Este módulo é um recurso para professores 

 

Casos práticos

Caso prático (Acordo sobre sentença; Colaboradores da Justiça)

O grupo criminoso organizado conhecido na África do Sul como os “Mountain Boys” era altamente organizado e tinha operações a nível transnacional. A organização envolvia-se num abrangente leque de atividades criminosas que constituíam infrações graves nos termos da lei Sul Africana. As infrações relacionavam-se com atividades de extorsão e categorias relacionadas com estas infrações criminais, incluindo o branqueamento de capitais. A informação recolhida indicou ainda que os membros do grupo criminoso organizado também cometiam outros crimes graves, incluindo roubos, fraude e outras infrações subsumíveis no “South African Mining Rights Act” e do “Precious Metals Act”. Em particular, os membros do grupo operavam como compradores nacionais e exportação ilícita de metais do grupo da platina (“PGM”) da África do Sul. Existem cinco níveis distintos de atividades usadas por este grupo para traficar os PGMs.

Como ponto de partida, os PGMs eram subtraídos na fonte, das minas, muitas vezes em grandes quantidades. Estes PGMs eram vendidos mais tarde através de recetadores para os responsáveis pela exportação. Os vários níveis da operação criminosa ilícita da indústria PGM pode ser descrita da seguinte forma:

Nível 1 “os corredores”

Os PGMs no seu estado puro eram subtraídos das fábricas de processamento nas minas da África do Sul. Um corredor, que era normalmente um colaborador na mina, transportaria depois o material da mina, acondicionado num saco ou por outro método, e vendia-o depois ao homem do meio. Os corredores costumavam ter uma ampla rede de contactos no mercado negro, incluindo em fundições ilícitas.

Nível 2 “o homem do meio”

O homem do meio compraria depois volumes consideráveis de PGMs dos corredores. O homem do meio quebraria os PGMs em porções mais pequenas e embalava-as para os compradores nacionais, antes da entrega.

Nível 3 “compradores nacionais”

Os compradores nacionais comprariam os PGMs dos operacionais do nível 1 e 2. Estes compradores estavam ligados entre os corredores/ homens do meio e os criminosos mais sofisticados que integram o nível seguinte da hierarquia dos operacionais criminosos. Muitas vezes, estes compradores eram membros do grupo criminoso organizado ou operavam como agentes independentes para o grupo. A sua tarefa era adquirir e transportar o material desde o corredor/ homem do meio para os ricos líderes locais do grupo.

Nível 4 “o líder local do grupo”

O líder do grupo/ comprador recorre a uma empresa de fachada, normalmente a um negócio de sucata, para exportar o produto da África do sul. O stock de PGM que eles compravam  das várias fontes eram processados, colocados em contentores ou embalados, e depois vendidos para contactos locais ou internacionais. O processamento permitiu que registos detalhados fossem mantidos pelos líderes do grupo de quem os produtos eram comprados, e amostras também foram recolhidas para análise (ensaio) para determinar o valor e o conteúdo de PGM. Eram feitas falsas declarações na alfândega para subvalorizar e falsificar a natureza da remessa. Esta etapa era usada para superar os requisitos de autorizações e licenças para possuir, transportar e negociar os produtos nos termos previstos na lei.

Nível 5 “os compradores internacionais”

Os contactos internacionais situavam-se no estrangeiro. Redes sofisticadas, constituídas por pessoas coletivas e entidades sedeadas no estrangeiro, negociavam com a importação e as receitas resultantes da venda de PGMs subtraídos na África do Sul e distribuídos nas refinarias da Europa Ocidental e Canadá.

A complexidade do caso exigiu a participação de testemunhas e colaboradores com a justiça associados com os arguidos, em uma ou mais atividades, aos quais foi oferecida proteção caso prestassem depoimento no processo. Acordos sobre sentença, nos termos da secção 105 A do Código de Processo Penal da África do Sul, também foram outorgados com alguns dos arguidos que, como parte do acordo, prestariam o seu depoimento contra um ou mais dos arguidos. Por exemplo, a acusação contra dois arguidos, Kevin Naidoo e Terrence James, foram celebrados tendo ambos confessado as infrações nos termos da secção 105 A (acordo sobre sentença). O depoimento de ambos foi agendado para ser prestado em tribunal.

Processos relacionados

 

Características significativas

  • Colaboração entre o procurador e os arguidos
  • Acordos sobre sentença em troca de depoimentos testemunhais
 

Questões para discussão

a) Como é que os colaboradores com a justiça podem contribuir para a investigação e a acusação em processos de criminalidade organizada?

Quais os incentivos que podem ser apresentados para assegurar a participação dos colaboradores com a justiça e testemunhas? Oferecer uma acusação por uma infração menos grave ou uma sentença com pena b) mais reduzida pode ser uma boa ou suficiente para o colaborador com a justiça?

Caso Prático (Estados Unidos v. Vincent Gigante)

Descrição: O conhecido patrão do crime Vincent Gigante é escoltado por dois homens não identificados para um carro que os aguardava em 23 de julho de 1997, para ser levado a tribunal para o seu julgamento federal por extorsão em Brooklyn, Nova York. Crédito da fotografia: Getty Images

Vincent Gigante era o chefe da família Genovesa do crime na cidade de Nova York. Em conjunto com os chefes de quatro outras famílias do crime organizado na cidade de Nova York, ele era membro da Comissão, um órgão que governava as famílias da La Cosa Nostra nos Estados Unidos. Ele e o Vittorio “Vic” Amuso – o chefe da família Lucchese – estavam envolvidos num esquema para controlar o negócio multimilionário de substituição de janelas na cidade de Nova York.

 Eles executaram um esquema através do controlo da família Genovesa das empresas de substituição de janelas, o que rendeu dinheiro ao sindicato de substituição de janelas que a família Lucchese controlava. Em troca do pagamento de subornos a dirigentes sindicais corruptos, as empresas da família Genovesa foram autorizadas a contornar as dispendiosas regras sindicais e contratar trabalhadores não sindicalizados com salários mais baixos. Quando as outras empresas concorriam com sucesso aos trabalhos, os representantes sindicais persuadiam-nos recorrendo a meios coercivos para retirarem as suas propostas. Gigante também conspirou para matar Peter Savino, um associado da família Genovesa, pois ele acreditava corretamente que Savino tinha começado a cooperar com as autoridades policiais. O plano para matar Savino não foi bem sucedido, já que, Savino integrou um programa de proteção de testemunhas e Gigante foi incapaz, por isso, de o localizar. No julgamento, Savino testemunhou sobre o envolvimento de Gigante no esquema de substituição de janelas, de uma localização remota através de um circuito fechado bidirecional de televisão, procedimento este que permitiu que Savino visse e ouvisse o Gigante e o advogado ao mesmo tempo, permitindo que o Gigante, advogado, juiz e jurados vissem e ouvissem Savino. Este procedimento resultou da concessão pelo tribunal distrital do pedido de pré-julgamento do governo para permitir que Savino testemunhasse por meio do procedimento de circuito fechado bidirecional de televisão. O motivo foi a doença terminal de Savino. Savino estava, nessa altura, na fase final de um cancro fatal, inoperável, e estava sob supervisão médica num local não revelado.

 O júri declarou Gigante culpado das mais recentes conspirações para matar Peter Savino e John Gotti, ainda que o tribunal, mais tarde, o tenha absolvido da acusação de conspiração para matar Gotti nos termos descritos. Gigante também foi condenado de todas as acusações que lhe eram imputadas de extorsão e subornos aos sindicatos relativos ao esquemas das janelas. Ele foi condenado a doze anos de prisão efetiva, cinco anos de liberdade condicional, e uma multa de $1,250,000.

Gigante argumentou que a admissão do depoimento de Peter Savino pelo circuito bidirecional fechado de televisão de um local desconhecido violava o direito previsto na Sexta Emenda “de ser confrontado com a testemunha que havia prestado depoimento contra si”. Gigante sustentou que não havia qualquer interesse público que justificasse a privação do seu direito constitucionalmente garantido de poder ser confrontado cara-a-cara com Savino. O governo afirmou que, ao se recusar a comparecer ao depoimento de Savino, Gigante renunciou ao seu direito a um confronto cara-a-cara. Mais fundamentalmente, o governo argumentou que Gigante havia renunciado ao seu direito a um confronto cara-a-cara por causa da sua própria má conduta, com tentativas de protelar o seu próprio julgamento fingindo-se incapaz.

O Supremo Tribunal sustentou que “[a] principal preocupação da Cláusula de Confronto é assegurar que as provas apresentadas contra o arguido são fidedignas, sujeitando-as a um rigoroso teste no contexto de um processo contraditório perante o julgador” (Id. at 845, 110 S. Ct. 3157). Os salutares efeitos do confronto cara-a-cara incluem que 1) o depoimento seja prestado sob juramento; 2) que seja dada oportunidade de contrainterrogatório; 3)  a garantia de imediação ao julgador; e 4) a redução do risco da testemunha implique indevidamente um arguido inocente quando preste o depoimento na sua presença.

O procedimento utilizado no depoimento de Savino de circuito fechado de televisão, garantiu todas as aquelas características de um depoimento prestado presencialmente em tribunal: Savino prestou juramento; ele foi sujeito a contrainterrogatório; ele testemunhou perante os jurados, tribunal, e advogados de defesa; e Savino prestou o seu depoimento na presença do próprio Gigante. O Gigante não viu violadas nenhuma das suas garantias constitucionais decorrentes do confronto.

Processos relacionados

 

Característica significativa

  • Se a apresentação do depoimento testemunhal a partir de um local remoto através de um circuito fechado bidirecional de televisão violou os direitos do arguido no âmbito da Cláusula de Confronto da Sexta Emenda.
 

Questões para discussão

  • A utilização de tecnologia de videoconferência para transmissão dos depoimentos das testemunhas em tribunal viola o direito a um julgamento justo?

Caso Prático (Obstrução à Justiça e Utilização de Tecnologia de Videoconferência)

Schertzer, Steven Correia, Joseph Miched, Nebojsa Maodus e Raymond Pollard eram cinco agentes da brigada antidroga dos Centro de Comando (CFC) dos Serviços de Polícia de Toronto. Em 2004, foram acusados de conspiração para obstrução à justiça e outras infrações criminais, incluindo perjúrio, assalto causando danos físicos e extorsão. De acordo com a acusação por conspiração que lhes era imputada, em 1997 eles coagiram o chefe da droga Andreas Ioakim para contactar com outro chefe da droga, Aida Fagundo, para encomendar e entregar 5 quilogramas de cocaína. Foi invocado que os Arguidos apreenderam grandes quantias em dinheiro e drogas de Ioakim e não as reportaram. Para além disso, foram acusados de atacar o Sra. Fagundo, depois da entrega, levando-lhe dinheiro e bens que tinha consigo. A Sra. Fagundo declarou-se culpada pela posse de cocaína e foi condenada, em 1999, a 30 meses de prisão efetiva.

Os Arguidos estavam indiciados de obstrução à justiça por diversos meios, incluindo falsificação de livros de memorandos, inclusão de informação errónea ou falsa nos relatórios policiais, preparação de declarações falsas, perjúrio e omissão de declaração de apreensões. Eles também ocultaram a denúncia por má conduta apresentada pela Sra. Fagundo.

A investigação das infrações começou em 2001. O depoimento da Sra. Fagundo foi usado contra os arguidos. Durante nove anos, Fagundo viajou muitas vezes para Cuba, República dominicana e Espanha, onde ela residia quando foi emitido o despacho para a sua inquirição por meio tecnológico. Anteriormente, em nome das autoridades Canadianas, as autoridades Cubanas inquiriram-na com o escopo de saber se ela estaria disposta a testemunhar no Canadá. Ela recusou, com receio da sua segurança, entre outros motivos.

Em 2008, em conformidade com o Tratado de Assistência Jurídica Mútua entre Espanha e o Canadá, os procuradores Canadianos requereram a inquirição de Fagundo em Espanha. Ela recusou com base no facto de tal requerimento interferir com o seu pedido de autorização de residência em Espanha. O pedido de assistência mútua foi então retirado pelo Canadá.

Depois de várias tentativas para inquirir a Sra. Fagundo, ela finalmente concordou em prestar o seu depoimento sob certas condições. Em particular, ela aceitou ser inquirida por meio de videoconferência. A inquirição teve lugar em maio de 2009 e foi gravada.

Ao deferir a pretensão da acusação pela inquirição por videoconferência, o juiz fez notar no seu despacho que o julgamento justo nem sempre implica que um arguido confronte pessoalmente a testemunha. Para que a prova seja admitida em tribunal, o juiz, jurados, advogados e arguido têm que ser capazes de ver a testemunha no ecrã e ouvi-la, e ver a testemunha a prestar o seu depoimento em tempo real, e a testemunha tem que ser capaz de ouvir e ver o advogado durante a inquirição, a quem ela presta juramento, e o juiz, no caso do juiz ter que a interpelar.

Processos relacionados

 

Característica significativa

  • Este caso enfatiza algumas das preocupações da defesa pela videoconferência. No entanto, como foi sustentado pelo juiz na sua decisão, dependendo das disposições nacionais em causa e dos factos específicos de um caso em particular, que a videoconferência não interfere necessariamente com os princípios fundamentais de justiça e é, por isso, suscetível de ser usada sob certas condições.
 

Questões para discussão

a) Defina obstrução à justiça. Qual é a posição da Convenção contra a Criminalidade Organizada sobre esta infração?

b) Quais são as vantagens da utilização da tecnologia de videoconferência para transmitir depoimentos das testemunhas em tribunal?

Caso Prático (O Sistema Italiano de Proteção de Testemunhas)

O sistema Italiano prevê a implementação de medidas especiais quando as medidas comuns de proteção dos colaboradores com a justiça e as testemunhas (e.g., violência e escolta na habitação/ local de trabalho) não se mostram adequadas, e a pessoa está em sério risco de perigo. Um “colaborador com a justiça” é alguém que enfrenta uma acusação criminal mas que concorda em colaborar com a justiça prestando o seu depoimento em infrações criminais de associação do tipo-máfia, ou outros tipos de crime previstos na lei. Uma “testemunha” é uma vítima de um crime grave ou qualquer pessoa que tenha presenciado um crime e preste o seu depoimento em tribunal expondo-se, assim, a um perigo sério e iminente (e.g., testemunha de um facto criminoso que ocorreu em sua casa ou num ambiente imediato, como parentes de membros de grupos criminosos; empreendedores ou comerciantes vítimas de extorsão). Uma testemunha pode ser colocada sob proteção independentemente do tipo de crime.

A cooperação apresentada tem que ser digna de confiança. No hiato temporal de 180 dias desde que a pessoa expressou a sua vontade em cooperar, ele/ a tem que apresentar informação essencial, em particular toda a informação que ele/ a detém que possa contribuir para reconstituir os factos criminosos e as circunstâncias, e o local em que ocorreram, e levar à detenção dos seus autores. O programa de proteção é determinado pela Comissão Central (Ministério da Administração Interna, dois juízes e cinco agentes da polícia) mediante pedido do Procurador, por um período de 6 a 60 meses. Pode ser adotado um plano temporário logo que a intenção de cooperar seja apresentada. As medidas de proteção especiais podem aplicar-se também às pessoas que vivam com o colaborador ou testemunha, ou pessoas em risco por causa das suas relações com o colaborador ou testemunha.

O sistema de proteção é baseado no princípio da “camuflagem”, i.e., alcançar o completo anonimato. Os sujeitos são relocalizadas para novos e seguros locais de residência, e são-lhes concedidos documentos provisórios de identidade válidos unicamente durante o hiato temporal da proteção. Particularmente em casos sensíveis, é prevista uma alteração permanente de identidade. Medidas de assistência também podem ser adotadas para facilitar a reintegração social e ser prestado apoio material (acomodação, pagamentos, assistência de saúde, assistência legal e psicológica, e salários para aqueles que não possam trabalhar).

As pessoas sob proteção obrigam-se a: cumprir regras de segurança e cooperar de forma ativa para observar as medidas de proteção; ser questionados, examinados ou estarem disponíveis para quaisquer actos que sejam levados a cabo; não divulgar factos relativos aos procedimentos a outrem que não sejam autoridades policiais ou judiciais, e os seus advogados de defesa; e não contactarem quaisquer pessoas envolvidas em atividades criminosas. Os colaboradores com a justiça, mas não as testemunhas, devem elencar todos os seus bens pessoais e propriedades de que sejam titulares, direta ou indiretamente, que serão apreendidos.

O programa termina quando todas as condições que lhe tenham dado causa cessem, ou incumprimento das obrigações assumidas, prática de crime, regressos não autorizados ao local de origem ou revelar a nova identidade ou local de residência. A pessoa sob proteção também pode desistir do programa apresentando renúncia por escrito.

O programa pode incluir medidas para facilitar a reintegração social quando a cooperação finde. Para os colaboradores com a justiça, estas medidas podem incluir uma mensalidade em dinheiro de dois a cinco anos, mais uma soma para acomodação. Para as testemunhas, estas medidas podem manter-se por um período de 10 anos e garantir o padrão de vida anterior à admissão no programa. As testemunhas recebem uma quantia pecuniária como reembolso pelos lucros cessantes, podem obter empréstimos e vender os seus imóveis a entidades públicas ao preço de mercado; e se forem funcionários públicos, podem manter o seu trabalho e uma licença remunerada.

Característica significativa

  • O completo anonimato e a integração social da testemunha
 

Questões para discussão

a) Como é que o sistema Italiano resolve as três questões relativas a dinheiro, segredo perpétuo e nunca regressar a casa?

b) Quais são os desafios que permanecem nos programas de proteção de testemunhas?

 
 
 Seguinte: Pensando criticamente através da ficção
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