A COVID-19 e a Administração da Justiça: Uma reflexão sobre a Conduta Ética Judicial

Juíz Henry Peter Adonyo

Henry Peter Adonyo é juíz no Supremo Tribunal de Uganda e Presidente da sua Divisão Comercial. Adverte-se para que todas as opiniões expressas nesta série constituem tão-somente a opinião daqueles que as assinam, todos peritos externos, e que não refletem necessariamente a posição oficial da Oficina das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.  

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No seguimento da decisão tomada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de declarar o novo coronavírus uma pandemia (COVID-19), muitos países optaram por implementar um confinamento total ou parcial nos seus esforços para controlar a propagação do vírus. O problema do acesso ao sistema judicial ugandês não é diferente de outros no resto do mundo quando, ainda antes de qualquer caso de COVID-19 ter sido confirmado no país, a população já estava a ser aconselhada a cumprir uma série de precauções de segurança recomendadas pela OMS, incluindo o auto-isolamento e o cumprimento de distâncias sociais mínimas.

Invariavelmente, as medidas mencionadas acima afetaram o dia-a-dia das atividades dos tribunais. Em 21 de março de 2020, Uganda registou o seu primeiro caso de COVID-19 e foi posto em marcha um novo paradigma. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça emitiu medidas ainda mais restritivas que, ao limitarem severamente o número de magistrados e funcionários permitidos em cada tribunal a qualquer momento, conduziram, na prática, ao seu encerramento.

Muito embora as novas regras sobre o que deve e não deve ser feito atinentes ao controle do vírus tenham a sua razão de ser, elas impactam inevitavelmente o direito sagrado de acesso à justiça. Os tribunais, assim como o sistema judicial no seu todo, tornaram-se inacessíveis. Uma situação desta natureza reclama mecanismos apropriados capazes de permitir o acesso à justiça em tempos tão exigentes.

Em março de 2020, foram emitidas medidas de restrição adicionais que conduziram ao encerramento efetivo do país, deixando intactos apenas os chamados "serviços essenciais", como os cuidados de saúde, os mercados de comida e os bancos. A aplicação da justiça não foi listada ao lado destes serviços essenciais e, no entanto, qualquer desobediência pública a estas medidas implica que os prevaricadores sejam sancionados pela lei. Pouca ou nenhuma atenção foi prestada à acessibilidade a processos judiciais, seja na apresentação de acusações, em processos-crime ou nos pedidos de liberdade sob fiança. Isto torna difícil o cumprimento do calendário legalmente estabelecido para os casos civis e dificulta a eficácia no tratamento dos casos exigidos pelo código ético judicial.

Situações desta natureza podem conduzir ao despotismo e à violação de direitos humanos, pois em casos em que é esperado um comedimento desacompanhado de supervisão, é alta a probabilidade de que aqueles a quem foi incumbido que fizessem cumprir diretrizes bem-intencionadas acabem a ser mais papistas que o papa. Isto representa um perigo muito real do comportamento ético judicial ser comprometido. Esta pandemia é um apelo constante a uma reflexão sobre os padrões éticos judiciais que são internacionalmente reconhecidos. Eles devem ser adotados face a este desafio se se quiser que, de verdade, se preserve uma elevação dos padrões éticos digna desse nome.

Os magistrados que sejam confrontados com situações pouco familiares como estas devem manter presente o seu juramento de posse. No caso de Uganda, o juramento de posse prevê que os juízes "conduzirão de um modo reto e verdadeiro as funções judiciais que lhes foram incumbidas e serão justos para com todo o género de pessoas, de acordo com a Constituição da República de Uganda [...] sem receio ou favores, afeição ou má-vontade". Se nos lembrarmos do disposto acima e praticarmos o que está contido no Código de Conduta Judicial Ugandês, então nem tudo estará perdido e a esperança será salva de que a instituição jurídica seja usada para assegurar, não somente que a justiça seja feita, mas que seja vista também como sendo feita.

Sempre que os passos dados para controlar a propagação do COVID-19 se revelem um obstáculo ao acesso à justiça, essas diretrizes devem ser temperadas com um esforço de preservação da integridade jurídica e com aplicação de princípios de senso comum, tal como proclamados nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, de forma a garantir que as medidas postas em prática estejam acima de qualquer censura.

Nestes tempos de provação trazidos pela pandemia do COVID-19, devemos todos continuar a concentrar-nos em exercer serviços judiciais vitais àqueles que estejam em conflito com a lei ou que destes serviços necessitem. Os funcionários judiciais devem manter-se diligentes no cumprimento dos seus mandatos, usando de todos os meios adequados ao seu alcance, mas sem jamais comprometer a ética judicial.