Estar à altura dos Desafios da COVID-19

Juíza Renuka Devi Dabee

A juíza Renuka Devi Dabee é juíza no Supremo Tribunal da República da Maurícia. Adverte-se para que todas as opiniões expressas nesta série constituem tão-somente a opinião daqueles que as assinam, todos peritos externos, e que não refletem necessariamente a posição oficial da Oficina das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. 

 

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Os casos de tribunal na República da Maurícia são tradicionalmente conduzidos em tribunal aberto, na presença de conselheiros jurídicos, litigantes, testemunhas e funcionários do tribunal. Em circunstâncias normais, é também permitido o acesso ao tribunal ao público, bem como às suas secções administrativas durante o horário de expediente. A pandemia provocada pela COVID-19 veio, no entanto, colocar novos desafios aos métodos tradicionais, obrigando o sistema judiciário a expandir as suas operações para o plano virtual.

Em 20 de março de 2020, sob a secção 79 da Lei de Saúde Pública, o governo da Maurícia implementou medidas de confinamento, numa tentativa de desacelerar a propagação da COVID-19. Tratou-se de uma medida extraordinária que trouxe consigo o risco de limitar, ou mesmo de suspender, direitos e liberdades fundamentais. Todos os estabelecimentos de negócio públicos e privados foram encerrados, mas os tribunais, enquanto "serviços essenciais", continuaram as suas operações ligadas às audiências de casos urgentes. Sob a direção do Presidente do Supremo Tribunal, a estrutura judiciária moveu-se rapidamente na definição de uma estratégia que salvaguardasse o acesso público à justiça no tratamento de casos urgentes, impedindo assim a violação dos direitos constitucionais do indivíduo. Foram postos em prática mecanismos procedimentais que visaram a proteger as liberdades e os direitos dos cidadãos e salvaguardar o Estado de Direito.

Foram emitidas novas diretrizes que ordenaram o tratamento de todas as ações judiciais urgentes durante o período de confinamento. O ponto de contacto inicial foi o Gabinete da Procuradoria Distrital, ao qual foi incumbida a avaliação dos requerimentos apresentados. Optou-se por substituir as audiências presenciais em tribunal aberto por audiências conduzidas por videoconferência. As diretrizes colocaram nas mãos dos magistrados os meios para poderem trabalhar remotamente nos casos de maior urgência, fosse nos pedidos de liberdade sob fiança, fosse na emissão de ordens de proteção de menores e vítimas de violência doméstica, fosse, ainda, na suspensão de mandatos de prisão.

Os direitos constitucionais dos detidos foram observados e respeitados, assim como as regras do jusnaturalismo. Os detidos que desejassem ser libertados sob fiança apresentaram pedidos em pessoa, ou recorrendo aos serviços de aconselhamento, aos quais os magistrados responderam com audiências, e a proclamação de sentenças, virtualmente. Mais ainda, idênticos meios de comunicação tecnológica foram implementados nos tribunais de 2ª Instância ( Intermediate courts) e nos tribunais do Trabalho, para quaisquer assuntos de carácter urgente apresentados pelos profissionais do direito.

No caso do Supremo Tribunal de Justiça, foram tomadas em consideração apenas as candidaturas e moções urgentes. Durante o confinamento alcançou-se um marco histórico, quando o ex-Presidente do Supremo Tribunal, o juíz Eddy Balancy, na sequência de uma moção urgente apresentada perante o Supremo Tribunal, tomou a decisão de ouvir os advogados por videoconferência. Todos os documentos foram arquivados em linha e os advogados de ambas as partes submeteram os seus casos por videoconferência. O Supremo Tribunal proferiu a sua decisão de aceitar a moção de suspensão temporária de uma ação judicial que tinha sido entreposta pela Independent Broadcasting Authority contra um dos detentores da sua licença.

Esta decisão inédita foi celebrada como um ponto de viragem na afirmação do Supremo Tribunal enquanto autoridade última na garantia de defesa dos direitos fundamentais, demonstrando ao mesmo tempo o compromisso do Tribunal em garantir o acesso à justiça. O sistema judicial das Maurícias esteve à altura dos desafios colocados pela COVID-19 e cumpriu com o seu desígnio constitucional de salvaguardar o tecido democrático da República das Maurícias.