Este módulo é um recurso para professores 

 

Exercícios

 

Esta secção contém material que é destinado a apoiar os docentes e fornecer ideias para discussões interativas e análises baseadas em casos do tópico em consideração.

Exercício 1: rede nigeriana em Bruxelas

 

No período entre 2007 e 2011, jovens nigerianas, incluindo várias menores, foram trazidas fraudulentamente para a Bélgica e exploradas sexualmente por uma rede Nigeriana de prostituição no país, Espanha e Noruega.

As jovens foram trazidas para a Bélgica para trabalhar na prostituição. Elas tinham de pagar EUR 55,000 pela viagem e ainda reembolsar as dívidas a prostituírem-se. Por vezes, as jovens podiam ser ‘encomendadas’ na Nigéria ou na Turquia.

O modus operandi da rede era baseado em ‘madames’, que punham as vítimas a trabalhar, supervisionavam-nas, recebiam o seu dinheiro e geriam as suas dívidas. As madames aproveitaram-se de rituais de voodoo para manter as meninas subjugadas. Ao mesmo tempo, agiam como apoio psicológico às jovens Nigerianas que as consideravam como uma mãe ou irmã. Elas tinham residência legal, que às vezes, conseguiam através de casamentos falsos, e frequentemente conheciam o sistema de prostituição por dentro com a esperança de um dia se libertarem do mesmo. Durante uma conversa telefónica com a arguida principal, ela disse: “O homem branco que preparou a minha autorização de residência através de um casamento falso ligou-me”. Durante outra conversa telefónica, tratou-se de procurar uma solução para legalizar a residência de outra madame: “X vai tentar dar a Y autorização de residência belga. Ela vai tentar fazê-lo ao fingir que está doente. Nós conhecemos um médico belga que já forneceu os documentos necessários em troca de uma quantia substancial de dinheiro. O médico tem de declarar por escrito claramente de que doença Y sofre, tal como problemas psiquiátricos. É uma forma de acelerar o procedimento para a autorização de residência de Y”.

O arguido principal estava em contacto com várias pessoas para organizar o plano criminoso, tendo cada pessoa a sua própria especialização. Ele usaria os seus serviços criminosos para obter documentos de identificação falsificados. Ele estava em contacto com um funcionário corrupto da embaixada para obter um visto Schengen ou realizar qualquer outro procedimento. O principal arguido foi, então, capaz de obter o visto necessário, por exemplo, na embaixada italiana na Nigéria, graças a um contacto. Ademais, a irmã de um cúmplice trabalhou na embaixada Nigeriana em Abuja e ele era capaz de obter facilmente um visto desta forma. Além disso, um empregado da embaixada Nigeriana na Grécia assegurava que Nigerianos que estavam prestes a ser deportados eram libertados, em troca de um suborno. O arguido principal podia também contar com cúmplices nas companhias aéreas e entre o pessoal da imigração no aeroporto, permitindo-lhe assim organizar uma passagem segura garantida para as pessoas atravessarem ilegalmente a fronteira. Ele corrompeu, além disso, membros do parlamento que lhe ofereceram proteção política.

Em geral, várias vítimas viajavam juntas e mudavam regularmente de guia ao longo de África e da Europa, antes de chegarem à Bélgica. A viagem, por vezes, durava meses através do deserto ou em pequenos barcos perigosos no mar com a intenção de alcançar um dos locais de trânsito mais conhecidos, a ilha italiana de Lampedusa. Às vezes, as jovens já tinham de prostituir-se na sua ida até à Itália. Outros transportes garantidos eram também organizados, trazendo vítimas nigerianas de prostituição de avião desde Lagos (Nigéria) até Itália. O seu contacto na embaixada preparou uma viagem de grupo sob a pretensão de um curso de formação em Itália. Isto permitiu que 19 jovens nigerianas saíssem legalmente da Nigéria com um visto.

O arguido principal também tinha cúmplices em Espanha, Turquia, Itália, Marrocos e Dinamarca, e a sua irmã servia, ainda, como madame no Canadá. Estes contactos entraram todos perfeitamente no contexto de programas internacionais de intercâmbio nas redes nigerianas. Por exemplo, uma madame nigeriana na Bélgica teve vítimas na Noruega, Suécia e Espanha sob a sua autoridade. Houve também um programa de intercâmbio onde, por exemplo, uma senhora nigeriana em Espanha em Espanha enviou uma jovem para ir trabalhar para ela na Bélgica, devido à falta de trabalho em Espanha, mas sob a supervisão de uma madame nigeriana a viver na Bélgica.

No início de 2010, o juiz de instrução ordenou vários procedimentos de investigação, incluindo escutas telefónicas. Isto revelou os contactos na rede internacional, os seus métodos de contrabando e como os programas internacionais de intercâmbio funcionavam. Meninas que não desempenhassem suficientemente bem eram movidas para outra região. As escutas telefónicas tiveram também um papel importante na detenção das vítimas: “Parece que X está de momento ocupado com as preparações finais para o transporte da menina da Nigéria até à Bélgica. A menina em questão parece ter viajado para Abuja, entretanto, enquanto espera pela sua transferência para a Bélgica. O pagamento para o transporte parece já ter sido feito e a menina vai viajar sozinha com conhecimento completo dos factos, com documentos de identificação pertencentes a alguém a residir na Europa. (…) Podemos deduzir pelas escutas telefónicas que é possível que a menina em questão vai chegar a Schiphol, na Bélgica, durante ou depois do fim-de-semana de 4 e 5 de junho de 2011, e X vai buscá-la pessoalmente a Schiphol”. Nas conversas telefónicas sob escuta, havia também menção da chamada Black Western Union e dos quatro blocos de apartamentos que o arguido principal tinha construído na cidade de Benin (Nigéria) graças ao dinheiro da prostituição. O Black Western Union é um sistema de financiamento conhecido nos círculos nigeriados, o que não tem absolutamente nada a ver com a famosa Western Union. É a versão Africana do sistema hawala paquistanês, onde os lucros acabam em lojas de telemóveis e mercearias na Nigéria através de sistemas alternativos de remessas. Um sistema de tipo hawala pode ser considerado uma alternativa ao sistema bancário de transferência de dinheiro de um país para outro sem deixar qualquer vestígio da transação. O Sistema funciona em perfeito anonimato.

A investigação verificou que à maioria das vítimas tinha sido oferecido trabalho como prostitutas na Nigéria, com a promessa de um bom rendimento. O arguido principal organizava um procedimento de seleção, durante o qual ele entrevistava e selecionava as vítimas por telemóvel na Nigéria. As escutas telefónicas revelaram também que algumas meninas podiam ser encomendadas com antecedência. Quando chegavam à Bélgica, os documentos de identificação das meninas eram-lhes retirados e dados à madame, que colocava as meninas na prostituição ou vendia-as por EUR 5,000. Era dita sempre a mesma história às vítimas: por forma a serem libertadas, tinham de pagar os custos da sua viagem. Em geral, elas aceitavam sem qualquer forma de resistência. As redes nigerianas não hesitam em usar qualquer forma de violência contras as vítimas ou as suas famílias. Por exemplo, os pais de uma das madames ameaçaram os pais de duas menores, porque eles não queriam reembolsar as suas supostas dívidas. Uma jovem, que primeiro trabalhou como prostituta em Espanha antes de vir para a Bélgica, foi forçada a abandonar o seu bebé de 10 meses em Espanha. As escutas telefónicas revelaram claramente porquê: “se a mãe fizer algo estúpido, o seu bebé será morto”.

Na Nigéria, alguém tinha de agir como garante da jovem. Esta garantia era apenas posta em prática por um ou mais sacerdotes voodoo. O abuso de rituais voodoo é um meio de pressão tipicamente nigeriano. Muitas jovens nigerianas fazem um juramento antes de partir para o Ocidente, durante o qual declaram que elas ou as suas famílias pagarão às suas madames os custos de viagem e dívidas. O juramento vai de de encontro a vários rituais. As unhas, sangue e cabelo das jovens mulheres são cuidadosamente preservados num pacote. Este pacote é guardado pela rede criminosa. Se a mulher não satisfazer uma ou mais das suas obrigações, juju ou voodoo são usados contra ela. De acordo com crenças locais, alguém cujas unhas, sangue ou cabelo é preservado num pacote pode ser posto doente ou louco, e até morrer. Desta forma, as madames aumentam os medos das meninas e criam um vínculo que não pode ser quebrado sem consequências. De forma a salvarem-se e à sua família, muitas das vítimas permanecem na prostituição para reembolsar as suas dívidas. As declarações de uma vítima nigeriana neste caso, revelou o impacto significativo do ritual voodoo e como este pode ser facilmente abusado para exercer pressão: “Depois de dois dias, X levou-me também para este lugar e disse-me para trabalhar para ela como prostituta. Eu recusei, mas depois de uma semana eu tive de o fazer porque X tinha enchido a minha comida com voodoo, cortado uma mecha do meu cabelo e retirado um pouco do meu sangue menstrual das minhas calças… ela sujeitou-me a um ritual de voodoo”.

MYRIA, Trafficking and Smuggling of Human Beings - Tightening the Links, Relatório Anual 2015

Nota: Este caso foi considerado tanto de Tráfico ilícito de migrantes como de Tráfico de pessoas. Foi julgado pelo Tribunal Penal de Bruxelas a 24 de fevereiro de 2012 e depois pelo Tribunal de 2ª Instância, a 31 de outubro de 2012. Várias vítimas instituíram procedimentos civis.

Sugere-se que a aula seja dividida em grupos pequenos, sendo dado a cada um 5-10 minutos para analisar o caso e identificar os potenciais problemas e desafios na distinção entre tráfico ilícito de migrantes e tráfico de pessoas. Os estudantes devem também considerar se, no seu país, este caso equivaleria a tráfico ilícito de migrantes ou tráfico de pessoas.

Perguntas propostas para discussão/atividades:

  • Este é um caso de Tráfico de pessoas, Tráfico ilícito de migrantes ou ambos? Justifique a sua resposta.
  • Na sua opinião, a rede criminosa qualifica como um grupo criminoso organizado nos termos do artigo 3 da UNTOC? E segundo o enquadramento legal do seu país? Explique.

Que fatores demonstram a vulnerabilidade das jovens nigerianas?

 

Exercício 2: Tráfico ilícito de migrantes ou Tráfico de pessoas? Os políticos parecem não saber

 

Crise migratória: Tráfico ilícito de migrantes ou Tráfico de pessoas? Os políticos parecem não saber

É uma ideia básica: se quer resolver um problema, é melhor compreender qual é o problema em primeiro lugar. Este princípio parece estar a fugir de muitos dos líderes Europeus diante do terrível massacre que está a decorrer nas nossas costas a sul. Ao longo da semana passada, políticos - Theresa May, Ed Miliband, a líder de política externa da UE Federica Mogherini, Yvette Cooper e William Hague entre outros - usaram os termos “traficante de seres humanos” e “contrabandista” de forma indiscriminadarelativamente àqueles que transportam refugiados através do Mediterrâneo. De facto, o Guardian relatou na terça-feira que o capitão do barco que se afundou, com a perda de mais de 800 vidas, foi acusado de tráfico. Não é mero pedantismo mas sim de um problema. Tráfico e contrabando têm significados particulares segundo a lei e frequentemente requerem abordagens muito diferentes. Aqueles que andam a usar os termos com tanto descuido deviam saber isto. (…)

Enquanto migrantes introduzidos ilegalmente tornam-se, por vezes, vítimas de tráfico de pessoas, não existem provas para simplesmente concluir que o que está a acontecer no Mediterrâneo é tráfico de pessoas. Pelo contrário, vemos contrabando de pessoas a uma escala maciça. Porquê a confusão entre os políticos sobre os termos? (…)

Eu suspeito que há algo mais em jogo. No ano passado, os que estavam no poder aqui e em toda a Europa, nada fizeram em preparação para a migração primaveril de pessoas vulneráveis do norte de África, para além de reduzirem os recursos navais. Agora, à medida que  ficamos horrorizados com as várias vidas perdidas no mar em menos de uma semana, os políticos têm de procurar desculpas. A confusão entre tráfico ilícito de migrantes e tráfico de pessoas ofusca convenientemente o problema e dá aos políticos espaço para respirar. É uma manobra clássica de relações públicas por aqueles que são confrontados com provas da sua cumplicidade para com abusos de direitos humanos - ou neste caso, discutivelmente, uma atrocidade evitável. Quando confrontados com tal horror, é mais fácil fazer grandes declarações a culpar  traficantes cruéis pelas mortes dos migrantes que procurar as causas e identificar as respostas adequadas..

O que estamos a ver ao longo do norte de África e do Médio Oriente não são manobras de círculos organizados de tráfico, apesar de sem dúvida alguns tirarem proveito do caos para escravizar pessoas. Estamos a assistir a uma convulsão de refugiados, similar, mas em escala menor, àquela que afetou a Europa central e de leste no fim da segunda guerra mundial.

Na altura, a crise foi tratada por uma resposta internacional concertada para proporcionar alívio e uma migração segura. Passados setenta anos, a abordagem fragmentada da Europa a esta catástrofe tem sido, até agora, patética, criando o mercado para os contrabandistas prosperarem.

Os acontecimentos desta semana tornam claro que um alargamento das operações marítimas de busca e salvamento são uma necessidade urgente. Mas, tal como qualquer outra resposta humanitária, esta não é uma solução para a crise. É um meio para reduzir os números daqueles que estão a morrer até que uma solução seja encontrada. Isto deve incluir uma reformulação da ideia da “Europa fortaleza” e do estabelecimento, eventualmente através da mobilização das forças de manutenção da paz da ONU, de rotas migratórias seguras para os refugiados que acabaram na costa do norte de África.

Até os líderes Europeus mostrarem audácia e ambição de tamanho suficiente para enfrentar o problema, os seus esforços serão em vão. Para começar, devem assegurar-se de que estão a lidar com o problema que de facto se lhes apresenta, que não é o do tráfico de pessoas, um problema que parecem apenas parcialmente compreender.

The Guardian, 22 abril 2015

Baseando-se neste artigo do Guardian, os estudantes devem discutir se a situação reportada é mais bem classificada como tráfico ilícito de migrantes, tráfico de pessoas ou ambos. O debate deve ainda convidar os estudantes a refletir sobre o seguinte:

  • É importante que tanto os media como os políticos sejam precisos e usem a terminologia correta quando se referem o tráfico ilícito de migrantes e o tráfico de pessoas? Porquê?
  • Pode também ser pedido aos estudantes que recolham notícias nacionais ou internacionais e analisem se os casos aí descritos estão corretamente identificados como tráfico ilícito de migrantes ou tráfico de pessoas

O que pensa sobre a primeira proposta?

 
Seguinte: Estrutura recomendada das aulas 
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