Este módulo é um recurso para professores 

 

As reformas governativas e a anticorrupção

 

Em geral, a boa-governança é um ideal difícil de se alcançar na sua plenitude. A mesma envolve a mobilização de pessoas bem-intencionadas que acarretam as suas ideias, experiências e preferências para a mesa da decisão política. Ela requer uma liderança ética e eficaz (para uma discussão mais aprofundada sobre este tópico, vide o Módulo 4 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J»), sobre Integridade e Ética).

De acordo com Johnston (2002), uma governança reforçada depende do fortalecimento da participação e das instituições – o que inclui uma estratégia integrada e a longo-prazo, construída com base na cooperação entre o governo e os cidadãos. Quando o governo presta contas e atua de maneira transparente, opera de forma íntegra e respeita o primado do Direito, faz aumentar a confiança do público, a sua eficácia e legitimidade. Esta pode, por sua vez, estimular as condições para uma democracia participativa centrada em cidadãos comprometidos com a mesma.

Além disso, os debates que estão a decorrer em torno do significado de “boa-governança” e as suas ligações à qualidade da democracia, à formulação competente de políticas, e à anticorrupção, têm de ser desenvolvidos à luz dos novos conhecimentos tecnocráticos e exigências de procedimentos de definição de políticas mais inclusivos e deliberativos, incluindo os esforços anticorrupção (Grindle, 2017; Rose-Ackerman, 2016).

A questão da boa-governança consoante as diferentes estruturas constitucionais, faz emergir debates em torno da relação entre a boa-governança e a democracia. Apesar das suas imperfeições, a democracia liberal, enquanto forma de organização do Estado, possui caraterísticas que são naturalmente mais favoráveis à boa governança, porque envolvem o empoderamento das pessoas para o exercício e proteção dos seus direitos, nomeadamente através dos seus representantes. Além disso, a democracia também exige a implementação de sistemas de pesos e contrapesos, bem como cidadãos bem formados e informados. No entanto, a democracia formal, no sentido da existência de eleições disputadas por vários candidatos e com alteração no que respeita aos titulares do poder, não é uma condição necessária para a boa-governança. A democracia ajuda a encorajar a boa-governança, mas é possível que a definição de políticas seja feita de forma transparente e responsável sem que exista uma qualquer democracia eleitoral. Portanto, o maior desafio para as reformas de governança é o de equilibrar a competência e a participação pública, na produção de políticas públicas destinadas a resolver problemas sociais e que sejam aceites como legítimas pelos cidadãos (Rose-Ackerman, 2016).

Geralmente, as reformas de governo devem concentrar-se no melhoramento da relação entre os funcionários públicos, os indivíduos e as empresas (Rose- Ackerman, 2016). O desafio é criar estruturas de integridade na atividade governamental (e do setor privado), com sistemas, regras e normas que promovam a prestação de contas e a eficácia (no sentido de se fazer o melhor uso possível dos recursos sociais). Para uma discussão sobre gestão íntegra e ética no setor público, vide o Módulo 13 e, no setor privado, o Módulo 11 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J»), sobre Integridade e Ética. A complexidade envolvida no processo de mitigação do comportamento pouco ético também é explorada nos Módulos 6, 7 e 8 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J»), sobre Integridade e Ética.

Apesar disso, não há fórmulas mágicas. Alguns esforços têm sido eficazes, enquanto outros contribuíram pouco, resultaram no desperdício de recursos e oportunidades ou causaram mais mal do que bem. Os especialistas no desenvolvimento (consultores, líderes de organizações não governamentais e membros do governo) fornecem longas listas de “tarefas que devem ser realizadas” para se alcançar a boa-governança, mas com escassas indicações sobre o que deve ser priorizado (Grindle, 2017). Johnston (2002) discute nove desafios fundamentais que devem ser antecipados e que devem ser evitados, de forma a aumentar a qualidade da boa-governança e reduzir a corrupção. Segue-se um resumo do seu trabalho:

Evitar a legislação e regulação excessivas

Para melhorar as políticas e implementá-las é tentador confiar demasiado em leis e métodos de formulação de políticas “do topo para a base” (top-down). A inflexibilidade que daí resulta provoca o desperdício de recursos e oportunidades, produz políticas que não conseguem responder às realidades sociais e degradam a credibilidade dos esforços de boa-governança, e podem aumentar os incentivos à corrupção. Assim, é necessário que sejam criadas políticas que aumentem o espaço para o debate e a consulta, encorajem a inovação, e persigam os resultados desejados com incentivos positivos e não através de meras proibições.

Lembrar que a política é apenas uma parte da governança

Muitos indivíduos veem a governança como um conjunto de tarefas administrativas de cariz técnico, e a participação pública como um exercício pro forma ou um processo que deve ser dirigido desde cima através de campanhas públicas em massa, de grande importância, mas de pouca durabilidade. Em qualquer um destes cenários de participação pública, os cidadãos não têm grandes oportunidades e incentivos para participar a longo prazo ou para relacionar as promessas governamentais com os problemas das suas próprias comunidades.

Construir uma estrutura de apoio ampla para a reforma e prestar atenção aos problemas e controvérsias

As reformas na governança requerem uma liderança duradoura e um compromisso desde o topo. Apesar de levarem o seu tempo, exigirem esforços e recursos, e envolverem a partilha do mérito pelas melhorias governamentais, é sempre melhor entrar em contacto com as comunidades, aprender com as suas preocupações, e construir uma base ampla de apoio.

Prestar muita atenção aos incentivos

As reformas na governança tendem a dar especial ênfase aos bens públicos, como a eficácia, a honestidade, a empatia cultural, e outros, ou mesmo à exclusão de benefícios privados. Outros tipos de vantagens - tais como o facto de uma melhor governança conduzir à diminuição dos impostos, tornar mais fácil a procura de emprego numa economia revitalizada, ou favorecer a proteção da família e da propriedade – tendem a ser pouco consideradas, mesmo quando o objetivo é conseguir a participação e o apoio da sociedade civil. Têm de realizar-se muitos esforços no sentido de se persuadir os cidadãos, os funcionários públicos e os líderes políticos de que os mesmos serão beneficiados com a reforma.

A opinião pública é importante

Mesmo nas democracias emergentes, os responsáveis pelas reformas ignoram a opinião pública, em seu prejuízo. São essenciais os inquéritos e as reuniões comunitárias para identificar a opinião das pessoas sobre o estado governativo e as expetativas de reforma. O mesmo se pode dizer dos esforços contínuos para a educação dos cidadãos acerca dos problemas essenciais, da justificação das mudanças propostas, dos custos da boa-governança, bem como dos resultados reais.

O reforço do sistema de pesos e contrapesos

Não obstante a coordenação entre segmentos do governo seja essencial, ela constitui apenas uma parte do quadro geral. O governo deve ainda ser capaz de avaliar os seus próprios excessos. O sistema judicial é essencial para interpretar e executar novas leis e normas jurídicas, mas se não for independente do atual governo ele será ineficaz (alguns dos recursos sobre a independência e integridade judiciais estão disponíveis no website da Rede Global da Integridade Judicial (Global Judicial Integrity Network) da UNODC). A corrupção pode ser reduzida, se as estruturas de governança forem aplicadas, tais como a implementação de regras e critérios relativos à contratação, admissão, demissão ou promoção, ou de leis que autorizam a recolha e acesso à informação, em conformidade com os princípios da governança. De forma semelhante, as entidades executivas requerem supervisão e o escrutínio legislativo, bem como as entidades credíveis de fiscalização externa podem melhorar a implementação efetiva de políticas e detetar abusos. Um sistema que acolha a figura do provedor de justiça ao qual os cidadãos podem submeter as suas queixas pode ser igualmente favorável, mas os cidadãos devem ser capazes de confiar que não irão deparar-se, em consequência, com retaliações ou intimidações, que as suas queixas e denúncias serão levadas a sério e que a informação que fornecem é mantida confidencial.

Nunca subestimar a oposição à reforma

O governo ou segmentos do público podem resistir a reformas sérias. Os direitos e interesses adquiridos, aos níveis governamental e social, muito provavelmente irão fazer com que persistam problemas de transparência e de prestação de contas. Os reformadores devem estar conscientes da forma como, por vezes, aqueles que resistem a melhorias na transparência e na prestação de contas (v.g. o preenchimento de relatórios, a produção de dados, a realização de revisões ou avaliações) disfarçam, em vez de tornar evidentes ou mesmo de resolver, os problemas de governança. A monitorização externa, realizada por auditores, órgãos de controlo parlamentar e órgãos de investigação criminal, é, por esse facto, essencial.

Não se focar unicamente em Estados-Nação

As sociedades e os governos vizinhos podem deparar-se com os mesmos problemas e limitações e encontrar formas de adaptar o Estado de Direito, a prestação de contas e os mecanismos promotores de transparência a novas situações complexas. A partilha de ideias, experiências e recursos, a coordenação das funções do Estado de Direito à escala regional, bem como a avaliação por pares dos procedimentos de governança, podem ajudar e contribuir para a prossecução de reformas apropriadas às realidades sociais e podem garantir um melhor uso de recursos que são limitados.

Focar-se no longo prazo

Muitas vezes, as reformas na governança têm uma vida curta, em particular, após crises ou escândalos de corrupção. As reformas de governança, com respeito pelo Estado de Direito e pelas suas fundações sociais, levam, pelo menos, uma geração para serem alcançadas, não apenas meses ou anos. Este é, igualmente, o caso da transparência e da prestação de contas, no sentido de as “culturas” dos organismos, da elite política e dos serviços possíveis terem de ser alteradas. O progresso poderá ser mais rápido em áreas em que os indivíduos possam ser substituídos e os sistemas de incentivos de instituições revistos. Os burocratas precisarão de treino periódico, os membros eleitos de serem informados de forma constante sobre os vários problemas de governança (e de incentivos contínuos para os resolverem) e o apoio dos cidadãos será crucial a longo-prazo. A educação pública será sempre essencial, em todos os esforços para aprofundar o Estado de Direito, melhorar a transparência e a prestação de contas.

A boa-governança exige a adoção de uma abordagem multifacetada, com vários sistemas de controlo mútuo que podem ser alcançados por via da separação de poderes de diferentes órgãos, através da sociedade civil e do envolvimento dos meios de comunicação social, bem como por via da colaboração ou celebração de pactos com o setor empresarial.

A variedade de políticas e ferramentas que podem aumentar a governança são também discutidas em outros Módulos da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J»), sobre Anticorrupção, como o Módulo 6 (deteção e investigação da corrupção), Módulo 10 (participação dos cidadãos no combate à corrupção), Módulo 12 (sistemas internacionais de combate à corrupção), e o Módulo 13 (sistemas nacionais de combate à corrupção).

 
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