Este módulo é um recurso para professores  

 

Conceder uma imunidade da acusação penal

 

Colaboradores com a justiça ou testemunhas cooperantes nos processos de criminalidade organizada estão, na maioria das vezes, relutantes em prestar o seu depoimento. Tal relutância pode dever-se ao facto de terem receio de se envolverem, ou não se quererem incriminar a si próprios. A Convenção contra a Criminalidade Organizada estabelece que os Estados partes poderão “considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção. (artigo 26.º, n.º 3). (UNODC, 2012)

O escopo de garantir imunidade à testemunha da acusação penal em troca do seu depoimento, visa tornar mais fácil deduzir acusação contra os criminosos de estatuto mais elevado através do depoimento de figuras menos proeminentes. O balanço legal é similar ao da redução da pena: o que significa uma adaptação apropriada de eximir um criminoso de uma infração, em troca de informação necessária para acusar um agente mais importante ou mais central?

Quando se considera a questão da imunidade da acusação penal, o escopo da sua aplicação é um problema central. Em muitos países em que a imunidade é concedida, esta imunidade está condicionada ou limitada em certa medida. (UNODC; 2008) Por exemplo, pode estabelecer-se a condição de que a cooperação prestada reflita opiniões honestamente defendidas (mesmo que a informação acabe por se revelar incorreta), ou a condição de uma ligação entre o crime para o qual é concedida a imunidade e o crime pelo qual o depoimento do suspeito vai versar. As condições para garantir a imunidade podem depender do valor das provas obtidas através do suspeito e do seu efetivo impacto. O efetivo impacto pode incluir e.g., parar ou prevenir a consumação de um crime. Em muitos casos, a imunidade é transacionada, o que significa que a benevolência na sentença é concedida se o depoimento testemunhal prestado for verdadeiro e completo.

A imunidade da testemunha tem sido criticada devido à potencial má utilização pelos procuradores. Por exemplo, a imunidade pode ser concedida a testemunhas como mera forma de um “expediente de procura” para obter informações sem que haja uma ideia clara sobre indivíduos específicos, ou factos criminosos suspeitos efetivos. Um excesso de zelo do procurador, pode conduzir a uma imprópria utilização do depoimento incriminatório num processo subsequente (e implicar a anterior testemunha a quem foi concedida a imunidade) sem qualquer supervisão sistemática das suas ações. (Sheptycki, 2017; Woislaw, 2015-16).

A imunidade das testemunhas suscita outros problemas. Em alguns países, a imunidade não concede proteção dos pedidos de indemnização civil deduzidos contra as testemunhas que acabaram por se autoincriminar. Por isso, a pessoa pode ser responsabilizada pelos danos causados, sendo devida uma indemnização aos/ às lesados/ as, ainda que nenhuma responsabilidade penal possa resultar do seu depoimento. Também se pode discutir que o recurso ao depoimento é o resultado de incentivos, como a imunidade, o que é questionável. Estes depoimentos podem ser encarados como uma forma de coação ou contaminados, tornando-os menos verosímeis perante os juízes ou jurados no julgamento. Para além disso, este tipo de depoimento pode possivelmente conduzir a condenações erróneas de arguidos acusados indevidamente, quando os procuradores, juízes, ou os jurados aceitem como verosímil o depoimento falso ou incorreto da testemunha a quem foi concedida imunidade.

A imunidade concedida a testemunhas também tem vantagens para o sistema de justiça penal. Para as infrações características da criminalidade organizada transnacional, há frequentemente poucas alternativas para obter provas da criminalidade organizada de testemunhas relutantes.

Existem, em muitas jurisdições, salvaguardas processuais para assegurar que os depoimentos testemunhais não têm um propósito de interesse exclusivo para a própria testemunha, nem são falsos. Por exemplo, o contrainterrogatório de testemunhas durante o julgamento, e a necessidade de corroboração de certos tipos de provas, serve como verificação da sua exatidão. Outra salvaguarda reside na necessidade, para garantir a imunidade, ter que ser demonstrada pela acusação na maioria das jurisdições, indicando que o depoimento é necessário ao interesse público, e que a informação não pode ser obtida de forma voluntária, ou de qualquer outra forma. (Flanagan, 1980-81; Sheptycki, 2017; Trott, 2017) Para além disso, no caso de se concluir que a testemunha está a mentir, esta pode ser acusada de perjúrio (i.e. mentir sob juramento num processo oficial).

A imunidade concedida a testemunhas é concebida para balancear o interesse público na acusação de figuras de elevado escalão da criminalidade, com os interesses das testemunhas. Os limites à utilização da imunidade concedida a testemunhas são concebidas para atingir esse balanço.

 
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