Este módulo é um recurso para professores 

 

Investigações financeiras

 

Como foi referido anteriormente, em muitos casos, as investigações financeiras são essenciais para detetar e puniros traficantes de migrantes. Daí o papel essencial das FIU para suprimir o auxílio à imigração ilegal. No contexto dos episódios de prática de tráfico ilícito de migrantes, a variedade de métodos pelos quais os pagamentos são feitos e, através dos quais o dinheiro circula, varia consideravelmente. As investigações financeiras debruçar-se-ão sobre obtenção de informação e recolha de provas - e a respetiva análise - relativamente a rendimentos advindos do auxílio à imigração ilegal. Estes irão focar-se nas provas que revelam fluxos de caixa e registos monetários (rota do dinheiro), por exemplo contas bancárias e transferências eletrónicas, relatórios de cartões de crédito, extratos de transferências monetárias (tais como o MoneyGram) e os registos do sistema Hawala (see Tool 7 Law Enforcement and Prosecution, UNODC, 2010).

Caixa 13a

Desafios nas investigações financeiras - sistema Hawala

No caso do Hawala, a recolha de provas pode ser particularmente desafiante. Um caso interessante foi reportado durante uma reunião de um grupo especializado da UNODC, sobre Investigações Financeiras, realizada em novembro de 2018. Um oficial da Unidade de Informação Financeira austríacaapresentou um caso de auxílio à imigração ilegal, em que o Hawala foi utilizado para transferir mais de 6 milhões de euros. Migrantes do Irão e Iraque foram introduzidos ilegalmente na Áustria e Alemanha. O pagamento foi libertado após o migrante clandestino ter chegado ao destino pelo qual pagou. Após alguns meses de investigação, as autoridades competentes conduziram buscas a cinco casas e apreenderam uma quantidade considerável de dinheiro e bens. Também encontraram um caderno, utilizado por um “hawaladar”, para controlar o rasto das transações feitas neste contexto. 

O mesmo oficial sublinhou que o sistema Hawala ainda não é muito conhecido e compreendido, embora seja bastante utilizado, com um estimado fundo de 202 biliões de dólares transferidos mundialmente. Ainda que não seja ilegal per se - em algumas das jurisdições nacionais o uso do hawala é legal -, o sistema Hawala é utilizado para facilitar fluxos monetários em práticas de crime organizado transnacional, incluindo o tráfico de pessoas e o tráfico ilícito de migrantes.

O tráfico ilícito de migrantes é um crime para obter lucro.  Esta é a motivação dos traficantes de migrantes. Seguir o dinheiro irá, provavelmente, conduzir aos líderes dos grupos criminosos organizados.

Figura 2: Abordagem de “seguir o dinheiro” [imagem com texto no original]

 

DINHEIRO

O dinheiro ainda é o rei. Os migrantes continuam a pagar em dinheiro nas várias etapas da sua viagem; este é o conhecido método “pay-as-you-go” (pague à medida que use os serviços). Os relatórios indicam que os traficantes de migrantes usavam a violência de forma progressiva, exigiam que o pagamento fosse feito de forma adiantada e mantinham os migrantes em cativeiro em abrigos vigiados. O Centro Europeu contra o Tráfico Ilícito de Migrantes apoiou diversas investigações que facilitaram a liberação de migrantes de abrigos clandestinos, bem como a prisão de traficantes de migrantes. 

EMPRESAS LEGÍTIMAS DE TRANSFERÊNCIA DE DINHEIRO

O Centro Europeu contra o Tráfico Ilícito de Migrantes estabeleceu cooperações extensivas com a Imigração e Alfândega dos EUA e com a Rede de Investigação Global da Western Union a fim de aceder a informações cruciais sobre a transferência de valores. As agências de origem, trânsito e destino da transferência de dinheiro continuam a ser utilizadas como facilitadoras devido à sua ampla acessibilidade e eficiência em todo o mundo. 

ATIVIDADES BANCÁRIAS SUSPEITAS

Embora o uso de contas bancárias para modificar e ocultar lucros do crime se tenha tornado cada vez mais difícil, vários projetos potenciais, iniciados pelas Unidades de Inteligência Financeira dos Estados Membros, foram bem aceites e receberam apoio da Europol. O objetivo destes projetos é analisar qualquer transação suspeita que tenha sido reportada pelo setor financeiro na tentativa de identificar membros de grupos criminosos. Vários indicadores de risco foram estabelecidos para facilitar a identificação de transações suspeitas. 

SISTEMAS BANCÁRIOS PARALELOS

Ao menos 20% dos fluxos monetários entre traficantes de migrantes e migrantes acontecem de forma clandestina através dos “Hawaladars”. Esse método é também bastante usado por traficantes pois o fluxo real é, se não impossível, extremamente difícil de ser detetado. O Centro Europeu contra o Tráfico Ilícito de Migrantes apoia ativamente uma nova iniciativa para enfrentar este problema no âmbito europeu; uma reunião com peritos foi organizada para facilitar a redação de uma proposta; a candidatura foi bem-sucedida e recebeu financiamento no EMPACT para a sua implementação.

Fonte: Centro Europeu contra o Tráfico Ilícito de Migrantes, Relatório de Atividades 2017

Por conseguinte, as investigações financeiras devem decorrer paralelamente às investigações de tráfico ilícito de migrantes e ser iniciadas o mais cedo possível. Investigações financeiras eficientes requerem funcionários com altas qualificações analíticas e técnicas. As leis nacionais vão necessariamente precisar de ser examinadas, visto que impactam o âmbito da investigação. As regras de sigilo bancáriopodem ser importantes. As preocupações com privacidade devem ser examinadas, considerando que há sempre o risco das provas serem consideradas inadmissíveis. Uma investigação financeira bem-sucedida levará à identificação do produto do crime e à sua apreensão, e possivelmente também à identificação de organizadores de alto nível. Do mesmo modo, vai identificar bens importantes a serem confiscados, nomeadamente aqueles utilizados, ou que facilitem, a prática do crime (Artigo 12.º da UNTOC).

Box 13b

HKSAR v L.H.K. Apelação Criminal  No. 84 de 2003

FACTOS

A 12 de março de 2001, autoridades policiais fizeram uma busca à casa do arguido em Mongkok (Hong Kong, China). Eles estavam à procura do irmão mais velho do arguido (L.H.L.2) e da sua namorada (C.S.P.), suspeitos de branqueamento de capitais e de auxílio à imigração ilegal. A polícia encontrou 25 passaportes japoneses e 97 passaportes chineses obtidos ilegalmente, assim como um carimbo falso de imigração da China continental. Foi comprovado que os passaportes japoneses tinham, ou sido perdidos pelos seus proprietários, ou roubados. (…)

No quarto do arguido foram encontradas diversas cadernetas bancárias. Foi mais tarde determinado que o arguido tinha aberto uma conta HSBC a 14 de outubro de 1998, e uma conta HSBC de moeda estrangeira a 23 de outubro de 1995. A sua mulher tinha aberto uma conta HSBC a 15 de julho de 2000. Entre 21 de junho e 25 de julho de 2000, vários depósitos foram efetuados nestas duas contas. Entre 21 de junho e 30 de junho de 2000, houve nove depósitos em dinheiro (no total 1 786 285.50 HKD) feitos para a conta HSB do arguido ou em nome do seu irmão.  Em, ou por volta de 5 de julho de 2000, o arguido passou um cheque na sua conta HSB no valor de 1 780 000.00 HKD, o qual foi pago pela conta conjunta detida pelo seu irmão mais velho e a sua namorada.  

Entre 14 e 25 de julho de 2000, houve 11 depósitos em dinheiro (no total, aproximadamente, 80 000.00 USD) feitos na conta HSBC do arguido de moeda estrangeira.  Entre 15 e 24 de julho de 2000, houve oito depósitos em dinheiro (no total, aproximadamente, 40 000.00 USD) feitos na recentemente aberta conta HSBC da sua mulher.  Essa quantia de 40 000 USD foi transferida para a conta do arguido a 26 de julho de 2000.  Uma quantia de 122 000 USD nessa conta foi colocada num depósito a prazo durante um mês. A 20 de setembro de 2000, o arguido transferiu 120 000 USD da sua conta HSBC Forex para uma conta, no nome da namorada do seu irmão, do mesmo banco.  

O arguido negou qualquer envolvimento em atividades ilegais. Ao ser interrogado, o arguido negou conhecimento acerca dos passaportes falsos. Ele também declarou que o dinheiro na sua (a do arguido) conta bancária era para a realização de uma negociação com margem em moeda estrangeira para um amigo. O arguido acreditava que o seu irmão estivesse envolvido em atividades de tráfico ilícito de migrantes e ter-lhe-ia dito para não guardar os passaportes no seu apartamento.  O arguido indicou que tinha recebido do seu irmão, por correio expresso do estrangeiro, 10 a 20 bilhetes de avião, os quais havia guardado para ele. O arguido declarou que, após uma conversa com o irmão, ele suspeitava que o último estivesse envolvido na morte (em junho de 2000) de 58 migrantes irregulares, que tinham morrido num contentor em Dover, em Inglaterra.  Uma das razões para esta suspeita é que todos eles vinham de um lugar perto da sua terra natal na China. Acresce ainda que o arguido declarou que o seu irmão lhe tinha pedido para transferir o dinheiro pago para as suas contas para a da namorada do irmão. Em conformidade, o arguido inferiu que o seu irmão deve ter obtido esse dinheiro de forma ilegal porque lhe tinha dito que “havia muito dinheiro a ser feito organizando as pessoas para ‘irem para outros lugares’”.

DECISÃO E FUNDAMENTAÇÃO

O arguido foi condenado por negociar bens conhecidos ou que se acredita representarem os produtos de uma conduta punível (o tráfico ilícito de migrantes). Esta decisão foi confirmada no recurso. O Tribunal considerou irrealista a declaração da Defesa de que não existiam provas suficientes para fundamentar uma condenação.

Tal decisão teve em conta as provas irrefutáveis apresentadas ao Tribunal tais como (i) depósitos em dinheiro, em junho e julho de 2000; (ii) transferências de dinheiro; (iii) a localização dos passaportes, (iv) as declarações do arguido à polícia. Da mesma forma, o Supremo Tribunal concordou com o argumento da Acusação de que a utilização pelo arguido de quantias muito substanciais de dinheiro do seu irmão entre junho e setembro 2000 - considerando o seu conhecimento dos recursos limitados do seu irmão e do que o seu irmão lhe tinha dito sobre as oportunidades financeiras por decorrentes de “ajudar pessoas a ir para outros lugares”- apontava diretamente para uma ligação entre os passaportes, o tráfico ilícito de migrantes e o branqueamento de capitais. É importante notar que relativamente às acusaçõesde branqueamento de capitais, o Tribunal sublinhou que não há necessidade de provar a conduta específica do crime subjacente (neste caso, auxílio à imigração ilegal). Assim, só o tipo ou categoria do crime precisa de ser provado.

Base de dados de Jurisprudência SHERLOC sobre Tráfico Ilícito de Migrantes
 
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