Este módulo é um recurso para professores 

 

Sentença

 

A resposta da justiça criminal ao tráfico ilícito de migrantes não deve ser insensível às circunstâncias específicas de certos autores, aos diferentes níveis de culpa e à gravidade da sua conduta. Por exemplo, o indivíduo que conduz a embarcação, porque sendo ele ou ela um/a migrante em situação irregular não conseguiu pagar a taxa de contrabando, pode ver tais circunstâncias reconhecidas na sentença levando eventualmente a uma atenuação da pena. É claro que este tipo de indulgência não é automático. As provas disponíveis, as circunstâncias atenuantes e as agravantes devem ser equilibradas na sentença do tribunal. Os exemplos nas Caixas abaixo ilustram como os papéis distintos no processo de tráfico ilícito de migrantes conduzem a diferentes penas para os autores.

Caixa 18

HKSAR v W.K.C. e L.C.L. Recurso Penal No. 264 de 2001

Entre fins de novembro e inícios de dezembro de 2000, o Arguido 2 contactou dois taxistas em Hong Kong, aos quais pediu ajuda no transporte de migrantes clandestinos. A um dos taxistas, o arguido 2 ofereceu a quantia de 1500 USD. Ao outro propôs 1800 USD por cada migrante em situação irregular. Um destes taxistas recrutou outros dois para prestarem as mesmas tarefas. Ao ser interrogado, o Arguido 1 admitiu que um amigo no continente lhe havia solicitado ajuda para comprar um contentor, tal como lhe pediu ajuda para arrendar um escritório e um local de carregamento de contentores. O Arguido 1 recebeu 20 000 USD por estes serviços. Para além disso, foi-lhe dito que usasse um cartão de identidade falsificado e, para esse propósito, o Arguido 1 forneceu fotografias de si próprio e de outro associado para que o último pudesse obter cartões de identidade falsificados os quais, a dada altura, ficaram prontos.

 A 30 de novembro de 2000, um associado dos arguidos levou a cabo as ações necessárias para completar as formalidades para arrendar um escritório para “atividade de transporte marítimo”. No mesmo dia, o Arguido 1 conseguiu a preparação de um carimbo de empresa e cartões de visita. A 1 de dezembro de 2000, o Arguido 1 instruiu um associado a usar o cartão de identidade falsificado, para contratar os serviços de uma empresa de secretariado que ele tinha escolhido.

O Arguido 1 pagou 3000 USD por esta tarefa.  O telemóvel usado para transmitir as instruções foi encontrado na posse do Arguido 1 no momento da sua detenção. A 5 de dezembro de 2000, o Arguido 1 telefonou à empresa de transporte marítimo para reservar o contentor e o respetivo espaço de transporte até aos E.U.A. De seguida, pediu à companhia de transporte marítimo que, nos dias 7 e 10 de dezembro de 2000, transportasse o contentor para certos locais específicos de carregamento. A 6 de dezembro de 2000, o Arguido 1 usou - entre outros documentos- outro cartão de identidade falsificado para arrendar o local de carregamento do contentor que foi utilizado entre 8 de dezembro de 2000 e 7 de fevereiro de 2001. Ele pagou uma renda mensal de 16 000 USD. Na noite de 8 de dezembro de 2000, o Arguido 2 contactou os supramencionados taxistas. Eles deveriam encontrar-se aproximadamente às 7h30 da manhã, de 9 de dezembro de 2000, nas imediações dum restaurante pré-determinado. No período referido, os taxistas encontraram-se com o Arguido 2 e outro indivíduo, que os levou a recolherem 15 migrantes clandestinos. Um dos táxis acabou por ser parado pela polícia num bloqueio rodoviário. O taxista e três migrantes que estavam no táxi foram levados para a esquadra da polícia. O outro taxista utilizou uma rota diferente para transportar os restantes 12 migrantes para o local determinado do contentor. Um associado e amigo do Arguido 2 recebeu os 12 migrantes  no sítio acordado. Na tarde de 10 de dezembro de 2000, o Arguido 2 e outros três homens que estavam com ele, foram detidos num bloqueio rodoviário. O contentor em causa foi revistado, revelando 12 migrantes clandestinos escondidos no mesmo. Eles estavam num estado semiconsciente. O contentor havia sido modificado. Escotilhas de ventilação e fuga foram recortadas no chão e nos painéis frontais. O contentor foi equipado com uma grande quantidade de comida seca, água, camas e outras instalações, incluindo sacos para eliminação de resíduos. A 10 de dezembro de 2000, o Arguido 1 foi igualmente detido. Na sua posse tinha o caderno que continha dados como o número de registo do contentor e outras informações comprometedoras. Após os interrogatórios, o Arguido 1 mostrou às autoridades os cartões de identidade falsificados. Após buscas adicionais à sua casa e à empresa de transporte marítimo, outras provas documentais foram encontradas. O Arguido 1 confessou a obtenção dos cartões de identidade falsificados e dirigido os seus associados. Confessou ainda que reservou e que se assegurou que o contentor seria enviado para os E.U.A. por uma recompensa de 20 000 USD. No entanto, negou qualquer conhecimento de que esta operação envolvia o tráfico ilícito de migrantes. Declarou que acreditava que o contentor estaria a ser utilizado para contrabando de carros.

Ambos os arguidos foram condenados por tráfico ilícito de migrantes. O Arguido 1 foi condenado a uma pena de quatro anos de prisão e o Arguido 2 foi condenado a cinco anos e meio de pena de prisão. Como fundamentação da pena mais elevada atribuída ao Arguido 2, o Tribunal explicou que seria ele o autor do plano criminoso, isto porque recrutou, convocou e instruiu os taxistas e ainda supervisionou as operações durante um certo período de tempo. A sua participação no tráfico ilícito de migrantes foi assim mais substancial justificando-se desta forma a pena mais elevada.

SHERLOC Base de Dados de Jurisprudência sobre Tráfico Ilícito de Migrantes – China (Hong Kong)
Caixa 19

Resolução 292/2004

A 25 de Junho de 2004, aproximadamente às 04h00, o arguido nadou desde um local na costa marroquina até Ceuta (Espanha). Ele estava equipado com um fato de neopreno e barbatanas, transportando consigo um migrante irregular argelino. Este último não tinha os documentos necessários para entrar ou residir em Espanha. O arguido agiu da forma mencionada com o objetivo de facilitar, mediante o pagamento de uma quantia indeterminada- a entrada ilegal de um migrante em Espanha. Mais tarde o migrante declarou ter pagado 100 euros pelos serviços prestados pelo arguido. Os agentes da polícia (Guardia Civil) avistaram o arguido e o migrante irregular através de uma câmara de visão noturna. A Guardia Civil transmitiu a informação à Guarda Costeira, que conseguiu intercetar o arguido e o migrante clandestino no mar e resgatou-os. Tanto o arguido como o migrante em situação irregular apresentavam sinais óbvios de exaustão e de hipotermia.

O Procurador da Justiça acusou o arguido de tráfico ilícito de migrantes, tendo pedido que ele fosse condenado a oito anos de prisão. A Audiencia Provincial de Cádiz (Espanha) condenou o arguido, porém aplicou uma pena mais baixa do que a requerida pelo Procurador.

Tendo em conta o propósito de obter um benefício financeiro ou material, e ainda o risco causado à vida e segurança dos migrantes, o Tribunal condenou o arguido por tráfico ilícito de migrantes qualificado (de acordo com a Lei Espanhola), pena que vai de seis a oito anos. No entanto, o Tribunal reconheceu que (i) o arguido não tinha antecedentes criminais, (ii) as circunstâncias nas quais o arguido realizou o tráfico ilícito do migrante foram perigosas e geraram riscos sérios à sua própria vida, principalmente em comparação com aqueles que promovem e facilitam o tráfico ilícito de migrantes à distância gerando lucros elevados. Assim o Tribunal condenou o arguido à pena de prisão mais baixa, i.e. seis anos.

SHERLOC Base de Dados de Jurisprudência sobre Tráfico Ilícito de Migrantes- Espanha
 
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