Este módulo é um recurso para professores 

 

Proteção de testemunhas

 

A capacidade para garantir uma efetiva proteção a testemunhas, bem como a assistência e proteção das vítimas, é de elevada importância para assegurar o sucesso da investigação e da julgamento de grupos criminosos organizados. A proteção de testemunhas está prevista no artigo 24.º da Convenção contra a Criminalidade Organizada. O fim deste preceito é a proteção de testemunhas em processos-crime de uma potencial retaliação ou intimidação. Estas medidas podem incluir a proteção pessoal, como a relocalização, e permitir que a testemunha preste o seu depoimento de maneira que seja assegurada a segurança da testemunha.

As testemunhas podem subsumir-se numa das três seguintes categorias principais:

  • Colaboradores com a justiça penal (informadores, outros participantes na conduta criminosa);
  • As vítimas-testemunhas; e
  • Outros tipos de testemunhas (meros espetadores, testemunhas especialistas, e outros)

Características do programa de proteção de testemunhas

Uma análise dos programas de proteção de testemunhas em 12 países (Austrália, Canadá, Alemanha, Irlanda, Itália, Jamaica, Quénia, Nova Zelândia, Filipinas, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos da América) identificou algumas das mais importantes semelhanças e diferenças na sua operacionalização. (Dandurand and Farr, 2010) Em particular:

  • A maioria dos casos de intimidação a testemunhas que deram origem a proteção de testemunhas, foram causadas por pessoas ligadas a organizações criminosas.
  • A maioria das testemunhas sob proteção eram criminosos ou cúmplices dos arguidos, que se tornaram informadores da polícia; a proteção de testemunhas não relacionadas com a infração ou de vítimas, era rara.
  • O nível de risco que as testemunhas enfrentam conduz à natureza e extensão das medidas de proteção a tomar.
  • A maioria dos programas de proteção de testemunhas são geridos pelas autoridades policiais nacionais ou regionais, e a maioria dos programas apresentam base legal.
  • Geralmente, os meios de comunicação social e o entendimento público percebem a necessidade, e apoiam, a existência de programas de proteção de testemunhas.
  • Melhor supervisão, avaliação, e proteção dos interesses das testemunhas foi identificado como uma necessidade na maioria das jurisdições.
  • Não existem informações suficientes em fonte aberta que permitam comparar de forma eficiente a eficácia dos programas de proteção de testemunhas pelas jurisdições.
  • Foram feitas poucas tentativas para avaliar de forma sistemática os programas de proteção de testemunhas em qualquer das jurisdições.

A razão da necessidade de procedimentos específicos para a proteção de testemunhas é permitir que a testemunha preste o seu depoimento em tribunal, ou coopere com a investigação criminal, sem receio ou ameaça de intimidação ou vingança. Esta proteção é essencial para manter o Estado de Direito.

A proteção pode consistir simplesmente em fazer uma escolta policial até à sala de audiências, ou para uma sala de espera separada. Outras medidas de proteção judiciais incluem a possibilidade de prever a confidencialidade da informação sobre testemunhas sob proteção, encerrar o tribunal, selar os autos do julgamento, ceder residência temporária numa habitação segura, usar meios de distorção de voz e disfarce visual, ou usar o sistema de videoconferência para ser prestado o depoimento.

Também há casos, no entanto, em que a cooperação da testemunha é essencial para a acusação, mas o poder e controlo dos grupos criminosos organizados envolvidos tem um tão longo alcance que medidas adicionais se mostram necessárias, através de um programa formal de proteção de testemunhas. Nestes casos, a única alternativa viável para assegurar a segurança da testemunha, pode ser a relocalização da testemunha, sob uma nova identidade, num novo local de residência não divulgado, no mesmo país ou até no estrangeiro.

Os tipos de programas de proteção de testemunhas

O UNODC realizou uma revisão aos programas formais de proteção de testemunhas em processos-crime de 43 Estados Membros. Destes, 14 (33%) jurisdições tinham programas completos de proteção de testemunhas e lograram a relocalização e concessão de novas identidades a testemunhas que haviam sido ameaçadas, quatro jurisdições (9%) promulgaram legislação nova prevendo programas de proteção de testemunhas, mas estes programas ainda não se encontravam em funcionamento. Dezoito jurisdições (42%) não tinham estabelecido qualquer programa mas tinham algumas medidas de segurança, como medidas de proteção policiais ou processuais em audiência, e 7 jurisdições (16%) não tinham qualquer medida de proteção de testemunhas. (UNODC, 2008).

Evidenciam-se diferenças significativas entre os países nas suas tradições jurídicas, ambientes políticos, estado de desenvolvimento, social e cultural, e os níveis e tipos de criminalidade. (Dammer and Albanese, 2014; Reichel, 2017) Estas diferenças refletem o tipo e extensão da proteção que cada país concede.

Proteção a funcionários judiciais e outros sujeitos relevantes nos processos de criminalidade organizada

É importante considerar também se existe proteção para os funcionários judiciais. Na maioria dos países, só em circunstâncias excecionais os juízes, procuradores, agentes encobertos, peritos, intérpretes, tradutores ou jurados são incluídos no programa de proteção de testemunhas. A intimidação e as ameaças contra as suas vidas são consideradas como relacionadas no âmbito do exercício das suas funções. Elas podem ser elegíveis para proteção policial especial, transferência de trabalho ou reforma antecipada, mas a sua proteção difere quanto à natureza das medidas de proteção destinadas à proteção de testemunhas em risco.

As semelhanças entre os programas de proteção de testemunhas nacionais podem ser resumidas da seguinte forma:

  • Existe uma combinação entre proteção de testemunhas, redução de pena, e depoimentos testemunhais;
  • Existe quase exclusividade em centrar a atenção num pequeno número de testemunhas essenciais que se voluntariem para mudar de “lado” e cooperar com a acusação, mas exijam proteção em prol da sua vida;
  • O recurso à relocalização e atribuição de nova identidade – baseado quase no mesmo critério (tipo de criminalidade, ameaça, adequação, participação voluntária) – são o último recurso para assegurar a segurança da testemunha.

Alguns dos mais importantes elementos  para o estabelecimento e operacionalização dos programas de proteção de testemunhas incluem critérios e políticas claros. (UNODC; 2008) Exemplos dos tipos de políticas existentes resumem-se da seguinte forma:

  • Uma base legal ou política claras para a conceção da metodologia e operacionalização das operações;
  • Financiamento adequado que seja estável e que se mantenha ao longo de vários anos;
  • Qualificações estritas para o pessoal e procedimentos de verificação;
  • Proteção da integridade do programa;
  • Coordenação estrita com as autoridades judiciais e outras autoridades governamentais envolvidas com a aplicação da lei e com a inteligência, administração prisional, habitação social, serviços de segurança social e de saúde, entre outros;
  • Responsabilidade e transparência em conformidade com as necessidades especiais de segurança do programa;
  • Obrigação das autoridades governamentais para prestar a devida assistência, salvaguardando a informação que lhes seja revelada;
  • Capacidade de prestar assistência para as agências, nacionais e internacionais, para a aplicação da lei.

Para além das questões procedimentais para a operacionalização de programas formais de proteção de testemunhas, também existem diversos problemas administrativos cruciais que requerem atenção. Por exemplo, a proteção de testemunhas através de um programa formal de proteção de testemunhas, pode revelar-se mais difícil do que aparenta ser. Em alguns casos, os familiares da testemunha, ou de outros que lhe estão próximos, são ameaçados ou ofendidos num esforço para intimidar a testemunha sob proteção. Os/As cônjuges ou os/as filhos/as que são relocalizados com a testemunha, também sofrem, porque têm que abdicar de tudo e mudar-se para um novo local, com uma nova identidade sem a sua família alargada. Três dos principais problemas que se colocam nos programas de relocalização são, monetários, sigilo e habitação. (Earley and Shur, 2002; Kelly, Schatzberg and Chin, 1994; Violet and Partington, 2011).

a) O dinheiro nunca é suficiente: Muitos colaboradores com a justiça são gastadores, podendo não ter competência para fazer um orçamento ou aforrar dinheiro, e pode faltar-lhes a disciplina para manter uma emprego regular. Estas competências têm que ser aprendidas.

b) Segredo perpétuo: Ainda que seja referido aos arguidos que não possam revelar a ninguém a sua nova localização, existe a tendência para que o façam aos seus progenitores, irmãos ou amigos. Esta informação pode acabar por se revelar e a segurança da pessoa que integra o programa pode ficar ameaçada.

c) Nunca voltar a casa: Existe um desejo inato de voltar a casa, em último caso para rever a família, amigos e a antiga vizinhança. O risco de o fazerem é muito elevado, e o programa de proteção de testemunhas tem o importante labor de convencer os arguidos da necessidade de deixarem o passado para trás definitivamente.

Estes três aspetos da natureza humana tornam a relocalização das testemunhas numa gestão muito difícil por causa da necessidade da vigilância contínua da proteção da testemunha e dos seus familiares de qualquer retaliação, e do próprio desejo da testemunha voltar a como as coisas eram. O programa de proteção de testemunhas implica um elevado nível de motivação por parte da testemunha sob proteção para mudar a sua vida inteira, e isto é muitas vezes difícil de fazer.

Os custos dos programas de proteção de testemunhas

O custo do programa de proteção de testemunhas envolve tanto o valor da relocalização e assistência a estas testemunhas, como também da possibilidade destas testemunhas sob proteção, que são criminosos, possam reincidir e cometer novos crimes depois de serem relocalizados. Também se revela a preocupação com testemunhas que são estrangeiras, o que envolve o custo para as autoridades nacionais, bem como a segurança e responsabilidade domésticas. (Abdel-Monem, 2003; Trotter, 2012).

 
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