Este módulo é um recurso para professores  

 

Combater a corrupção no setor da educação

 

A importância de combater a corrupção no setor da educação

Apesar de a corrupção em geral ter recebido grande atenção por parte dos meios de comunicação e de investigadores nas últimas décadas, a corrupção no setor da educação tem sido parcamente estudada. Tal está, porém, a começar a mudar graças ao número crescente de estudos que se concentram nesta temática (vide, por exemplo, Huss e Keudel, 2020). Os executivos no setor da educação podem ter evitado o escrutínio por medo de que uma reputação manchada pudesse significar a redução dos recursos no setor (Poisson, 2010, p. 1). No entanto, dados os efeitos prejudiciais da corrupção, é de extrema importância reconhecer e combater a corrupção no setor da educação. Abaixo são apresentados vários argumentos fundamentais para a defesa do combate à corrupção no setor da educação. Tais argumentos são universais e relevantes nos contextos educacionais quer dos países mais desenvolvidos, quer menos desenvolvidos. 

Primeiro, o setor da educação molda os indivíduos desde as fases mais precoces da vida até à idade adulta, com efeitos que se fazem sentir a nível pessoal, em termos de conquistas de vida, saúde, vida familiar e bem-estar subjetivo, mas também a nível societário, em termos de conjunto de competências de que um país necessita com vista ao crescimento económico, à distribuição de capital e à mobilidade intergeracional (Burgess, 2016). A corrupção anula todos os ganhos da educação nestes dois níveis e origina perdas quando as competências e os empregos não coincidem.

Segundo, a corrupção no setor da educação direciona-se particularmente aos indivíduos mais vulneráveis. Os estudantes, bem como os pais que pretendem o melhor para os seus filhos, veem as suas ambições frustradas. Tal pode, por exemplo, conduzir a que os pais estejam dispostos a pagar um suborno exigido pelo administrador de uma escola para garantir aos filhos uma vaga na mesma ou a pagar um suborno exigido por um professor para assegurar um registo escolar favorável ao seu educando. Outro exemplo é a exploração sexual de estudantes por parte de docentes em situações em que os estudantes ou os pais são demasiado pobres para pagar de forma convencional. O pagamento por via de favores sexuais e outros atos de corrupção no contexto educacional é fortemente preocupante do ponto de vista ético, pois perverte a relação entre educadores e educandos confiados ao seu cuidado (Poisson, 2010). 

Terceiro, a corrupção no setor da educação substitui bons valores e princípios por uma visão cínica do mundo em que os estudantes e jovens facilmente impressionáveis aprendem que lutar contra a corrupção não compensa – mas alinhar com a mesma talvez compense. A corrupção tem “consequências desastrosas” quando interfere com o “desenvolvimento de atitudes e valores relacionados com a cidadania e a justiça” (Poisson, 2010, p. 11). Se os cidadãos jovens não acreditam que o sistema de educação é justo e imparcial, então quando ocupem posições enquanto adultos, seja no domínio empresarial, da ciência ou da política, acreditam que as mesmas foram obtidas por privilégio e não propriamente pelo mérito. Tal corrói a credibilidade das e a confiança nas instituições de educação, cria frustração e desinteresse, prejudica as aspirações e a coesão social necessária para todas as sociedades bem sucedidas (Altbach, 2015; Heyneman, 2004, p. 638).

Quarto, a educação é a chave para o desenvolvimento sustentável, como reconhecido pelo ODS 4 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao minar a qualidade da educação e o acesso à mesma, a corrupção prejudica gravemente a prossecução dos vários ODS.

Quinto, uma educação de elevada qualidade e acessível capacita as sociedades e os indivíduos e é um dos meios mais eficazes de avançar em direção a uma sociedade produtiva e moral. A corrupção nega tudo isso.

Detetar a corrupção no setor da educação

Antes de combater a corrupção, é necessário que sejamos capazes de a detetar e denunciar. Uma discussão genérica em torno da deteção da corrupção está disponível no Módulo 6 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção. Várias ferramentas disponíveis para prevenir e detetar a corrupção foram adaptadas ao setor da educação: as auditorias físicas dos processos educativos, inquéritos de rastreamento da despesa pública e estudos comparativos entre o desempenho relatado e real. As mesmas são discutidas abaixo:

  • Auditorias físicas dos processos educativos. Tal envolve fiscalizações regulares dos estabelecimento de ensino para verificar se os administradores e docentes estão a cumprir as suas funções. Tal abordagem foi, por exemplo, utilizadas para avaliar e reduzir o absentismo dos docentes na Índia, numa altura em que o incumprimento de funções por parte dos agentes educativos se descontrolou (Duflo, Hanna e Ryan, 2012).
  • Inquéritos de rastreamento da despesa pública (PETS): Estes inquéritos foram originalmente desenvolvidos em países em desenvolvimento em que os dados financeiros das instituições públicas não eram registados de forma sistemática, nem confiável. Tais inquéritos são utilizados para a recolha de dados detalhados junto de diferentes setores governamentais e prestadores de serviços sobre transferências financeiras e mecanismos de prestação de contas. Estes inquéritos permitem o rastreamento de movimentos financeiros desde a fonte até aos seus beneficiários. Assim, torna-se possível identificar em que fase os desvios ocorrem (ao detetarem-se assimetrias informacionais) e clarificar quaisquer mal entendidos entre as instituições que operam tais transferências. Os PETS têm sido utilizados particularmente nos setores da saúde e da educação, mas são também aplicáveis a outros serviços. O primeiro país a adotar os PETS foi o Uganda em 1996 (um caso estudado cuidadosamente por Reinikka e Svensson, 2004), seguido de outros países como a Tanzânia, República do Gana e Honduras.
  • Medidas indiretas baseadas nas diferenças entre o desempenho relatado e o desempenho real (verificação cruzada). Tal inclui métodos inovadores para avaliar os resultados educacionais reais e confrontá-los com os resultados relatados. Por exemplo, Lucifora e Tonello (2014) compararam resultados de exames nacionais em escolas italianas e diferentes turmas em dois contextos: num caso, o exame foi vigiado por um inspetor externo, não existindo oportunidades para a prática de atos de corrupção; no outro, o exame foi vigiado por um professor. Borcan, Lindahl e Mitrut (2017) compararam os resultados dos exames nacionais nas escolas romenas com vigilância CCTV (televisão em circuito fechado) e aqueles que foram realizados sem videovigilância, descobrindo uma lacuna de cerca de 20 pontos percentuais entre as taxas de aprovação declaradas e as reais.

Esta lista de ferramentas não é, de modo algum, taxativa. Inquéritos com questões sobre experiências e denúncias de corrupção são também comummente utilizadas.

Estratégias anticorrupção no setor da educação

A escolha da mais apropriada estratégia de combate à corrupção e a sua melhor aplicação num determinado contexto é uma questão complexa, desde logo porque tal depende do funcionamento do sistema jurídico e do quão arraigadas as normas de corrupção estão. Além disso, há que ter em conta potenciais efeitos adversos indesejados. No seu relatório de 2011 sobre corrupção no setor da educação, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) verificou que são quatro as principais categorias de ferramentas para combater a corrupção:

1) Estado de Direito (controlo e sanção)

2) Administração Pública e sistemas (prevenção da corrupção)

3) Transparência e prestação de contas (titulares de direitos e deveres, atores não-estaduais, informação, consciencialização)

4) Desenvolvimento de competências (criação de competências individuais, organizacionais e institucionais)

Aplicando esta construção ao setor da educação, Poisson (2010) identificou cinco fatores necessários para prevenir a corrupção, alguns dos quais coincidem com as sugestões do PNUD:

1) Transparência de standards e procedimentos;

2) Capacitação e automação de gestão;

3) Terceirização de processos de gestão e verificação;

4) Código de conduta para os educadores;

5) Acesso à informação. 

Aos instrumentos referidos acima, Heyneman (2004, p. 645) adicionou: “sanções necessárias para despromover ou punir caso as infrações tenham lugar”.

As estratégias de combate à corrupção podem ser inspiradas pelo modelo de crime Becker-Stigler (vide a secção acima sobre “Causas da corrupção no setor da educação”) e podem colocar o enfâse no aumento dos custos das violações, através da previsão de penas mais graves para educadores, funcionários e estudantes e do aumento da probabilidade de tais violações serem detetadas, por exemplo, através de uma maior transparência na contratação, despedimento, procedimentos de acreditação e protocolos de exame. Estes dois componentes são melhor aplicados em conjunto, já que faz pouca diferença que as penas sejam duras, mas nunca sejam aplicadas; ou que as violações sejam conhecidas, mas apenas brandamente punidas ou até passarem impunes. No entanto, esta equação relativamente simples omite uma parte bastante importante daquilo que conduz a um comportamento corrupto: a socialização, as normas, a influência dos demais e as crenças sobre o que os outros fariam numa situação propícia à corrupção. Estes mecanismos comportamentais têm sido parcamente estudados e devem ser examinados em todos os contextos individuais e integrados nas políticas de combate à corrupção. 

Existe um certo pessimismo em relação aos esforços anticorrupção no setor da educação (Poisson, 2010, p. 23), mas também histórias de sucesso, e – dado o novo foco na corrupção no setor da educação – as possibilidades de melhoria são cada vez maiores. Alguns exemplos de casos de sucesso são os seguintes:

  • Transparência de standards e procedimentos: A cidade de Bogotá na Colômbia publicou descrições específicas de procedimentos de contratação, nomeação e transferência de pessoal, os quais “aumentaram as matrículas escolares em mais de um terço, com apenas um número extra limitado de professores a serem contratados devido aos ganhos na eficiência alcançados” (Poisson, 2010, p. 9).
  • Monitorização combinada com incentivos e punições: Na Índia, o aumento dos salários dos professores e a monitorização da presenças nas aulas através de câmaras antifraude reduziu o absentismo dos docentes (Duflo, Hanna e Ryan, 2012). Na Roménia, uma série de câmaras CCTV foram utilizadas nos exames nacionais em 2011 juntamente com penas substancialmente mais pesadas para professores e estudantes, fazendo com que a taxa de aprovação diminuísse de 80 por cento em 2009 para 41 por cento em 2012 (Borcan, Lindahl e Mitrut, 2017).
  • Capacitação e automação de gestão: No Líbano, a automatização da administração dos exames (a qual passa a ser feita por computadores) e a utilização de meios informáticos na avaliação e seleção dos funcionários, distribuição de candidatos por salas, classificação dos testes e processamento dos resultados permitiram detetar e punir aqueles que quebravam as regras (Poisson, 2010, p. 13).
  • O direito à informação: No Uganda, os inquéritos de rastreamento da despesa pública (PETS) revelaram que cerca de 49 por cento dos fundos atribuídos a escolas primárias foram desviados (Reinikka e Svensson, 2004).

Após analisar casos que se revelaram estratégias de combate à corrupção de sucesso, Hallak e Poisson (2007, p. 23) notaram que “nenhuma medida tomada isoladamente pode combater a corrupção de forma eficaz”. Poission (2010) destaca três medidas que são particularmente promissoras: 1) desenvolvimento de sistemas regulatórios e standards transparentes; 2) criação de capacidade de gestão; 3) promoção da participação nos vários processos pela comunidade em geral.

Qualquer estratégia anticorrupção sólida no setor da educação e mais além deve ter em conta os potenciais efeitos colaterais indesejados e deve ser complementadas com medidas que mitiguem tais efeitos. Por exemplo, quando as câmaras CCTV foram introduzidas nas salas de exame romenas, o desempenho dos estudantes financeiramente mais carentes diminui mais do que o dos estudantes mais ricos, em parte porque a fraude realizada na sala de aula foi substituída por subornos pelos estudantes que os podiam pagar. Fisman and Golden (2017) recomendam que os decisores desenhem as políticas com os seus destinatários em mente: “quando instalar CCTVs para prevenir os estudantes de cometer fraude em exames, pense como um estudante desesperado que não se preocupou em fazer os seus trabalhos de casa durante todo o ano”. Para uma discussão mais geral sobre estratégias anticorrupção nos setores público e privado, vide os Módulos 4, 5 e 13 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

 
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