Políticas sobre drogas: foco nas convergências

Bo Mathiasen

Os governos e as sociedades de diversos países estão enfrentando um novo desafio: como se preparar para responder ao surgimento de substâncias psicoativas cada vez mais diversificadas e com efeitos cada vez mais potentes? Essas mudanças fazem com que o debate em torno das políticas sobre drogas fique ainda mais complexo. Não se trata apenas de contrapor uma postura "liberal" a favor da legalização a uma posição "conservadora" de controle. É preciso avaliar o impacto social, de saúde e de segurança pública relacionado às drogas. Um exemplo é o da maconha hidropônica, cultivada em ambientes fechados, e que possui um poder alucinógeno até quatro vezes maior do que o da maconha tradicional. Mais difícil ainda é a questão do crack, uma droga derivada da cocaína que chegou à maioria dos grandes centros urbanos brasileiros e cuja dimensão ainda não é plenamente conhecida.

O crescente aumento das restrições ao uso de tabaco e de álcool é uma tendência internacional amplamente aceita - uma postura que contradiz a das campanhas pró-legalização das drogas. Essas campanhas costumam ignorar o fato de que, enquanto o tabaco e o álcool atingem entre 25% e 50% da população mundial, as drogas ilegais são consumidas por menos de 5% das pessoas - um problema comparativamente muito menor do que o das drogas legais. Isso quer dizer que sob a perspectiva de saúde o controle associado a programas de prevenção está funcionando na prática. A edição 2009 do Relatório Mundial sobre Drogas, publicado recentemente pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que, globalmente, nos últimos anos, a produção e o consumo de drogas vêm se mantendo praticamente estáveis - ainda que, nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil, observem-se pequenos índices de crescimento, principalmente entre as drogas sintéticas.

Entretanto, não se pode pensar apenas em termos de controle. A recomendação das Nações Unidas aos Estados-membros é que se desenvolvam cada vez mais políticas de saúde para usuários de drogas, tratando-os como pessoas que precisam de acesso ao atendimento - e não de punição criminal. É importante compreender que, ainda que sejam estimuladas nos países mudanças de legislação no sentido de se aplicar penas alternativas aos usuários, há consenso entre os Estados-membros sobre a posição de manter as drogas ilegais. Uma eventual legalização implicaria um custo social e a exigência de um aparato de proteção de proporções que a maior parte dos países não teria condições de oferecer. Afinal, as drogas não são prejudicais porque são ilegais, são ilegais justamente porque são prejudiciais.

A aparente contradição entre legalização ou não-legalização tende a tirar a discussão do foco que realmente interessa e que, na verdade, revela muito mais convergências do que divergências: a busca por uma abordagem equilibrada entre as ações de prevenção, incluindo o amplo acesso aos serviços de saúde para os usuários, e as ações de repressão, focadas no controle ao crime organizado transnacional e aos grandes financiadores do tráfico. Se as convergências forem mais observadas do que as divergências, o debate em relação às políticas sobre drogas poderá se converter em um processo que efetivamente resulte em benefícios concretos para todos.

Bo Mathiasen, dinamarquês, é o representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul. É mestre em Ciência Política e Economia pela Universidade de Copenhague e especialista em Desenvolvimento Econômico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

20-08-2009