma pessoa coletiva (e.g., um negócio) ser legalmente responsabilizada por um crime cometido por algum dos seus membros? Como é que se atribui responsabilidade a uma pessoa coletiva? Se um país reconhecer a responsabilidade penal das pessoas coletivas, como é que o legislador determina o elemento subjetivo do tipo, a uma entidade ficcional?

A atribuição de responsabilidade a uma entidade ficcional é um desafio particularmente complexo em muitas jurisdições, porque a maioria dos sistemas legais, baseiam as suas leis penais na combinação de uma conduta física, a um estado mental associado. Ainda que a ação física da conduta seja relativamente simples, a atribuição de um determinado estado mental, como a “intenção” ou o “conhecimento”, a uma pessoa coletiva é bem mais complexa. Neste contexto, alguns países decidiram tornar a responsabilidade da pessoa coletiva dependente da responsabilidade de pessoas singulares. Assim, nas jurisdições que adotaram esta abordagem, a sociedade pode ser responsável por uma determinada conduta criminal praticada por um agente ou colaborador da organização. Outros países, procuraram o reflexo da culpabilidade da organização em si mesma e, por exemplo, identificam a responsabilidade da organização na forma como está estruturada, nas suas políticas e na falha de supervisão aos seus colaboradores ou agentes.

Tal como acontece nos crimes cometidos por pessoas singulares, a defesa da responsabilidade das pessoas coletivas pode estar disponível. Por exemplo, um desses argumentos  pode ser “a diligência devida”. A diligência devida é, na sua essência, o oposto à negligência. Isto é, o arguido pode reduzir ou afastar a responsabilidade se for capaz de demonstrar que encetou todas as etapas razoáveis para garantir o cumprimento da lei.

Como se prevê no artigo 10.º, n.º 4 cada Estado Parte deverá assegurar que as pessoas coletivas consideradas responsáveis em conformidade com o presente artigo, sejam objeto de sanções eficazes, proporcionais e dissuasivas. A sanção mais frequente contra a pessoa coletiva é a sanção pecuniária, de natureza penal ou outra, ou uma natureza híbrida. Outras sanções incluindo a apreensão de bens, restituição, ou até a extinção das pessoas coletivas. Para além disso, os Estados podem considerar sanções não-monetárias disponíveis em algumas jurisdições, como a perda de certas vantagens ou a proibição de exercício de algumas atividades.

A previsão da responsabilidade das pessoas coletivas aumenta a dificuldade daqueles que, no setor legítimo de negócios, podem atuar como facilitadores da atividade criminosa organizada. Para além disso, pode ainda ter um efeito dissuasor, considerando que o dano à reputação pode ser altamente oneroso para uma organização, e pode atuar como um catalisador de uma gestão mais eficaz e de estruturas de supervisão para assegurar o cumprimento legal.

 
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