Este módulo é um recurso para professores 

 

Exceção humanitária

 

As ofensas previstas no Protocolo Adicional contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea não visam as condutas daqueles que agem com outros intuitos para fins que não sejam obter um benefício financeiro ou outro benefício material. Como tal, o Protocolo não criminaliza as ações daqueles que atuam por motivos humanitários em relação aos migrantes. As Notas Interpretativas do Protocolo Adicional contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea são claras neste aspeto.

Caixa 21

Os trabalhos preparatórios devem indicar que a referência a “benefício financeiro ou material” como elemento da definição [de tráfico ilícito de migrantes] foi incluída de forma a enfatizar que a intenção foi de incluir as atividades de grupos de criminalidade organizada que agem pelo lucro, mas de excluir as atividades daqueles que prestaram apoio aos migrantes por razões humanitárias ou com base em laços de família próximos. Não foi intenção do Protocolo de criminalizar as condutas de membros familiares ou grupos de apoio tal como organizações religiosas ou não-governamentais.

Notas interpretativas para os registos oficiais (trabalhos preparatórios) da negociação da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e dos respetivos Protocolos

É importante sublinhar que, em princípio, onde o benefício financeiro ou outro benefício material é um elemento constitutivo de ofensas relacionadas com Tráfico de Migrantes, não seria necessário prever uma disposição específica que consagrasse uma isenção humanitária. Contudo, nos casos em que alguém assiste os migrantes por razões humanitárias, mas recebe, por exemplo, um pagamento na quantia exclusivamente necessária para pagar o combustível para atravessar a fronteira, estes podem ficar numa área cinzenta e ficarem sujeitos a criminalização de acordo com o Protocolo. Nestes casos, os Estados podem considerar incluir na sua legislação disposições para excluir a responsabilidade criminal daqueles que participam neste tipo de conduta. Em jurisdições que não incluem o benefício financeiro ou outro benefício material como elemento, podem existir procedimentos penais contra agentes humanitários.

Um caso em que três pessoas foram acusadas por facilitar a migração ilegal ao abrigo da lei Italiana, que não requer prova de benefício financeiro ou outro benefício material, é apresentado nas Caixas 22 e 23.

Caixa 22

Itália absolve tripulação de resgate de migrantes

Um tribunal Italiano absolveu três membros de uma instituição de caridade Alemã de auxílio à imigração ilegal depois de terem resgatado uma embarcação abandonada cheia de migrantes africanos.

Em 2004, um navio do grupo de auxílio Cap Anamur resgatou 37 migrantes que estavam encalhados no Mar Mediterrâneo. O antigo presidente da Cap Anamur, Elias Bierdel, bem como o Capitão e o Primeiro Imediato, foram levados a julgamento em Agrigento, Sicília em 2006. Vários grupos humanitários saudaram a decisão. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados já tinha reclamado que o julgamento, bem como a dura legislação Italiana relativa à imigração ilegal, terem assustado os pescadores que resgatavam pessoas abandonadas no mar. A Itália tinha inicialmente recusado o navio, mas deixou-o ancorar quase três semanas depois do capitão ter emitido um sinal de emergência. Os três trabalhadores humanitários foram detidos por vários dias e, de seguida, foram levados a julgamento. “Este veredito é importante para todos aqueles que praticam o bem”, disse o capitão do navio, Stefan Schmidt. “O meu único arrependimento é que com o dinheiro que gastámos a combater este caso durante cinco anos poderíamos tê-lo usado para ajudar pessoas”, citou o capitão tal como refere a agência Reuters. Todos os 37 migrantes regressaram ao seu país de origem depois de desembarcarem na Sicília. Muitos afirmaram que estavam a fugir da região conturbada do Darfur, no Sudão, mas verificou-se que vieram do Gana e Nigéria. A Itália, com a sua longa e porosa faixa costeira, é um destino importante para os migrantes que procuram entrar na Europa.

BBC News, 7 de Outubro de 2009
Caixa 23

Caso N. 3267/04 R.G.N.R - Cap Anamur

O navio alemão Cap Anamur, propriedade da ONG com o mesmo nome, estava registado como “navio de carga” e “navio de resgate e de apoio”. Durante uma missão, que tinha como destino o Médio Oriente, com o objetivo de entregar comida, medicamentos e equipamento médico, o Capitão parou em Malta para efetuar reparações nos motores. O Cap Anamur permaneceu em Malta de 26 de maio a 4 de junho de 2004, sendo que depois efetuou vários testes de navegação numa zona marítima restrita. A 20 de Junho de 2004, o Capitão deu ordens para realizar um novo conjunto de manobras no mar para verificar a fiabilidade do motor. Durante esses testes, o navio detetou, em águas internacionais, uma embarcação insuflável com 37 migrantes irregulares africanos a pedir ajuda. A embarcação dos migrantes tinha uma fuga de ar, estava a afundar e com o motor a fumegar. Para além disso, as condições atmosféricas e do mar eram altamente adversas. Perante este cenário, o Capitão ordenou o resgate dos 37 migrantes. Uma vez a bordo do Cap Anamur, a maioria deles confessaram estar a fugir do Sudão, um país tomado por uma guerra civil. Receberam os primeiros cuidados médicos do enfermeiro que estava a bordo.

Durante vários dias, o Capitão e o Responsável da ONG Cap Anamur, enquanto estavam em alto mar, estudaram as várias vias que podiam tomar. Por fim, decidiram levar o Cap Anamur para Itália. Apesar da Líbia ser o porto mais próximo do local do resgate, a Sicília era o mais próximo dentro daqueles que poderiam providenciar as condições mais apropriadas aos migrantes, i.e., assistência médica, respeito pelos diretos humanos e um enquadramento legal capaz de lidar com a realidade específica da qual os migrantes vinham. De igual forma, a Sicília tinha o porto mais próximo capaz de prestar o apoio logístico para um navio com a tonelagem do Cap Anamur.

Inicialmente, as autoridades Italianas não permitiram o desembarque dos migrantes por várias razões. Entre outras, tinham encontrado um conjunto de circunstâncias suspeitas tais como (i) o trajeto/movimento “anormal” do navio em dias anteriores, que poderia indicar a intenção de patrulhar águas internacionais em busca de migrantes em situação irregularque viajam por via marítima, e (ii) o facto de no período de 10 dias entre o dia do salvamento do dia da comunicação do sucedido às autoridades Italianas, o Cap Anamur não ter informado as autoridades Maltesas, apesar de ter navegado perto do seu território. Com o passar do tempo, o Capitão avisou que alguns migrantes apresentavam sérios sinais de desconforto: foram tomados pelo desespero e frustração, com alguns deles a bater as cabeças contra paredes, outros a ameaçar lançarem-se ao mar com esperança de chegarem a solo Italiano a nado. Para além disso, o navio estava a enfrentar escassez de água. Finalmente, o Cap Anamur teve autorização para atracar na Sicília, especialmente após a declaração dos acusados de que estavam perante uma verdadeira emergência. Era também receada uma revolta por parte dos migrantes, de modo que o Capitão declarou que não se encontrava em condições de garantir a segurança a bordo. As autoridades perceberam que o Capitão estava a referir-se a uma emergência humanitária em vez de uma falta de controlo sobre os migrantes. Em vez disso, uma vez a bordo, peritos determinaram que não existia qualquer emergência humanitária. Especialmente por nenhum migrante necessitar de cuidados médicos e as condições sanitárias estarem dentro da normalidade.

O caso do Cap Anamur recebeu intensa cobertura mediática. Todos os migrantes requereram asilo na Itália. Após uma verificação adequada, foi determinado que dos 37 migrantes, 31 eram Ganeses e 6 eram Nigerianos. Como tal, os pedidos de asilo foram negados, e os migrantes acabaram por ser deportados.

Nota: Para uma análise complete do caso, incluindo a fundamentação do tribunal, consultar a Base de Dados de Jurisprudência -SHERLOC

Base de Dados de Jurisprudência -SHERLOC – Tráfico Ilícito de Migrantes - Itália
 
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