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Olhar além do Protocolo: Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito dos Refugiados

 

Migrantes introduzidos ilegalmente (e migrantes em situação irregular, no geral) estão frequentemente em situações de precariedade nos países de trânsito ou países-destino, devido à ausência de permissão oficial para estarem naqueles países. Todavia, os migrantes introduzidos ilegalmente beneficiam de um conjunto amplo de direitos por força do Direito Internacional, que devem ser aplicados sem discriminação com base no seu estatuto migratório. Contudo, não é possível afirmar que, na prática, estes direitos estão a ser implementados a nível nacional na sua totalidade, e que os Estados cumprem inteiramente estas obrigações.

Os direitos atribuíveis aos migrantes introduzidos ilegalmente derivam, na sua maioria, dos seguintes instrumentos legais:

A estes, podem também ser acrescentados instrumentos jurídicos regionais, como é o caso da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Convenção Americana de Direitos Humanos. As normas dos instrumentos internacionais e regionais são vinculativas para os Estados que deles fazem parte - ou seja, os Estados que os ratificaram ou a eles aderiram. Contudo, é de notar que alguns direitos fazem parte daquilo que é designado de Direito Internacional Costumeiro. Assim sendo, estes serão obrigatórios para todos os Estados.

Esta variedade de instrumentos legais internacionais é uma parte significativa do enquadramento global invocado pelo artigo 19 do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes. Combinados, estabelecem inúmeros direitos atribuíveis a migrantes introduzidos ilegalmente. É importante compreender - como acima referido – que os migrantes introduzidos ilegalmente continuam a beneficiar de uma gama de direitos mesmo não sendo nacionais ou cidadãos dos países de trânsito ou destino onde que se encontram.

Dos tratados supra mencionados, muito poucos se referem aos migrantes como uma classe de pessoas. O uso de expressões como “todos” e “ninguém” podem levar a uma conclusão de que estes direitos se aplicam a toda a Humanidade, sem discriminações, independentemente do estatuto migratório no país onde se encontram. A não discriminação é um princípio fundamental do direito internacional.

 

Não Discriminação

Para além do artigo 19(2) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes, a proibição contra a discriminação está consagrada, inter alia, no:

  • Artigo 2(1) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP);
  • Artigo 2(1) do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC);
  • Artigo 1 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD);
  • Artigo 2 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW);
  • Artigo 7 da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (ICRMW);
  • Artigo 2(1) da Convenção internacional sobre os Direitos da Criança (CRC).
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Princípio da Não Discriminação

O Artigo 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos deixa claro que, com respeito a todos os direitos reconhecidos pela Convenção, o titular do dever é geralmente o Estado sob cuja jurisdição uma pessoa está localizada. Assim, obriga os Estados a respeitar os direitos reconhecidos no Pacto e a garantir que sejam usufruídos por todos os indivíduos que estejam dentro do seu território e/ou sujeitos à sua jurisdição, sem qualquer distinção de qualquer como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro estatuto.

[A] regra geral é que cada um dos direitos do Pacto [ICCPR] seja garantido sem discriminação entre cidadãos e estrangeiros.

Comité sobre Direitos Civis e Políticos, Comentário Geral No.15: A Posição dos Estrangeiros Sob o Pacto (1986), Parágrafo 2

A discriminação é entendida como: qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, sexo, idade, género, orientação sexual, identidade de género, deficiência, religião ou crença, nacionalidade, estatuto migratório ou de residência ou outro estatuto que tenha como objetivo ou como efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Art. 1º  (1) e  Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, Art. 1º

As formas direta e indireta de tratamento diferenciado podem resultar em discriminação nos termos do artigo 2, parágrafo 2, do Pacto:

(a) A discriminação direta ocorre quando um indivíduo é tratado de forma menos favorável do que outra pessoa numa situação semelhante por uma razão relacionada com um motivo proibido; por exemplo, quando o emprego em instituições educacionais ou culturais ou a filiação num sindicato se baseie nas opiniões políticas dos candidatos ou funcionários. A discriminação direta também inclui atos ou omissões prejudiciais praticadas com base em motivos proibidos, onde não há situação semelhante comparável (por exemplo, o caso de uma mulher grávida);

(b) A discriminação indireta refere-se às leis, políticas ou práticas que parecem neutras à primeira vista, mas têm um impacto desproporcional no exercício dos direitos do Pacto, distinguido por motivos proibidos de discriminação. Por exemplo, exigir uma certidão de registo de nascimento para matrícula escolar pode discriminar minorias étnicas ou estrangeiros que não possuem ou que tiveram negados tais certificados.

Comité sobre Direitos Civis e Políticos, Comentário Geral No. 20: Não Discriminação nos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (2009)

Muitos direitos (por exemplo, o direito à vida, proibição da tortura, proibição da escravatura ou trabalhos forçados, a igualdade perante os tribunais e igualdade perante a lei) não podem ser limitados em relação aos migrantes introduzidos ilegalmente. No entanto, o Princípio da Não Discriminação não proíbe todas as formas de tratamento diferenciado. Ao invés, este princípio estipula que a discriminação (incluindo aquela que se baseia em cidadania, residência ou nacionalidade) não pode ser desproporcional ou arbitrária. De facto, algumas provisões do PIDCP não são aplicadas de forma igual aos migrantes e aos nacionais. Como por exemplo, o direito ao voto (artigo 25) não se aplica aos migrantes, enquanto que o direito à apreciação judicial de uma ordem de expulsão (artigo 13) se aplica apenas aos não-nacionais. Igualmente, o PIDCP cria uma distinção entre migrantes em situação regular daqueles que estão numa situação irregular. Os artigos 12 (direito à liberdade de movimento e escolha do local de residência) e 13 (expulsão após decisão judicial adotada em conformidade com a lei ), a título de exemplo, são apenas aplicáveis a " estrangeiros que estejam legalmente no território de um Estado Parte ... [irregulares] e estrangeiros que tenham permanecido mais tempo do que a lei ou suas autorizações permitem, em particular, não são abrangidos pelas suas disposições" (Comité da ONU sobre Direitos Humanos, PIDCP, Comentário Geral No. 15).

A questão crítica é distinguir entre o tratamento diferenciado limitado a algumas disposições específicas (que é permitido) e a discriminação (que não permitido). Isto é, quando a alegação de titularidade a um direito específico colide ou pode vir a colidir com um interesse legítimo do Estado (ou de outras pessoas, como os nacionais e cidadãos), o Estado pode ter em conta o estatuto migratório. O Estado deve cumprir um julgamento vis-à-vis equilibrado, atendendo aos direitos e interesses que se encontram em conflito no caso em particular, que pode levar a que determinados direitos dos migrantes lhes sejam negados. Com base nesta premissa, o Estado pode negar alguns direitos a migrantes em situação irregular enquanto sustenta esses mesmos direitos para os migrantes regulares.

O ponto chave é que a diferença na garantia e proteção de direitos humanos pode ser justificada através do princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, a limitação deve ser adequada para atingir o fim pretendido (princípio da adequação). Em segundo lugar, os meios empregues para atingir o fim devem ser os menos restritivos possíveis para os direitos humanos afetados (princípio da necessidade). 

Em terceiro lugar, as limitações impostas aos direitos humanos em questão devem ser proporcionais aos benefícios/vantagens do direito ou interesse privilegiado (princípio da proporcionalidade stricto sensu). Este princípio deve ser aplicado mesmo em períodos de emergência quando, sob condições rigorosas previamente definidas, certas derrogações quanto aos direitos fundamentais são permitidas (artigos 4 e 12(3) da PIDCP).

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Embora o artigo 4, parágrafo 1, permita que os Estados partes tomem medidas derrogatórias de certas obrigações previstas no Pacto em tempos de emergência pública, o mesmo artigo exige, inter alia, que essas medidas não envolvam discriminação unicamente com base na raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. Além disso, o artigo 20, parágrafo 2, obriga os Estados partes a proibir, por lei, qualquer defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação. (…)

[En]quanto esse [tratamento diferenciado] for necessário para corrigir a discriminação de fato, é um caso de diferenciação legítima pelo Pacto. (…)

[Nem] toda a diferenciação de tratamento constituirá discriminação, se os critérios para tal diferenciação forem razoáveis ​​e objetivos e se a finalidade for alcançar um propósito legítimo nos termos do Pacto.

Comité sobre Direitos Civis e Políticos, Comentário Geral No. 18: Não-discriminação (1989), Parágrafos 2, 10, e 13

No seguimento desta visão, o Comité para a Eliminação da Discriminação Racial determinou:

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“[O] tratamento diferenciado com base no estatuto de cidadania ou imigração constituirá discriminação se os critérios para essa diferenciação, julgados à luz dos objetivos e finalidades da Convenção, não forem aplicados de acordo com um objetivo legítimo e não forem proporcionais à realização deste objetivo”.

Comité para a Eliminação da Discriminação Racial, Recomendação Geral No. XXX, Discriminação contra não cidadãos.

Além disso:

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Em relação às crianças, o artigo 24 estabelece que todas as crianças, sem qualquer discriminação quanto à raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, propriedade ou nascimento, têm direito às medidas de proteção exigidas pelo seu estatuto como menores, por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

Comité sobre Direitos Civis e Políticos, General Comment No.18: Non-discrimination (2002), Parágrafo 5

Em suma, é entendido que qualquer tentativa de prevenção efetiva contra a discriminação dos migrantes introduzidos ilegalmente deve tomar em consideração (i) o interesse do Estado em direitos específicos; (ii) a relação entre o migrante ilegalmente introduzido e o Estado relevante; e (iii) se a razão ou interesse do Estado em distinguir entre cidadãos e migrantes introduzidos ilegalmente é legítima e proporcional (OHCHR, 2006, p.7).

 

Direitos Civis e Políticos

De um modo abrangente, direitos civis e políticos podem ser definidos como prerrogativas que restringem os poderes governamentais no que respeita às ações que afetam o indivíduo e a sua autonomia (direitos civis) e conferem a oportunidade de as pessoas contribuírem para a formação do Direito e participarem da governação (direitos políticos).

O direito à vida e o direito a não ser sujeito a atos de tortura ou outros atos cruéis, desumanos ou tratamento ou castigos degradantes

O direito fundamental de todos os seres humanos à vida está consagrado, inter alia, no artigo 6(1) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). O igualmente importante direito de não ser sujeito a tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante é estabelecido no artigo 7 do mesmo Pacto e na Convenção contra a Tortura (CAT). Estes direitos estão espelhados no artigo 16 do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de migrantes (ver acima). Estes direitos obrigam os Estados a implementar medidas de proteção para situações em que as vidas dos migrantes estejam em perigo. Exigem ainda que os Estados se abstenham de conduzir ações que possam levar ao incumprimento destes direitos (ver acima as obrigações positivas e negativas dos Estados).

Um exemplo de intervenção para proteção do direito à vida é o salvamento de migrantes introduzidos ilegalmente de situações que colocam em causa as suas vidas e segurança (por exemplo quando estão em embarcações precárias e congestionadas). A provisão de comida e abrigo, água e cuidados médicos são uma forma de proactivamente garantir o direitos à vida e ao tratamento humano dos migrantes introduzidos ilegalmente. Por fim, um exemplo de uma abstenção da prática de atos que poderiam prejudicar estes direitos é a não devolução de pessoas a locais onde correm o risco de serem submetidas a tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, ou castigos.

Direito à liberdade e à segurança

O direito à liberdade é particularmente relevante para o tratamento dos migrantes introduzidos ilegalmente dado que os migrantes são frequentemente detidos à chegada devido ao incumprimento de leis de imigração. Devem ser esclarecidos fatores importantes relativos a estas situações.

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Artigo 9, PIDCP

1. Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segurança da sua pessoa. Ninguém poderá ser submetido a detenção ou prisão arbitrárias. Ninguém poderá ser privado da sua liberdade, exceto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos. 

2. Toda a pessoa detida será informada, no momento da sua detenção, das razões da mesma, e notificada, no mais breve prazo, da acusação contra ela formulada.

3. Toda a pessoa detida ou presa devido a uma infração penal será presente, no mais curto prazo, a um juiz ou outro funcionário autorizado por lei para exercer funções judiciais, e terá direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade. A prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no ato de juízo ou em qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença.

4. Toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal.

5. Toda a pessoa que tenha sido detida ou presa ilegalmente tem o direito a obter uma indemnização.

Existe uma presunção contra a detenção, sendo dada primazia às medidas não privativas de liberdade. Quando a detenção deva ser aplicada, não pode ser arbitrária, ela tem de ter um fim legítimo e tem de ser imposta com base numa determinação individual. A detenção só pode ser aplicada nos casos previstos na lei e quando medidas menos restritivas não sejam apropriadas ou não se encontrem disponíveis. As pessoas detidas devem ser informadas do fundamento e duração da detenção. Devem ser disponibilizadas vias e meios para contestação que garantam o direito a um julgamento justo e ao devido processo legal, incluindo o acesso a assistência legal e a serviços de tradução.

Além do artigo 9 do PIDCP, é importante lembrar algumas orientações internacionais e princípios relativos aos padrões de detenção. Vejamos, a título de referência, o Comentário Geral n. 35 do Comité dos Direitos Humanos, especialmente o parágrafo 18, assim como o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão. Se a detenção for imposta a mulheres ou crianças, deve ser dada especial atenção às suas necessidades especiais. A detenção de refugiados e requerentes de asilo também está sujeita a orientações específicas.

A “International Detention Coalition, uma rede que integra mais de 400 organizações da sociedade civil, desenvolveu orientações relacionadas com a detenção de refugiados, requerentes de asilo e migrantes, baseadas em normas internacionais:

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Detenção de refugiados, requerentes de asilo e migrantes: posição da International Detention Coalition

  • A detenção de refugiados, requerentes de asilo e migrantes é inerentemente indesejável.
  • Indivíduos vulneráveis ​​- incluindo refugiados, crianças, mulheres grávidas, mães em período de amamentação, sobreviventes de tortura e trauma, vítimas de tráfico, idosos, pessoas com deficiência e pessoas com necessidades de saúde física ou mental - não devem ser detidos.
  • As crianças não devem ser detidas para fins relacionados com a migração. Os seus melhores interesses devem ser protegidos de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança. As crianças não devem ser separadas dos seus cuidadores e, se não forem acompanhadas, devem ser tomadas providências.
  • Os requerentes de asilo não devem ser detidos ou penalizados porque foram obrigados a entrar num país de forma irregular ou sem a documentação adequada. Eles não devem ser detidos com criminosos e devem ter a oportunidade de procurar asilo e ter acesso aos procedimentos de requerimento de asilo.
  • A detenção deve ser usada apenas como último recurso. Se utilizada, deve ser necessária e proporcional ao objetivo das verificações de identidade e segurança, prevenção de fuga ou cumprimento de uma ordem de expulsão.
  • Quando uma pessoa está sujeita a detenção, é necessário, em primeiro lugar, procurar alternativas. Os governos devem implementar alternativas à detenção que garantam a proteção dos direitos, dignidade e bem-estar dos indivíduos.
  • Ninguém deve ser sujeito à detenção indefinida. A detenção deve ser pelo menor tempo possível, com limites definidos no tempo de detenção, que devem ser rigorosamente respeitados.
  • Ninguém deve ser sujeito a detenção arbitrária. As decisões de deter devem ser exercidas de acordo com políticas e procedimentos justos e sujeitas a revisão judicial independente e regular. Os detidos devem ter o direito de contestar a legalidade de sua detenção, que deve incluir o direito a aconselhamento jurídico e o poder do tribunal de libertar o indivíduo detido.
  • As condições de detenção devem obedecer aos padrões mínimos básicos em matéria de direitos humanos. Deve haver uma monitorização independente e regular dos locais de detenção para garantir que esses padrões sejam cumpridos. Os Estados devem ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanas ou Degradantes, que fornece uma forte base legal para uma monitorização regular e independente dos locais de detenção.
  • O confinamento de refugiados em campos fechados constitui uma detenção. Os governos devem considerar alternativas que permitam aos refugiados a liberdade de movimentação.
International Detention Coalition. Quadro jurídico e normas relativas à detenção de refugiados, requerentes de asilo e migrantes - Um Guia (2011)
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Lacuna de proteção: condições de detenção em centros de detenção de migração

As equipas encontraram condições precárias de detenção, algumas das quais poderiam ser consideradas tratamento desumano e degradante. As más condições incluíam sobrelotação; crianças mantidas ao lado de adultos desconhecidos; casas de banho ou outras instalações sanitárias frequentemente inutilizáveis; chuveiros em espaços que representavam um risco para a segurança de mulheres e meninas; estruturas impróprias para crianças; falta de água e comida adequadas e suficientes em termos de valores nutricionais; e falta de acesso a cuidados e serviços de saúde física e mental de qualidade. Várias das instalações visitadas eram extremamente precárias, com fortes cheiros fecais ou de esgoto no geral, com possibilidades reduzidas para realizar a higiene pessoal, lavagem, falta de vestuário ou roupas de cama limpas e outras condições de confinamento altamente angustiantes. (…) Embora as más condições materiais na detenção da imigração possam estar diretamente relacionadas com a falta e má administração de recursos, a securitização excessiva e a falha em garantir o ambiente de acolhimento apontam para uma preocupante priorização de um regime baseado na segurança e na detenção punitiva, em contravenção com a exigência de garantir que seja refletido o objetivo administrativo da detenção de imigrantes e que as medidas sejam tomadas para minimizar os riscos associados à privação de liberdade.

OHCHR, Em busca da dignidade - Relatório sobre os direitos humanos dos migrantes nas fronteiras da Europa (2017)
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Boas Práticas

No México, os Regulamentos (Reglamento) da Legislação sobre os Direitos da Criança proíbem a detenção de crianças por motivos de imigração (artigo 111, 2 de dezembro de 2015). A lei Lituana contém uma lista exaustiva de alternativas à detenção, incluindo: apresentações periódicas no posto da polícia regional, com a frequência decidida pelo tribunal; confiar a um cidadão ou estrangeiro que resida legalmente no país a tutela de um estrangeiro; ou reportar acerca do seu local de permanência de forma periódica ao posto da polícia regional.

OHCHR e Grupo Global de Migração, Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (março 2018)
 

Acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva

O direito de acesso aos tribunais (vejamos os artigos 2.3, 9 e 14 do PIDCP) concede aos indivíduos a prerrogativa de uma audiência pública e justa, conduzida por um tribunal competente, independente e imparcial estabelecido pela lei, caso sejam alvo de acusações penais ou caso os seus direitos e obrigações tenham sido determinados no contexto de procedimentos legais. Todas as pessoas possuem este direito, independentemente da sua nacionalidade ou estatuto legal. O direito à igualdade perante os tribunais também garante a paridade de meios. Isto é, os mesmos direitos processuais devem ser providenciados a todas as partes envolvidas, a não ser que distinções sejam baseadas na lei e possam ser justificadas em termos objetivos e razoáveis. Consequentemente, como destaca a Comissão para a Eliminação da Discriminação Racial na sua Recomendação Geral XXX, não há paridade de meios se, por exemplo, apenas o Estado e não o réu possa recorrer de determinada decisão.

No seguimento do já mencionado, os Estados têm de desenvolver medidas específicas de forma a garantirem que os migrantes introduzidos ilegalmente beneficiem destes direitos. Isto pode ser alcançado através da garantia de acesso a serviços de tradução/interpretação competentes, informação e assistência jurídica gratuitas, como for mais apropriado (ver, por exemplo, o artigo 14(3) do PIDCP e o artigo 18(3) da CITM). Os recursos devem ser acessíveis e exequíveis. Na prática, o receio da expulsão, que pode impedir os migrantes introduzidos ilegalmente de participarem em procedimentos legais, deve ser atendido de modo a contribuir para a implementação do direito de acesso aos tribunais, como também beneficiaria as investigações.

Caixa 16

Lacuna de Proteção

No que diz respeito ao devido processo legal e às garantias justas de julgamento, os migrantes relataram um acesso inadequado a informações, ao apoio jurídico e à assistência judicial, com disponibilidade limitada de advogados que, em alguns casos, tiveram dificuldades no acesso aos centros de detenção; bem como a falta de serviços de tradução adequados para os migrantes, inclusive em processos criminais, de expulsão ou deportação. [Num país], onde os migrantes estavam sujeitos a processo criminal por entrada irregular, houve uma preocupação séria acerca dos relatórios que se debruçaram sobre a qualidade de alguns representantes legais nomeados pelo Estado, que forneceram informações falsas com implicações legais.

OHCHR, Em busca da dignidade - Relatório sobre os direitos humanos dos migrantes nas fronteiras da Europa (2017)
Caixa 17

Boas Práticas

A Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 25 de outubro de 2012, que estabelece as normas mínimas sobre os direitos, o apoio e a proteção das vítimas de crime, e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, assegura várias medidas de assistência e de proteção a todas as vítimas de crimes, sem distinção. Inclui especificamente o direito à interpretação e tradução, o direito ao apoio psicológico e o direito à assistência jurídica gratuita, entre outros.

 

Direitos Económicos, Sociais e Culturais

A implementação de direitos económicos, sociais e culturais está sujeita a uma realização progressiva, face ao reconhecimento dos recursos limitados de alguns Estados uma vez que, normalmente, este conjunto de direitos requer que o Estado adote um papel proativo na garantia individual desses mesmos direitos.

Caixa 18

“A nacionalidade não deve impedir o acesso aos direitos do Pacto, por exemplo: todas as crianças de um Estado, inclusive aquelas com estatuto de indocumentado, têm o direito de receber educação e acesso a alimentos adequados e cuidados de saúde acessíveis. Os direitos do Pacto aplicam-se a todos, inclusive estrangeiros, como os refugiados, requerentes de asilo, apátridas, trabalhadores migrantes e vítimas de tráfico internacional, independentemente do seu estatuto legal e da sua documentação”. (sublinhado nosso).

Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral No. 20: Não-Discriminação nos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (2009), Parágrafo 30.

Não obstante a afirmação da Caixa 19, o artigo 2(3) da Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) estipula que: “Os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação económica nacional, poderão determinar em que medida garantirão os direitos económicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais.”

No entanto, os Estados podem restringir os direitos económicos, sociais ou culturais nas condições “estabelecidas em lei, somente na medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral numa sociedade democrática.” (artigo 4 do PIDESC). Esta é uma cláusula geral que pode ser interpretada em termos extensivos. Contudo, os Princípios de Limburgo - que providenciam orientação interpretativa para o PIDESC- afirmam que este artigo foi principalmente inserido para proteção dos direitos individuais e não teve a intenção de limitar os direitos que afetam a subsistência, sobrevivência ou integridade da pessoa. Na manutenção desta visão, a expressão “favorecer o bem-estar geral” deve ser “interpretada para significar a promoção do bem-estar das pessoas como um todo” (Princípios de Limburgo, artigo 4, parágrafo 52) .Os Princípios de Limburgo clarificam ainda que o artigo 2(3) do PIDESC deve ser contextualizado, uma vez que o seu objetivo era abordar a influência económica de certos grupos de não-nacionais colonizados. Assim sendo, deve ser interpretado de forma restritiva.

De facto, os trabalhos preparatórios do PIDESC afirmam que os redatores pretendiam proteger os direitos dos nacionais das antigas colónias recentemente independentes dos residentes não nacionais que controlavam setores importantes da economia. Os Princípios de Limburgo também explicam que o termo “países em desenvolvimento” se aplica aos países que se tornaram independentes e que se inserem na definição dada pelas Nações Unidas ao termo. Desta forma, o alcance da disposição é muito mais limitado do que aquilo que pode parecer prima facie.

Nada do acima mencionado deve ser interpretado como sendo sinónimo de que os Estados podem decidir de forma discricionária sobre o cumprimento das obrigações relativas aos direitos económicos, sociais e culturais. Designadamente, os Estados devem obedecer às suas “obrigações base” ou “padrões mínimos” do direito em questão. Ademais, os direitos económicos, sociais e culturais beneficiam da presunção da proibição de aplicação de medidas retroativas.

Caixa 19

[O PIDESC] impõe a obrigação de avançar da maneira mais rápida e eficaz possível em direção a esse objetivo [ou seja, a realização de direitos económicos, culturais e sociais]. Além disso, quaisquer medidas deliberadamente retrógradas a esse respeito exigiriam uma consideração mais cuidadosa e precisariam de ser plenamente justificadas por referência à totalidade dos direitos previstos no Pacto e no contexto do uso pleno dos recursos máximos disponíveis. Uma obrigação básica mínima de garantir a satisfação de, pelo menos, níveis essenciais mínimos de cada um dos direitos incumbe a cada Estado Parte. Assim, por exemplo, um Estado parte em que um número significativo de indivíduos é privado de alimentos essenciais, de cuidados primários de saúde essenciais, de abrigo e habitação básicos ou das formas mais básicas de educação está, prima facie, a falhar no cumprimento de suas obrigações no âmbito do Pacto. Se o Pacto fosse lido de maneira a não estabelecer uma obrigação básica mínima, seria em grande parte privado de sua razão de ser. Da mesma forma, deve-se observar que qualquer avaliação sobre o não cumprimento desta obrigação básica mínima por um Estado também deve levar em conta as restrições de recursos aplicáveis no país em questão.

Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral t Nº 3:A natureza das obrigações dos Estados parte (Art. 2, par.1) (1990).

O Protocolo contra a Introdução clandestina de Migrantes não faz referência a esses direitos, apesar de o artigo 15(3) encorajar a cooperação para combater as causas do tráfico de migrantes, incluindo a depressão económica e social.

Caixa 20

Artigo 15 (3) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes

Cada Estado Parte deverá promover ou reforçar, de forma apropriada, programas de desenvolvimento e de cooperação a nível nacional, regional e internacional, tendo em conta as realidades sociais e económicas da migração e prestando especial atenção a zonas económica e socialmente desfavorecidas, de forma a combater as causas profundas da Introdução clandestina de migrantes, tais como a pobreza e o subdesenvolvimento.

 

Direito a Condições de Trabalho Justas e Favoráveis

Este direito é estabelecido pelo artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (O PIDESC):

Caixa 21

Os Estados -Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que assegurem, em especial:

a) Uma remuneração que proporcione como mínimo a todos os trabalhadores:

i) Um salário igual pelo trabalho de igual valor, sem distinções de nenhuma espécie; em particular, deve assegurar-se às mulheres condições de trabalho não inferiores às dos homens, com salário igual para trabalho igual;

ii) Condições de vida dignas para eles e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto.

b) Segurança e higiene no trabalho;

c) Iguais oportunidades de promoção no trabalho à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que não sejam os fatores de tempo de serviço e capacidade;

d) O descanso, usufruir do tempo livre, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, assim como a remuneração dos dias feriados.

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (CITM) é o único instrumento internacional de direitos humanos que se refere explicitamente aos direitos específicos de certos grupos de migrantes. Em dezembro de 2018, contava apenas com 52 Estados parte, pelo que a implementação das suas disposições é limitada.

A Convenção de Migrantes Trabalhadores contém disposições civis, políticas, económicas e sociais relativas aos direitos dos migrantes trabalhadores e as suas famílias. Baseia-se no princípio da não discriminação, exigindo que todos os migrantes trabalhadores (regulares ou irregulares) tenham a mesma proteção relativa aos seus direitos fundamentais que os nacionais do país de acolhimento. Esta convenção abrange todo o processo de migração, incluindo: (i) preparação da partida, (ii) partida, (iii) trânsito, (iv) período de estadia e atividade remunerada no país de emprego e (v) retorno.

Embora muitos dos direitos contidos na CITM possam ser encontrados noutros instrumentos internacionais de direitos humanos, uma das suas conquistas mais notável é a inclusão explícita de trabalhadores migrantes em situação irregular no seu âmbito de aplicação. Assim, ela é aplicável aos migrantes que tenham sido objeto de introdução ilegal. Apesar da CITAM reservar determinados direitos apenas para os trabalhadores legais (como o direito a formar sindicatos e o direito ao tratamento igual a nacionais no que toca ao alojamento e serviços sociais), ela enumera direitos fundamentais que devem ser proporcionados a todos os trabalhadores migrantes:

  • O artigo 11(1) e (2) estabelece que “nenhum migrante trabalhador ou membro da sua família deve ser mantido em escravatura ou servidão. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório”;
  • O artigo 21 torna ilegal para qualquer pessoa, exceto funcionários públicos “devidamente autorizados pela lei”, confiscar ou destruir documentos de identidade, autorizações de trabalho ou de residência, proibindo assim os empregadores de confiscar os passaportes dos trabalhadores migrantes;
  • O artigo 22 providencia uma proteção extensiva contra a expulsão arbitrária ou ilegal dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, independentemente do seu estatuto. Por exemplo, o artigo estabelece que: “trabalhadores migrantes e os membros da sua família não podem ser objeto de medidas de expulsão coletiva. Cada caso de expulsão será examinado e decidido individualmente”;
  • De acordo com o artigo 32, todos os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias têm o direito de transferir poupanças e rendimentos, bem como os seus pertences e bens pessoais no término de sua estadia no Estado de emprego;
  • Outras disposições proíbem ainda a interferência nos direitos de liberdade religiosa, expressão, privacidade e respeito à família.

Caixa 22

Boas Práticas

Na Tailândia, todos os trabalhadores, independentemente do estatuto de migrante, têm o direito de reivindicar uma indemnização em caso de acidente ou lesão no trabalho através do Fundo de Remuneração dos Trabalhadores. Todos os empregadores são obrigados a pagar ao fundo e, se não o fizerem, poderão ser responsabilizados ao abrigo da lei civil ou criminal.

OHCHR and Global Migration Group, Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (Março, 2018).
 

Direito à Saúde

O direito à saúde está consagrado no artigo 12(1) do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que estabelece “o direito de toda a pessoa gozar das melhores condições possíveis de saúde física e mental”. De acordo com esta disposição, os Estados comprometem-se a (i) garantir acesso igual e oportuno a serviços de saúde básicos de prevenção, curativos, e de reabilitação e educação para a saúde, (ii) despistagens regulares, (iii) tratamento apropriado das doenças predominantes, lesões e deficiências, preferencialmente a nível comunitário, (iv) medicamentos essenciais e (v) cuidados e tratamentos apropriados relativos à saúde mental. As obrigações dos Estados relativas à saúde devem ser avaliadas em termos de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade. Os Estados devem assegurar que as estruturas de saúde (instalações e serviços) em funcionamento estão disponíveis em quantidade suficiente. Essas instalações e serviços devem ser física e monetariamente acessíveis, sem qualquer discriminação. O Comité sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais considerou que as obrigações nucleares (para os Estados ) estabelecidas pelo direito à saúde seriam as seguintes:

  • Assegurar o direito ao acesso a estabelecimentos de saúde, bens e serviços numa base de não discriminação, especialmente dos grupos vulneráveis ou marginalizados;
  • Assegurar o acesso ao mínimo essencial de comida que seja nutricionalmente adequada e segura, para assegurar a liberdade da fome a todos;
  • Garantir acesso a abrigo básico, habitação e saneamento, e um adequado fornecimento de água segura e potável;
  • Providenciar os medicamentos essenciais, como periodicamente define a Organização Mundial de Saúde (WHO) Programa de Ação de Medicamentos Essenciais;
  • Garantir distribuição equitativa das instalações de saúde, bens e serviços; e

Adotar e implementar uma estratégia nacional de saúde pública e um plano nacional de ação. O processo pelo qual a estratégia e o plano são desenvolvidos, assim como o seu conteúdo, deve dar particular atenção aos grupos vulneráveis e marginalizados.

 
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Acesso a Cuidados de Saúde

Os Estados têm a obrigação de respeitar o direito à saúde, inter alia, abstendo-se de negar ou limitar o acesso igual a todas as pessoas, incluindo prisioneiros ou detidos, minorias, requerentes de asilo e imigrantes ilegais, a serviços de saúde preventivos, curativos e paliativos; abstendo-se de impor práticas discriminatórias como política do Estado.

Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral No. 14:O direito ao mais alto padrão de saúde alcançável(Art. 12) (2000), Parágrafo 34.

Não obstante o acima mencionado, é importante notar que alguns países apenas concedem aos migrantes em situação irregular acesso a serviços de emergência médica (OHCHR, 2014).

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Boas Práticas

Desde 2009, ao abrigo da Lei do Seguro de Saúde, os prestadores de serviços de saúde na Holanda podem solicitar um reembolso de 80% a 100% do custo dos serviços, dependendo do tratamento em questão. Em princípio, muitos serviços estão disponíveis para migrantes em situação irregular como resultado deste sistema. A lista abrange os cuidados primários, secundários e terciários, incluindo cuidados pré e pós-natais, cuidados psiquiátricos, saúde dos jovens e triagem e tratamento para o HIV e outras doenças infeciosas.

OHCHR, Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais dos Migrantes em Situação Irregular (2014).
 

Direito a um nível de vida adequado

O direito a um nível de vida adequado (artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, sociais e Culturais (PIDESC)) inclui acesso a uma alimentação segura e nutritiva, água potável e saneamento, vestuário e habitação. Em particular, a habitação deve ser apropriada para proteger os migrantes das ameaças à sua segurança e deve proporcionar um local adequado para o desenvolvimento das crianças migrantes. O Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais identificou, noComentário Geral Nº 4 sobre direito a habitação adequada Comentário Geral No. 4 sobre o Direito à Habitação Adequada, vários aspetos que devem ser tidos em consideração aquando da avaliação do cumprimento deste direito, incluindo a segurança, habitabilidade e acessibilidade da habitação.

Direito à Educação

O artigo 13(2) do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) identifica alguns componentes específicos deste direito:

  • A educação primária deve ser obrigatória e deve estar disponível de forma gratuita para todos;
  • Todos os meios adequados devem ser utilizados para tornar a educação secundária disponível e acessível; e
  • Educação superior deve ser acessível a todos com base na capacidade de cada um.

O Comentário Geral No.3 sobre direito à educação Comentário Geral No. 13 sobre o Direito à Educação determina os padrões que devem ser cumpridos aquando da implementação do direito à educação e destaca as obrigações-base vinculativas decorrentes deste direito, que são:

  • Assegurar o direito ao acesso a instituições de ensino e programas com base numa premissa de não discriminação;
  • Garantir que a educação se conforma com os objetivos definidos no artigo 13(1) da Convenção;
  • Proporcionar educação primária gratuita para todos;
  • Adotar e implementar uma estratégia nacional de educação;
  • Garantir escolha livre da educação, sujeita à conformidade com padrões educacionais mínimos.
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Boas Práticas

A Itália garante às crianças migrantes o direito à educação, independentemente do seu estatuto, nos mesmos termos das crianças italianas. A Lei de Imigração de 1998 integra o direito à educação na legislação nacional. Prevê a educação obrigatória das crianças migrantes, o ensino do italiano e a promoção da cultura e idioma dos países de origem das crianças migrantes.

OHCHR e Global Migration Group, Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (março 2018)

A Bélgica protege o direito à educação na sua Constituição e na implementação da legislação. Desde que estejam a acompanhar os seus pais ou pessoas que detenham autoridade parental, os menores que residam ilegalmente no território de língua francesa serão admitidos nas escolas locais. Os diretores das escolas também devem aceitar inscrições de menores não acompanhados. Nestes casos, devem garantir que o menor tome as medidas necessárias para se registar numa instituição em posição de exercer a autoridade parental sobre ele(a). Também na Flandres, uma disposição do Ministro da Educação concede a estas crianças o direito de frequentar a escola. Os diretores não precisam de informar a polícia sobre o estatuto administrativo das crianças e dos seus pais, e os migrantes sem documentos não serão presos na proximidade da escola. Esta garantia foi alargada a todo o território belga através de uma carta circular assinada pelo Ministério do Interior a 29 de abril de 2003, relembrando que os polícias não podem entrar nas escolas para realizar deportações.

OHCHR, Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais dos Migrantes em Situação Irregular (2014).

Na prática, diversas circunstâncias podem comprometer o aproveitamento deste direito. Por exemplo, a falta dos documentos necessários para a inscrição, as taxas e custos do ensino, a aplicação do direito relativa a dados dos estudantes e a implementação de políticas restritivas de migração.

 

Não Repulsão

Conforme já mencionado, o Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes contém disposições limitadas relacionadas com o retorno dos migrantes introduzidos ilegalmente e nenhuma proteção baseada em direitos contra o afastamento. Um direito contra a remoção será, de forma genérica, fundado no direito à não repulsão (referido no artigo 19(1) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes). A não repulsão não equivale a um direito legal de asilo. Ao invés, proíbe o retorno de uma pessoa a um país onde ela enfrentaria uma hipótese real de perseguição ou seria exposta a um risco real de outras formas de maus-tratos graves. Geralmente é considerado uma norma do direito internacional consuetudinário. A proteção contra a repulsão acompanha as pessoas que recebem o estatuto de refugiados, atribuído pela Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Consequentemente, as pessoas beneficiam dessa proteção até que se determine que deixaram de refugiados.

As pessoas que não são refugiadas aos olhos da Convenção dos Refugiados, mas que ainda enfrentam um risco real de maus-tratos, ou seja, que ainda podem ser alvo de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante se enviadas ao seu país de origem, também são protegidas pelo princípio da não-repulsão, ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos. O artigo 3 da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT) consagra um direito explícito de não repulsão, e é inerente aos artigos 6 e 7 do Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e aos artigos 6 e 37 da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). A proteção fora da Convenção dos Refugiados é frequentemente referida como proteção 'complementar' ou 'subsidiária'.

A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) enfatiza a relação de reforço mútuo entre a proteção de refugiados e requerentes de asilo, por um lado, e a luta contra o tráfico ilícito de migrantes, por outro.

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A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) definiu claramente que as responsabilidades para refugiados e outras pessoas de interesse não se estendem aos migrantes em geral. É, ao mesmo tempo, um facto que os refugiados geralmente se deslocam dentro dos fluxos migratórios mistos mais amplos. Ao mesmo tempo, a insuficiência de opções ​​de migração viáveis e legais é um incentivo adicional para que as pessoas que não são refugiadas procurem entrar nos países pela via do asilo, quando é a única possibilidade efetivamente aberta para que possam entrar e permanecer. É importante, dados os efeitos e os riscos impostos aos refugiados, que eles recebam proteção sem ter de recorrer ao comércio criminoso que os colocará em perigo. É, portanto, necessário alcançar uma melhor compreensão e gestão da relação entre asilo e migração, os quais a UNHCR deve promover, mesmo que consistente com seu mandato, para que as pessoas que precisam de proteção a encontrem, ou as pessoas que desejem migrar tenham opções além do recurso à via do asilo, e traficantes abusivos não possam beneficiar da manipulação indevida das possibilidades de entrada disponíveis.

UNHCR, Agenda para a Proteção (Terceira Edição) (2003)
 
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