Este módulo é um recurso para professores 

 

Infrações ao abrigo  do Protocolo

 

A introdução clandestina de migrantes é definida no Artigo 3º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes:

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 (…) facilitar a entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não é nacional ou residente permanente com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material.

O Artigo 6º estabelece a conduta que deverá ser criminalizada segundo o Protocolo: 

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Artigo 6º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes (criminalização)

1 - Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que considere necessárias para estabelecer como infrações penais, quando praticadas intencionalmente e de forma a obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material:

a) A introdução clandestina de migrantes;

b) Os seguintes atos quando praticados com o objetivo de possibilitar a introdução clandestina de migrantes:

i) Elaborar um documento de viagem ou de identidade fraudulento;

ii) Obter, fornecer ou possuir tal documento;

c) Permitir que uma pessoa que não é nacional ou residente permanente permaneça no Estado em causa sem preencher as condições necessárias para permanecer legalmente no Estado através dos meios referidos na alínea b) do presente número ou de qualquer outro meio ilegal. (…)

4 - Nenhuma disposição do presente Protocolo impedirá um Estado Parte de tomar medidas contra uma pessoa cuja conduta constitua uma infração nos termos do seu direito interno.

O Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes criminaliza, não apenas a infração simples de introdução clandestina de migrantes - ou seja, a facilitação da entrada ilegal para um benefício financeiro ou outro benefício material, de acordo com a definição no Artigo 3º - mas também a facilitação da permanência ilegal e as infrações de fraude com vista a possibilitar a entrada e a permanência ilegal de outra pessoa num país que não seja o seu Estado de nacionalidade ou residência permanente. Daqui em diante, a expressão "crimes relacionados com o tráfico ilícito de migrantes" incluirá (i) a introdução clandestina de migrantes, (ii) facilitar a permanência ilegal, e (iii) infrações de falsificação de documentos praticadas com o fim de permitir a introdução clandestina de de migrantes e ou a sua permanência ilegal.

Cada uma das infrações listadas no Artigo 6.º requer dois elementos fundamentais. Primeiro, que a conduta seja cometida de forma intencional e, em segundo, que a infração seja cometida com o objetivo de obter um benefício financeiro ou outro benefício material. Estes elementos fundamentais são descritos abaixo.

 

Tráfico Ilícito de Migrantes

O termo “aquisição” (“procurement”  na versão original em língua inglesa do Protocolo que em língua portuguesa foi traduzido por “adquirir” ou “obter”), utilizado na definição de tráfico ilícito de migrantes não está definido no Protocolo. O termo “adquirir” significa “conseguir alguma coisa pelo esforço”,  e é sinónimo de “possuir, juntar, obter, comprar, assumir”.  De acordo com o Oxford Dictionary of English, o termo utilizado na versão original - “procurement”-,  significa "obter algo ou causar um certo resultado por esforço",  e tem uma abrangência mais alargada, podendo, , por si só, incluir uma série de ações específicas, como organizar, dirigir, facilitar, habilitar (ou seja, dar a alguém autorização ou meios para fazer algo), promover, induzir ou apoiar materialmente (o que visa dar cobertura a todas as condutas destinadas a promover, de alguma forma, a entrada ilegal de outra pessoa em um país do qual este último não é residente nacional, nem residente permanente). No entanto, as leis nacionais muitas vezes especificam o actus reus com algum detalhe e identificam um ou mais dos termos mencionados acima. "Entrada ilegal" é definida na alínea b) do Artigo 3º como a "passagem de fronteiras sem preencher as condições necessárias para a entrada legal no Estado de acolhimento". A exigência de entrada ilegal é essencial para o crime de tráfico ilícito de migrantes e inclui qualquer forma de entrada, seja esta perigosa e clandestina, ou que envolva falsificação de documentos.

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Na Bélgica, a lei antiga referia apenas "ajudar um não-nacional a entrar ou residir no território do Reino". Em 1999, o Tribunal de Recurso de Bruxelas decidiu que a presença de não nacionais na zona de trânsito do aeroporto, com a intenção de viajar para outro país, não estava incluída no significado de "ajudar um não-nacional a entrar" no Reino. Após esse julgamento, tornou-se impossível processar os traficantes de migrantes  que usavam a Bélgica simplesmente como ponto de trânsito. Uma questão semelhante voltou a surgir em 1999, quando o Tribunal de Recurso da Bélgica decidiu que o elemento material do crime de tráfico não incluía a situação em que um não nacional fosse intercetado num posto fronteiriço. O Tribunal decidiu que o crime só poderia ser cometido uma vez que a pessoa "entrasse" no Reino, o que não tinha de facto ocorrido, pois os migrantes tinham sido intercetados antes de entrar. Na sequência destas decisões, o conceito de "trânsito" foi expressamente acrescentado à definição do crime de tráfico ilícito de migrantes constante da lei belga.

Belgium, The Act of 28 November 2000 on the Penal Protection of Minors (M.B.), 17 March 2001; UNODC, Model Law against the Smuggling of Migrants

Finalmente, porque a análise deste Módulo tem por base o Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes, deve-se notar que, enquanto os Artigos 3º e 6º se referem à entrada ilegal ou à permanência em "outro Estado Parte", do ponto de vista do direito nacional, pode ser mais eficaz mencionar "qualquer outro Estado". Caso contrário, podem surgir questões (especialmente nos países de origem e de trânsito) no que diz respeito ao requisito de dupla criminalidade, muitas vezes necessário, para fundamentar os pedidos de extradição e de assistência mútua.

 

Auxílio à permanência ilegal

O auxílio à permanência ilegal pode ser levado a cabo através de diferentes meios, incluindo o recurso à falsificação de documentos (tais como autorizações de residência e certidões de casamento). As fronteiras entre a facilitação da entrada ilegal e a possibilidade de permanência ilegal podem não ser evidentes. Por exemplo, quando os traficantes de migrantes  ajudam os migrantes a obter vistos temporários válidos, e os migrantes excedem o seu período legal de permanência, o tipo de crime aplicável será o auxílio à permanência ilegal. Situações em que os traficantes de migrantes fornecem documentos autênticos (pertencentes a terceiros) a migrantes para que estes os utilizem como se fossem os seus legítimos titulares, são subsumidas ao tipo de crime de auxílio à entrada ilegal (através do abuso de meios legais). No entanto, a classificação do tipo de crime dependerá, em última análise, das especificidades da respetiva legislação nacional. A principal preocupação é que a legislação nacional não tenha lacunas que possam ser utilizadas em benefício dos traficantes de migrantes .

 

Falsificação de documentos

Nos termos do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes (Artigo 3º), são considerados documentos falsos a documentação de viagem e de identidade que tenham sido:

  • Falsificados ou indevidamente alterados por alguém que não seja a entidade ou a pessoa legalmente autorizada para esse efeito;
  • Indevidamente emitidos ou obtidos por meio de deturpação, corrupção ou coação ou de qualquer outra forma ilícita (por exemplo, documentos obtidos após casamentos falsos, adoções falsas ou pedido enganoso de reunificação familiar);
  • ou usado por uma pessoa que não seja o legítimo titular.

Dado que muitas operações de tráfico são realizadas com base ou com a assistência de documentos de trabalho falsos (por exemplo, autorizações de trabalho, ofertas de contrato ou atestados médicos), pode ser apropriado incluir também estes tipos de documentos nas definições jurídicas nacionais.

Figura 1: Crime de falsificação de documentos

 

A Figura 1 destaca os atos no cerne das infrações de fraude de documentos: elaboração, entrega, aquisição ou posse de um documento falso com a finalidade de obter a entrada ilegal ou a permanência ilegal de uma pessoa em um país do qual essa pessoa não é nacional, nem é legalmente residente permanente.

O termo "elaboração" inclui a alteração de informações em um documento verdadeiro. Uma ampla/extensa transposição da alínea b) do n.º 1 do Artigo 6º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes deve ser adotada para abranger os atos de "oferta e distribuição"; tais atos são essenciais para os processos de entrada ilegal de migrantes, com recurso à falsificação de documentos. Note-se que, de acordo com o Artigo 5º (ver infra), a definição não inclui a "aquisição" de documentos falsos para obter a própria entrada ou permanência ilegal.

O crime de falsificação de documentos abrange um conjunto alargado de situações, tais como:

  • Uma pessoa usa documentos verdadeiros de outra pessoa sem fazer quaisquer alterações a esses documentos. No contexto da entrada ilegal de migrantes, isso ocorre em relação ao chamado modus operandi "look alike", no qual o portador dos documentos falsos se assemelha fisicamente ao proprietário dos documentos;
  • Dados (por exemplo, nomes e fotografias) em documentos verdadeiros que foram alterados ilegalmente;
  • Documentos totalmente falsificados;
  • Documentos verdadeiros, obtidos de forma fraudulenta (por exemplo, informações incorretas que são fornecidas no formulário de inscrição ou outros documentos falsos utilizados para obter o documento em questão).
 
Seguinte: Benefício financeiro ou outro benefício material
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