Este módulo é um recurso para professores 

 

Assistência e Proteção no Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes

 

Como já foi explicado no Módulo 1, embora um dos objetivos do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes seja proteger os migrantes introduzidos ilegalmente, o Protocolo não é um instrumento de Direitos Humanos. Ele estabelece, contudo, algumas obrigações para os Estados Partes relativos à prestação de assistência e proteção dos migrantes introduzidos ilegalmente.

O artigo 16(1) do Protocolo exige que os Estados adotem todas as medidas apropriadas, conforme as suas obrigações internacionais, de proteção do direito à vida dos migrantes introduzidos ilegalmente, assim como do seu direito a não serem sujeitos a tortura ou a outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos e degradantes, e de todos os seus outros direitos.

 

Proteção contra a Violência

O Artigo 16(2) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes cria aos Estados uma obrigação de tomar as medidas necessárias para oferecer aos migrantes a proteção apropriada contra a violência que lhes pode ser infligida por indivíduos ou grupos, pela razão de terem sido traficados. O conteúdo preciso destas medidas não está definido e vai depender das circunstâncias específicas de cada caso e da violência a que os migrantes poderão estar sujeitos, dos indivíduos que podem ser afetados, assim como de quaisquer necessidades especiais dos próprios migrantes. 

Os programas de prevenção poderão ser uma ferramenta útil e um bom exemplo de ação proativa por parte dos Estados. Os Estados de origem poderão lançar ou apoiar programas de assistência aos seus nacionais no estrangeiro, através das suas embaixadas. Noutras situações, pode ser necessária a proteção física pelas autoridades policiais. A segurança dos locais onde os migrantes estão acomodados deve ser garantida desde a sua chegada, e devem ser estabelecidos canais seguros para indicações e reclamações aquando da ocorrência de atos de violência. Do mesmo modo, medidas concretas podem ser necessárias para remover as barreiras de acesso à proteção (por exemplo, leis e procedimentos que restringem as pessoas sem documentos de identificação de acederem a abrigos seguros).

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Lacuna na Proteção: violência contra os migrantes

As equipas ouviram relatos de casos de uso desproporcional de força durante a recolha de impressões digitais ou de retornos forçados, bem como de abuso verbal por funcionários contra migrantes, incluindo crianças. Particularmente preocupante foi a situação [de um país], onde numerosos migrantes foram alvos de violência física, como espancamentos e pontapés; roubo pela polícia e outros agentes do Estado; e abuso pelos vigilantes. As equipas também ouviram relatos de ataques àqueles que defendem os direitos humanos dos migrantes. No momento das visitas, as equipas observaram também que as violações e abusos raramente haviam levado a investigações ou acusações conclusivas. Isto ocorreu em parte devido à falta de canais de denúncia seguros, por exemplo, “firewalls“ -separação entre as atividades de controlo migratório feitos pelas autoridades policiais e a prestação de serviços públicos-, que garantam que os órgãos criminais não sejam obrigados a denunciar os migrantes em situação irregular às autoridades de controlo das fronteiras. [Simultaneamente], verificou-se o arquivamento de processos pelas mais variadas razões.

Por exemplo, no caso mais proeminente de [um país], no qual um cidadão Afegão foi morto depois das autoridades policiais terem aberto fogo com munições reais contra um grupo de migrantes. A equipa foi informada que nenhuma medida disciplinar foi aplicada a um polícia, inter alia como resultado das conclusões forenses que a bala em questão tinha ricocheteado numa ponte.

OHCHR, Em busca da dignidade - Relatório sobre os direitos humanos dos migrantes nas fronteiras da Europa (2017)
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Boas práticas

O Grupo de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (LGBTI) "Fliederlich" na Alemanha abriu o primeiro abrigo para refugiados e migrantes LGBTI em Nuremberga, a pedido de várias pessoas que se sentiam ameaçadas nos abrigos onde estavam acomodadas. Havia também planos para abrir um abrigo maior em Berlim. Vários Estados -Membros da UE reportaram a possibilidade de encaminhar as suas vítimas de violência de género para abrigos especializados para mulheres, fornecendo acomodações imediatas e seguras para mulheres vítimas de violência e para os seus filhos, como acontece na Áustria, Grécia, Alemanha, Itália, Hungria e Suécia.

Na Grécia, em caso de necessidade, as pessoas particularmente vulneráveis ​​à violência de género são transferidas para instalações especiais. Neste país, existem 21 abrigos disponíveis para vítimas de violência sexual e de género. As Informações sobre estes mecanismos estão disponíveis nas instalações de registo e receção. Na Hungria, há um alojamento especial disponível para vítimas de violência sexual, tortura ou violação num abrigo protegido em Kiskunhalas.

OHCHR e Grupo Global de Migração: Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (março 2018)
 

Assistência a migrantes cujas vidas ou segurança estejam em perigo

O artigo 16(3) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes exige aos Estados que ofereçam assistência apropriada aos migrantes cujas vida e segurança estejam em perigo pela razão de terem sido traficados. A implementação deste artigo pode incluir acesso a ajuda alimentar de emergência, abrigo ou cuidados básicos de saúde, acesso a serviços consulares e assistência legal. Em algumas circunstâncias, pode também exigir proteção física através da aplicação do Direito. Para aspirar à satisfação total deste direito, a exceção humanitária de um processo criminal pode ter relevância. (ver Módulo 1).

Adicionalmente, o artigo 9(2)(a) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes estipula que quando um Estado-parte tomar medidas contra a Introdução clandestina de migrantes por mar, deve garantir a segurança e o tratamento humano das pessoas a bordo da embarcação.

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Boas Práticas

Os oficiais da linha da frente do setor do Tucson da Patrulha de Fronteira dos EUA reuniram os recursos necessários para comprar e instalar balizas sinalizadoras de resgate em vários pontos do deserto, a partir dos quais os migrantes podem ligar diretamente para a Patrulha de Fronteira se estiverem em perigo, fornecendo as localizações dessas balizas através das suas próprias unidades de GPS.

Na Tunísia, os MSF (Médicos Sem Fronteiras) estão a treinar pescadores locais para operações de busca e salvamento no mar.

Grupo Global de Migração (Global Migration Group), Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (Draft 2017)
 

Procedimentos de Regresso

O Artigo 18 do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes regula o regresso dos migrantes introduzidos ilegalmente. O Artigo 16(1) e o Artigo 19 deixam claro que os procedimentos de regresso devem respeitar o Direito Internacional, em particular os Direitos Humanos e o Direito Humanitário e dos Refugiados e, especificamente, o Princípio da Não Repulsão (non-refoulement) (Artigo 19(1)).

Os programas de regresso devem ser conduzidos de uma forma segura, humana e ordeira, de forma a maximizar as possibilidades das pessoas repatriadas se reintegrarem no seu país de origem, desta forma evitando que sejam novamente alvo de tráfico ilícito de migrantes.

Para que isto aconteça, é importante obter a cooperação dos repatriados, incluindo na preparação do regresso. Esta pode ser considerada uma política de prevenção contra a prática de auxílio à imigração ilegal.

Deve preferir-se o regresso voluntário ao regresso forçado. Contudo, quando o regresso forçado é utilizado, esse processo deve ser transparente, justo e seguro. Estes regressos devem ser consistentes com os padrões internacionais, em particular com o Princípio da Não Repulsão.

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Princípio da Não-Repulsão

Segundo o direito internacional dos direitos humanos, a proibição da repulsão (non- refoulement) implica a obrigação de não extraditar, deportar, expulsar, devolver ou de qualquer outra forma remover uma pessoa, qualquer que seja o seu estatuto, quando houver motivos substanciais para acreditar que o indivíduo corre o risco de ser sujeito a tortura ou tratamento ou punição cruel, desumana e degradante, ou outras violações graves dos direitos humanos, no local para onde serão transferidos ou removidos, ou de posterior transferência para um terceiro Estado onde existe um risco real de tais violações.

(Ver Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Artigo 3º; e Comité dos Direitos Humanos, comentário geral nº 31 (2004), sobre a natureza da obrigação legal geral imposta aos Estados partes no Pacto). 

Mecanismos dos Direitos Humanos vieram sublinhar que, aos olhos do direito internacional dos direitos humanos, a proibição da repulsão é absoluta (Ver A/70/303, parágrafos 38 and 41; e Comité de Direitos Humanos, Israel x Cazaquistão (CCPR/C/103/D/2024/2011), parágrafos 9 4; e Valetov v. Kazakhstan (CCPR/ C/110/D/2104/2011)). 

Ao abrigo do direito internacional dos refugiados “Nenhum Estado Contratante deve, de qualquer forma ou maneira, expulsar ou devolver ('refouler') um refugiado para as fronteiras de territórios onde a sua vida ou a sua liberdade seriam ameaçadas por causa da sua raça, religião, nacionalidade ou afiliação a um determinado grupo social ou opinião política (Convenção relativa ao Estatuto de Refugiados, Artigo 33º(1)).

Grupo Global de Migração, Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (Draft 2017)

Perante o exposto, os migrantes introduzidos ilegalmente nunca devem ser forçados a voltar para países onde poderão ter de enfrentar situações de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, ou situações de violência generalizada. Isto significa que todas as decisões de regresso relativas a migrantes introduzidos ilegalmente devem ter em consideração qualquer pedido de proteção internacional, e a possibilidade de o regresso proposto levar a uma violação dos direitos humanos individuais ou expor a pessoa a repressão ou perseguição. Acresce que o regresso forçado deve ser conduzido com a concordância do país de origem.

As medidas que obrigam os migrantes introduzidos ilegalmente a abandonar o país em grupo (conhecidas como “expulsão coletiva”) são proibidas por vários instrumentos legais internacionais e regionais (artigo 22(1) da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, exceto quando haja uma análise razoável e objetiva do caso particular de cada indivíduo dentro do grupo (CCPR (Centro para os Direitos Civis e Políticos) Comentário Geral no. 13). Se não fosse assim, haveria o risco de o regresso ser arbitrário e, consequentemente, discriminatório e potencialmente violador do Princípio da Não Repulsão. Os procedimentos de retorno devem seguir procedimentos legais bem definidos e devem estar sujeitos a controlo jurisdicional. 

A implementação das orientações gerais acima mencionadas requer uma ação proativa dos Estados em desenvolver os programas e políticas adequadas. Por exemplo, quando uma pessoa não puder retornar ao seu país por força do Princípio da Não Repulsão, o país em causa deve criar uma solução para que o migrante possa permanecer no país de forma segura e legal. É igualmente importante proceder a uma recolha de informação sobre as pessoas repatriadas de forma a garantir que os regressos sejam sustentáveis, que os indivíduos repatriados possam usufruir da totalidade dos seus direitos humanos, e que as suas vidas e segurança não sejam colocadas em risco.

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Lacuna na Proteção: regresso dos migrantes

[As] missões observaram como os pontos de acesso da UE e o esquema de realocação de emergência resultaram na priorização da determinação da nacionalidade dos migrantes, a fim de canalizar determinadas nacionalidades para o sistema de asilo. Combinados com a necessidade de executar todos os procedimentos rapidamente, incluindo o regresso de indivíduos que não carecem de proteção, as equipas descobriram que o processo de determinação e separação de indivíduos apresentava um risco real que as necessidades relativas à proteção de indivíduos de uma nacionalidade com baixas taxas de reconhecimento de asilo, daqueles que não se enquadram no esquema de realocação, ou mesmo daqueles com necessidades mais amplas de proteção de direitos humanos fossem negligenciadas.

Na Grécia, as equipas observaram uma hierarquia implícita de nacionalidades nos pontos de acesso, o que levou, em alguns casos, a tensões crescentes entre migrantes de diferentes países de origem e preocupações com discriminação e criação de perfis baseados na nacionalidade. Em países ao longo da rota terrestre dos Balcãs, o encerramento progressivo das possibilidades de trânsito durante o ano de 2016, levou a um aumento significativo das expulsões arbitrárias e coletivas por parte das autoridades e sem a observância a qualquer processo judicial ou outro processo formal, incluindo a falta de registo daqueles que foram entregues ou devolvidos informalmente. Os casos documentados de tais expulsões chegam aos milhares, mas poderiam ser muitos mais. Muitas expulsões envolveram violência e algumas resultaram em mortes ou ferimentos graves. Na antiga República Jugoslava da Macedónia, os relatórios indicam que apenas migrantes em situações vulneráveis ​​óbvias, como mulheres que estavam notoriamente grávidas, doentes ou aqueles que viajavam com crianças, não foram deportadas ou expulsas.

OHCHR, Em busca da dignidade - Relatório sobre os direitos humanos dos migrantes nas fronteiras da Europa (2017)
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Boas Práticas

A monitorização pós-retorno é realizada por ONG locais: no Uganda para crianças desacompanhadas ou separadas que regressam da Noruega e na República Democrática do Congo para crianças desacompanhadas ou separadas que regressam da Bélgica. Isto inclui, em alguns casos, apoio às famílias.

OHCHR e Grupo Global de Migração, Princípios e diretrizes, apoiados em orientações práticas, sobre a proteção dos direitos humanos dos migrantes em situações vulneráveis (março 2018)
 

Acesso a serviços consulares e oficiais

O artigo 16(5) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes determina que quando os migrantes introduzidos ilegalmente são detidos, os Estados devem cumprir com as obrigações impostas pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares (quando aplicável), o que inclui informar imediatamente aos migrantes o seu direito de comunicar com funcionários consulares. O artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares rege a comunicação consular e o contacto com os nacionais que se encontram detidos. É Importante ressaltar que as visitas consulares não podem ser impostas contra a vontade do migrante. As sensibilidades individuais, como quando o migrante introduzido ilegalmente é um refugiado, devem ser respeitadas.

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Artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares

1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia:

a) Os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicar com os funcionários consulares e de os visitar;

b) Se o interessado assim o solicitar, as autoridades competentes do Estado recetor deverão, sem tardar, informar o posto consular competente quando, na sua área de jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado dos seus direitos, nos termos da presente alínea;

c) Os funcionários consulares terão direito a visitar o nacional do Estado que envia que esteja encarcerado, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira, conversar e corresponder-se com ele e providenciar quanto à sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar o nacional do Estado que envia que, na sua área de jurisdição, esteja encarcerado ou detido em execução de uma sentença. Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em favor de um nacional encarcerado, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira sempre que o interessado a isso se opuser expressamente.

2. Os direitos a que se refere o parágrafo 1 do presente artigo serão exercidos de acordo com as leis e regulamentos do Estado recetor, entendendo-se, contudo, que tais leis e regulamentos não devem impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo.

 

Cláusula de Salvaguarda

Além do acima mencionado, o artigo 19(1) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes estipula especificamente que a sua implementação deve ser feita de acordo com o “Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos e, em particular e quando aplicável, com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, relativos ao estatuto dos refugiados e ao princípio de não repulsão, como neles contidos ”. O artigo 19(2) consagra ainda o Princípio da Não Discriminação na aplicação das medidas prevista pelo Protocolo. Fundamentalmente, o artigo 19 preserva a aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Humanitário e Direito dos Refugiados aos migrantes introduzidos ilegalmente, sem discriminação resultante da sua introdução ilegal.

 
Seguinte: Olhar além do Protocolo: Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito dos Refugiados
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