Financiamento de campanhas: é doando que se recebe?

Bo Mathiasen

Será que os políticos podem se corromper antes mesmo de ocupar um cargo público? Será que o próprio processo eleitoral pode criar políticos corruptos? Será que o dinheiro pode motivar algumas pessoas a ingressar na carreira política? É possível estabelecer um sistema de controle efetivo para o financiamento de campanhas políticas? Essas são perguntas que preocupam comissões e tribunais eleitorais do mundo todo - preocupação que se reflete na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Hoje há um consenso global de que candidatos que recebem grandes valores para sua campanha podem ficar comprometidos com os doadores. Uma vez eleitos, de um modo ou de outro, ficam sujeitos a pagar essas "dívidas". Isso pode ocorrer, por exemplo, por meio de superfaturamento de gastos governamentais e/ou favorecimento de indivíduos e empresas em contratações, concorrências ou licitações do poder público.

Essas práticas prejudicam o orçamento público e comprometem o processo político. Isso tem como consequência o enfraquecimento da competição franca e leal, distorcendo a competitividade do mercado de produtos e serviços em contratos com o poder público - o que representa uma ameaça à própria democracia.

Ao celebrar contratos vantajosos com doadores de campanhas ou ao superfaturar obras e ações governamentais para ajudá-los a "recuperar" os recursos doados, alguns ocupantes de cargos públicos colocam em risco a integridade do setor público, enfraquecendo a governança do país. E quem paga por isso? Os contribuintes, que vêem seus impostos serem utilizados indevidamente para quitar "dívidas" com doadores, em vez de serem aplicados em obras e ações que melhorem a condição de vida das pessoas.

Em muitos países, os cidadãos se sentem desiludidos com a aplicação dos recursos públicos. Em vez de observar a destinação correta desses recursos - em melhorias nas áreas de saúde, educação ou obras de infraestrutura, por exemplo - os contribuintes percebem a corrupção e o uso indevido de seu dinheiro. Isso faz com que se sintam traídos justamente por aqueles que foram escolhidos para representá-los, gerando desconfiança no processo político de modo generalizado. Quem mais sofre com essa situação são os segmentos menos favorecidos da sociedade, pois são os que mais dependem dos serviços públicos.

Mais graves ainda são os casos de envolvimento do crime organizado com o financiamento de campanhas, gerando um vínculo perigoso quando os candidatos por ele sustentados são eleitos. Ocupantes de cargos ou funções públicas que mantenham ligações e dívidas com o crime organizado representam uma afronta direta ao interesse coletivo e uma grave ameaça ao Estado de Direito.

Ambos os fenômenos podem ocorrer, em maior ou menor grau, em qualquer país do mundo. Reconhecendo a importância do tema e os impactos diretos nas sociedades e nos indivíduos, os Estados Membros da ONU incluíram, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003, um artigo específico sobre o financiamento de campanhas políticas.

A convenção estabelece que cada país considere a adoção de medidas legislativas e administrativas apropriadas para aumentar a transparência relativa ao financiamento de candidaturas a cargos públicos eletivos e ao financiamento de partidos políticos. Também prevê que cada país procure adotar ou fortalecer sistemas destinados a prevenir conflitos de interesses. Atualmente, a convenção conta com ampla aceitação global, com 143 países signatários, entre os quais o Brasil, que a ratificou em 2005.

Com regras claras e definidas, e com um monitoramento rigoroso e independente por parte das comissões e tribunais eleitorais, é possível para um país manter a integridade da disputa política e, assim, fortalecer o processo eleitoral democrático e o exercício de uma gestão íntegra por parte dos eleitos para ocupar cargos públicos. Para isso, a palavra-chave é transparência: é preciso explicitar os interesses que financiam este ou aquele candidato e inverter a lógica de que as informações só venham à tona quando ocorre algum escândalo. Ao contrário, a transparência deve ser a regra. Quem ganha com isso? O cidadão comum, ao ver suas escolhas serem levadas a sério e a ser estimulado a vivenciar o real significado de democracia.

Bo Mathiasen, dinamarquês, é o representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul. É mestre em Ciência Política e Economia pela Universidade de Copenhague e especialista em Desenvolvimento Econômico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

05-03-2010