Entrevista com Tshewang Tenzin, conselheiro da Agência de Controle de Narcóticos do Butão

Photo: UNODC20 de agosto de 2009 - O Escritório regional do UNODC para o Sul da Ásia entrevistou, recentemente, Tshewang Tenzin, conselheiro da Agência de Controle de Narcóticos do Butão. Usuário de drogas em recuperação, Tenzin fala sobre tendências no uso de drogas, os tipos de tratamentos disponíveis para usuários e maneiras de aprimorar o resultado dos centros de saúde do Butão. Tenzin se esforça para atuar como um exemplo para a juventude do Butão ao pregar uma vida livre das drogas.

Como tem sido sua experiência com as drogas?

Quando eu analiso o porquê de ter começado a usar drogas, percebo que o fato de ter sido enviado para um internato aos 13, onde permaneci por sete anos, foi um evento importante em minha vida. Foi muito difícil me adaptar, pois o ambiente era muito diferente daquele ao que eu estava acostumado em casa. Naquele tempo, as drogas não eram algo popular no Butão, principalmente na nossa escola. Mas quando eu ia para casa durante as férias, me encontrava com amigos que estavam usando drogas. Eles tinham cabelo longo e se vestiam como os hippies dos filmes de Hollyoood.

Eu queria ser como eles porque eles pareciam muito legais. Eu tinha 16 anos quando fumei maconha pela primeira vez. Sempre tive curiosidade em relação às drogas e a saber como era ficar "chapado". No começo, eu não gostei do efeito da maconha. Disse para mim mesmo que eu poderia parar sempre que quisesse. Mas eu nunca senti vontade de parar; ao contrário, o efeito de querer mais aumentou. Quando completei 18 anos, comecei a usar drogas farmacêuticas como xarope para tosse e pílulas. Algumas vezes, mudava para álcool quando não tinha drogas. Aos 21, injetava sedativos farmacêuticos como Spasmo Proxyvon, Tidigesic e pentazocina.

As drogas estão disponíveis com facilidade no Butão?

Eu ia para as áreas da fronteira para comprar minha dose mais barata. Quando eu não tinha dinheiro suficiente, escrevia receitas falsas para pegar os remédios nas farmácias. De algum modo, eu conseguia as drogas, mas conseguir uma seringa era mais difícil, então eu frequentemente dividia uma seringa com outros usuários. Também roubei seringas de hospitais e outros lugares. Eu até peguei algumas seringas do veterinário ao mentir dizendo que meu cachorro estava doente.

Depois, alguns de meus amigos foram diagnosticados com hepatite C. Outros morreram de overdose. Naquele ponto, eu percebi o que era o medo. Ainda, quando o "açúcar marrom" (heroína) chegou ao mercado negro, eu estava curioso sobre aquilo. Vendi minha camisa e sapatos e comprei drogas. Eu ficava no meu quarto por três dias seguidos e inalava açúcar marrom. Até a época em que eu queria parar, senti que era tarde demais. As drogas haviam virado uma necessidade, um desejo para o meu corpo e para a minha mente. No entanto, no fundo, eu sempre quis largar as drogas e mudar. Queria ter sido mais educado sobre as drogas. Queria que minha comunidade e minha família tivessem sido mais alertadas sobre as conseqüências das drogas. Houve um tempo em que eu pensei que estava louco e queria cometer suicídio. Prometia a mim mesmo que não iria inalar drogas, mas simplesmente não conseguia ficar longe delas.

Você enfrentou discriminação e estigma?

Meus amigos e familiares pensaram que eu era uma má companhia. Todas as vezes que visitava a família, eles queriam que eu fosse embora imediatamente. Eu tenho enfrentado estigma e discriminação, mesmo como usuário em recuperação. Quando procurava emprego, frequentemente era rejeitado. Não ter o apoio e compreensão da sociedade à minha volta enquanto eu fazia esforço para largar as drogas me fez ter recaídas algumas vezes mesmo depois do tratamento. Devo dizer, porém, que a percepção comum do estigma como problema que começa na sociedade não está certa; ironicamente, começa em casa, entre os membros das famílias de usuários de drogas. Isso se dá, principalmente, porque não estão cientes do problema do uso de drogas.

Quais são os problemas enfrentados por usuários ao receber tratamento no Butão?

Muitos usuários em reabilitação sofrem recaídas após o tratamento e a desintoxicação. O motivo mais importante é que não há acompanhamento após os pacientes receberem alta e voltarem para a comunidade. Simplesmente não há recursos suficientes e pessoal treinado para isso. O outro motivo é que usuários tendem a não retornar para receber cuidados após o tratamento, porque acham que estão completamente "curados". Além disso, os serviços médicos são geralmente treinados para encorajar apenas a abstinência, independentemente do fato de o paciente ter ou não condições para isso.

Os médicos por vezes encontram pacientes que não tem condições ou vontade de se abster das drogas, que não têm acesso aos tratamentos ou que continuam a usar drogas independentemente do tratamento. Eu acho que há uma discrepância entre o que é formalmente ensinado nas faculdades de medicina e o que se encontra na prática. As faculdades de medicina devem planejar os currículos para diminuir essa discrepância e médicos devem ser encorajados a se educar sobre os problemas envolvidos no tratamento de usuários de drogas injetáveis.

O que pode ser feito para melhorar as unidades de tratamento de usuários de drogas no Butão? E o que você tem feito para ajudar os usuários em recuperação no seu país?

Centros de tratamento são escassos no Butão e os que existem precisam ser mais bem equipados. Existe a necessidade de um sistema de serviços de saúde integrado para usuários pós-reabilitação. Eu sinto que a prevenção deve ser sempre uma ferramenta fundamental para se tratar do assunto do uso de drogas. Deve envolver não só a coleta de dados e a transmissão de mensagens antidrogas, mas também criar uma resistência mais profunda e forte na sociedade. Sistemas de cuidados de saúde primários, especialmente entre usuários de drogas injetáveis, precisam ser fortalecidos.

Eu faço parte de uma equipe dedicada formada por usuários em recuperação. Fundamos um grupo de suporte à abstinência do álcool para usuários de drogas e alcoólatras. Sou o coordenador geral do grupo. O objetivo principal desse grupo é educar usuários de drogas nas alas psiquiátricas sobre o uso de drogas. Nós os monitoramos e os apoiamos após serem liberados da unidade de desintoxicação e de outros centros de reabilitação, com o propósito de prevenir o relapso. Em 2008, 72 usuários de drogas (tanto homens quando mulheres), entre 15 e 45 anos, realizaram tratamento em unidades de desintoxicação em alas psiquiátricas ou em algumas cidades na fronteira com a Índia.

As usuárias mulheres também freqüentam seu grupo de apoio à abstinência do álcool e substâncias psicotrópicas?

Hoje em dia, as mulheres são muito mais abertas, no sentido de nos procurar para ajuda. O estigma contra mulheres usuárias era muito grande há alguns anos. Elas eram vistas como "atiradas", de caráter imoral e como prostitutas. Atualmente, contudo, usuários de drogas no Butão não são mais discriminados e o problema é mais visto como uma doença que requer tratamento e atenção. Muitas mulheres que usam drogas pedem ajuda e apoio para superar o vício nas drogas.

Como você coopera com o UNODC?

Trabalho muito de perto com o UNODC em um projeto para prevenir a transmissão do HIV entre usuários de drogas de países da Associação Sul Asiática para Cooperação Regional. Sou um conselheiro que trata de dependentes do álcool e drogas no nível mais próximo da raiz do problema. Temos participado de workshops do UNODC para alertar sobre a relação entre HIV e o uso de drogas. De fato, alguns dos membros do grupo de apoio à abstinência do álcool e de substâncias psicóticas têm trabalhado temporariamente como conselheiros e promotores para a Agência de Controle de Narcóticos do Butão.

Tshewang Tenzin tem 31 anos de idade e não usa drogas há três anos. É casado e tem um filho de dois anos. Trabalha como conselheiro para a Agência de Controle de Narcóticos do Butão e é um dos fundadores de um grupo de apoio à abstinência do álcool e substâncias psicotrópicas, composto por usuários em recuperação, e que oferece serviços a pessoas com problemas de abuso de drogas ou álcool, incluindo aconselhamento às suas famílias.

O UNODC apoia a Agência de Controle de Narcóticos do Butão a implementar programas de redução da demanda, prevenção, cuidado e tratamento e reabilitação. O UNODC atualmente apoia a Agência a executar seu primeiro programa nacional de diagnóstico de drogas e controle de substâncias no Butão.

O trabalho do UNODC no Butão é possível graças à contribuição da Agência Australiana de Desenvolvimento Internacional.



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