Política sobre drogas: ações abrangentes

Bo Mathiasen

Na América Latina, a violência e o crime organizado associados ao tráfico de drogas constituem um dos problemas mais graves enfrentados pelos países. Trata-se do lugar que mais produz e exporta cocaína no mundo. Também figura como produtora de cannabis, ópio e drogas sintéticas. Os cartéis de drogas representam uma ameaça à saúde pública, à segurança e, consequentemente, ao Estado de Direito e à democracia.

Hoje, a discussão sobre as políticas públicas sobre drogas assume maior importância. Governos e sociedades enfrentam novos desafios. O crime organizado, que tem entre suas bases de sustentação o tráfico de drogas, parece ter ganhado força, criou novas rotas, ameaça a segurança e continua provocando mortes e instabilidade nas regiões onde atua.

As substâncias psicoativas são cada vez mais diversificadas e com efeitos mais potentes. Ao longo dos anos, a forma de consumo de drogas ilícitas também mudou o que requer uma resposta diferenciada. As políticas de repressão ao usuário, por meio do encarceramento, por sua vez, há muito se mostraram ineficazes no tratamento do usuário problemático.

Diante desse cenário, é recorrente o surgimento de propostas simplistas de legalização das drogas como forma de acabar com o crime organizado associado ao tráfico e suas consequências. É fato conhecido que parte considerável dos recursos do crime tem relação direta ou indireta com as drogas ilegais. Afinal, para se sustentar, o crime organizado sempre irá procurar as oportunidades mais rentáveis, independentemente de sua categoria no código penal. Sequestros, tráfico de armas e de pessoas, jogo ilícito, falsificação de medicamentos, contrabando, pedofilia, extorsão, lavagem de dinheiro - todos esses delitos financiam o crime organizado, que também engloba o comércio de drogas, mas que não pode ser colocado como consequência deste.

A discussão sobre as políticas públicas sobre drogas é tão complexa que não pode se limitar à polarização entre legalização ou proibição. Países como Argentina, Brasil, México e alguns estados dos Estados Unidos, têm feito ajustes na legislação sobre drogas para evitar que usuários sejam encaminhados à prisão. Não buscam a legalização de substâncias ilícitas.

No cenário internacional, as convenções das Nações Unidas sobre drogas são claras em listar as substâncias consideradas ilegais pelos países-membros, mas não definem de que forma os países devem diferenciar usuários de traficantes. Isso porque as legislações nacionais são assuntos de decisão soberana.

Além disso, a descriminalização ou despenalização do uso de drogas estão em sintonia com recomendações das Nações Unidas aos Estados-membros para que estes desenvolvam cada vez mais políticas de saúde voltadas para os usuários, tratando-os como pessoas que precisam de atenção, acesso ao atendimento e tratamento - não de punição criminal. Exemplo da importância que a atenção ao usuário vem assumindo é a adoção, em 2009, da Declaração Política e Plano de Ação sobre Cooperação Internacional para uma Estratégia Integrada e Equilibrada de Enfrentamento do Problema Mundial de Drogas. Na ocasião, os países reafirmaram o compromisso de trabalhar para alcançar a meta do acesso universal a programas abrangentes de prevenção e serviços relacionados de tratamento, atenção e apoio ao usuário de drogas.

Mas é preciso estar atento, pois o investimento na atenção ao usuário não pode ser visto como um caminho rumo à legalização das drogas. As convenções internacionais continuam considerando crime plantar, extrair, manufaturar, armazenar, transportar, distribuir, comprar e vender drogas ilegais. E há consenso entre os Estados-membros das Nações Unidas sobre a posição de manter algumas drogas ilegais.

Reduzir o debate a uma questão simplista entre legalizar ou proibir as drogas tende a tirar o foco do que realmente deve ser o principal eixo de interesse dos países que é a busca por uma abordagem equilibrada entre as ações de prevenção, incluindo o amplo acesso dos usuários aos serviços de saúde, e as ações de repressão, focadas no combate do crime organizado transnacional e dos grandes financiadores do tráfico. É preciso trabalhar de forma conjunta e simultânea no controle da demanda e da oferta de substâncias ilícitas.

Redução da demanda

Do lado da demanda é preciso focar na prevenção e atenção ao usuário problemático de drogas. Os estados devem investir mais prevenção por meio da conscientização dos cidadãos sobre as conseqüências nocivas do uso de drogas à saúde. Os países não podem continuar deixando que drogas como a cocaína e seus derivados, cujos efeitos se mostram devastadoras, entrem na vida de jovens que muitas vezes desconhecem os riscos que correm ao consumir a droga ou de se envolver nos esquemas do tráfico. A falta de informação qualificada também coloca o usuário numa situação de maior vulnerabilidade em relação a infecções como o HIV, as hepatites e a tuberculose, além dos riscos associados a uma overdose. O debate sobre as formas e áreas de prevenção é, de fato, urgente. A temática deve ser abordada de forma abrangente nas escolas, junto às famílias e às comunidades por meio de campanhas educativas e informativas sobre o uso de drogas, sobre a responsabilidade que cada um tem diante do problema, sobre os perigos que o tráfico representa, sobre a violência associada ao tráfico e sua associação ao crime organizado.

Os Países Baixos, por exemplo, onde o consumo de cannabis e haxixe é permitido em determinados estabelecimentos privados, são também o país da União Européia que mais investe na prevenção integral junto aos jovens - há anos, uma das principais preocupações e destino de recursos por parte do governo neerlandês.

A prevenção também deve ser abordada junto aos usuários de drogas, sejam eles eventuais ou problemáticos, como uma forma de reduzir os riscos que o uso de drogas acarreta. Os governos precisam investir na promoção do acesso universal às ações de prevenção e atenção aos usuários, sempre dentro de uma perspectiva de respeito aos direitos humanos e de cidadania.

Deslocar o foco da justiça criminal para a saúde pública requer o fortalecimento de ações integradas de informação e de redes de atenção. Antes de debater a legalização do consumo de qualquer droga é imprescindível discutir políticas públicas capazes de prevenir o uso de drogas e de atender aos usuários problemáticos. Existe uma demanda da sociedade por ações de prevenção, atenção e tratamento que excede, em muito, a oferta de governos e a sociedade civil. A falta de políticas integradas de informação, prevenção e atenção agrava os problemas de dependência.

Redução da oferta

Por outro lado também é preciso trabalhar o controle da oferta de drogas ilícitas. Nesse sentido, o trabalho deve ser conjunto. Para isso, os recursos do sistema de justiça criminal e de segurança pública devem ser direcionados aos traficantes, organizadores e financiadores do tráfico de drogas e ao crime organizado. Os governos precisam investir numa repressão qualificada, direcionada por ações de inteligência policial, para efetivamente reduzir a oferta de drogas. Isso requer maior foco nos grupos transnacionais, sustentadores dos pequenos traficantes que vendem drogas no varejo. Também requer que o crime organizado e a corrupção associada a ele não sejam enfrentados de maneira isolada, mas por meio da cooperação internacional entre as autoridades competentes.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, assinada por 157 países, estabelece, por exemplo, as bases globais para a extradição e a assistência legal mútua, mas para que os instrumentos da convenção sejam eficazes é preciso que os países se empenhem na sua aplicação. Para problemas comuns, a responsabilidade e as soluções devem ser compartilhadas.

Por fim, cabe ressaltar que a discussão sobre políticas de drogas é ampla, complexa e deve incluir todos os agentes da sociedade. Não pode apenas envolver os governos, mas deve mobilizar os mais diversos segmentos da sociedade civil. Somente com a compreensão de que a problemática das drogas é responsabilidade de toda a sociedade e de que não deve ficar limitada à discussão superficial sobre a legalização ou proibição das drogas, será possível estabelecer uma abordagem que inclua a prevenção junto aos usuários ocasionais e à população em geral, a atenção aos usuários problemáticos e o combate qualificado ao crime organizado. Só assim, o debate sobre as políticas públicas sobre drogas poderá culminar num processo que efetivamente resulte em benefícios concretos para todos.

Bo Mathiasen, dinamarquês, Representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul.

25-10-2010