Este módulo é um recurso para professores 

 

Quanta criminalidade organizada existe?

 

A verdadeira extensão da criminalidade organizada é desconhecida. Os crimes característicos da criminalidade organizada, como a conspiração, associação criminosa, negócios de extorsão continuada e extorsão, não são contabilizados de qualquer forma sistemática. Outros crimes que envolvem o fornecimento de bens e serviços ilícitos são normalmente revelados quando há detenções, ou em acusações criminais.

O problema para mensurar a criminalidade organizada torna-se difícil por quatro fatores interrelacionados: os esforços para manter ocultos os perpetradores, a falta de denúncia pelas vítimas, a extensão do envolvimento da criminalidade organizada num evento em particular, e os múltiplos elementos do fenómeno.

  1. Encobrimento: a criminalidade organizada é mais camuflada do que outros tipos de crime, porque são encetados esforços especiais para prevenir que se torne conhecida. Por exemplo, um grupo criminoso organizado que forneça bens ilícitos – como a manufatura ou produção ilícita de estupefacientes, produtos médicos falsificados ou bens contrafeitos -, ou serviços – como o tráfico ilícito de migrantes – também enceta esforços para proteger a sua atividade criminosa em laboração, através da corrupção, branqueamento de capitais e obstrução à justiça. Por isso, aqueles que estejam envolvidos na criminalidade organizada não só cometem crimes, mas também fazem esforços continuados para os ocultar de serem descobertos.
  2. Denúncia das vítimas: a natureza da criminalidade organizada, reduz a probabilidade de as vítimas denunciarem esses crimes às autoridades competentes. Em alguns dos casos, os clientes dos produtos e serviços prestados pelos grupos criminosos organizados, são participantes entusiastas, o que conduz a que a denúncia dos crimes implique a sua própria incriminação. Um crime em que todas as partes envolvidas prestam o seu consentimento para a ação ilegal – os denominados crimes sem vítima – apresenta um padrão distinto de comportamento desviante, e torna particularmente desafiante a identificação das vítimas diretas. Por exemplo, considerar que os consumidores e beneficiários dos produtos e serviços ilícitos, nos casos de tráfico de estupefacientes, contrafação de bens  e o tráfico ilícito de migrantes. Em todos estes exemplos, todas as partes envolvidas na transação ilícita, são seus participantes entusiastas. Como resultado, a probabilidade da denúncia desses crimes cometidos por grupos criminosos organizados, é diminuta quando comparada com outros crimes, como assaltos e roubos, em que as vítimas e os agentes são mais claramente diferenciados. Para além disso, os crimes que envolvem a infiltração em governos e negócios, envolvem corrupção ou extorsão, pelo que as vítimas podem incluir a sociedade em sentido amplo, que desconhece que é vítima, ou indivíduos que são cúmplices, corruptos ou sob coação, por exemplo, por extorsão. Em qualquer uma destas situações, não é provável que o crime seja denunciado às autoridades. O número de crimes não denunciados é conhecido como “o número negro do crime”, o que coloca em dúvida a efetividade e eficiência dos dados criminosos oficiais.
  3. Dificuldade de o isolar: O conceito de criminalidade organizada é difícil de mensurar com precisão, ou isolar da criminalidade não organizada. A maioria dos governos podem simplesmente registar incidentes criminosos conhecidos. É muito difícil saber qual a proporção de detenções relativas a estupefacientes, armas de fogo ilegais ou propriedade roubada, que estão relacionadas com a atividade criminosa organizada, e quais são simplesmente os atos de indivíduos sem relação com o crime organizado. Algumas jurisdições desencadeiam esforços para mensurar a criminalidade organizada, através da contagem dos grupos criminosos organizados, ou considerando se alguns incidentes estão relacionados com a criminalidade organizada. O problema radica em estabelecer estas determinações que, frequentemente se baseiam em factos incompletos, e avaliações arbitrárias da situação ou dos suspeitos, que podem não ser conhecidos até depois do julgamento, se alguma vez forem, de facto, conhecidos.
  4. Múltiplos elementos: A criminalidade organizada apresenta-se como um fenómeno complexo, que consiste na sobreposição de múltiplos elementos, que são frequentemente mensurados em separado. Há, pelo menos, cinco componentes da criminalidade organizada. (Williams, 2001) São eles:

a) Os criminosos: os perpetradores efetivos do crime, e os seus cúmplices;

b) Os produtos: os bens ilícitos, como os produtos médicos falsificados, ou os produtos lícitos que foram roubados e/ ou contrabandeados;

c) As pessoas: aquelas que são traficadas entre países ou através de fronteiras para cumprir a procura no comércio ou trabalho global do sexo, bem como os migrantes em situação irregular, que entraram num país em violação das restrições de migração;

d) Os proveitos: os dividendos derivados da atividade ilícita; e

e) A ciberdimensão: várias formas de cibercrime, como a exploração sexual de crianças on-line, códigos maliciosos ou vírus, roubos de bancos eletrónicos.

A metodologia para mensurar a criminalidade organizada pode, portanto, mudar de acordo com o elemento específico do crime que é objeto do estudo.

Só existem três perspetivas para mensurar a criminalidade de qualquer espécie: o agente, a vítima e as autoridades governamentais (normalmente as polícias ou tribunais). No caso da criminalidade organizada, pode constatar-se que a tentativa para a mensurar, por qualquer uma das três perspetivas é difícil, porque, é pouco provável que, tanto os agentes, como as vítimas, revelem os factos, e é pouco provável que as autoridades tenham conhecimento deles.

O problema na medição direta, levou a alguns esforços para levar em conta indicadores indiretos da criminalidade organizada, como a medição da presença de grupos criminosos, baseada em relatórios policiais, homicídios não resolvidos, dados da vitimologia, dados relativos à percepção pública, e cobertura da comunicação social sobre a criminalidade organizada. Estes esforços foram esporádicos devido à falta de dados válidos e confiáveis, para fundamentar uma mensuração substancial da criminalidade organizada. Por isso, não tem havido um progresso consistente na melhoria da medição da criminalidade organizada. (Barberet, 2014; Castle, 2008; Dugato, De Simoni and Savona, 2014; Sergi, 2016).

Classificação Internacional de Crimes para Fins Estatísticos (ICCS)

Num esforço para melhorar a qualidade dos dados sobre o crime e a justiça criminal a um nível nacional, e para apoiar os esforços nacionais para monitorizar as metas relacionadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), o UNODC desenvolveu a Classificação Internacional de Crimes para Fins Estatísticos (ICCS). A ICCS corresponde a uma classificação dos tipos de crime, baseada num acordo internacional de conceitos, definições e princípios, de forma a melhorar a consistência e a comparabilidade internacional das estatísticas do crime, e melhorar as capacidades analíticas, tanto a nível nacional, como a nível internacional. Também é aplicável a todas as formas de dados criminais, independentemente do momento do processo criminal (investigação, acusação, condenação, cumprimento de pena) em que são recolhidos, bem como os dados recolhidos em análises vitimológicas dos crimes.

 
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