Este módulo é um recurso para professores 

 

Causas da corrupção no setor privado

 

Causas relacionadas com o setor empresarial

Embora a corrupção em contexto empresarial afete empresas de todas as dimensões, alguns setores ou indústrias revelam-se mais vulneráveis à corrupção do que outros. Por exemplo, considerando o secretismo e a grande quantidade de encomendas realizadas, o domínio da contratação no setor militar para a aquisição de material bélico é particularmente vulnerável a más práticas e, portanto, o setor da defesa está mais exposto a riscos elevados de corrupção (para uma discussão mais detalhada sobre este tópico, vide o Módulo 11 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção). Um relatório da Risk Advisory (2019) sugere que, no plano global, as empresas mais afetadas pela corrupção são as de petróleo e gás, de construção e desenvolvimento, e de infraestruturas. Existem algumas variações num plano regional, também refletidas neste relatório. Em geral, os setores dependentes da contratação são mais vulneráveis à corrupção; estes apresentam, igualmente, uma capacidade de gestão e níveis de desempenho mais baixos. Por exemplo, as indústrias de tecnologia de ponta, que adquirem componentes dos seus produtos através da contratação com fornecedores, encontram-se mais vulneráveis à corrupção e a ineficiências institucionais quando comparadas com a indústria da alimentação, no seio da qual são celebrados menos contratos e os componentes se encontram normalmente disponíveis no mercado de retalho (Athanasouli e Goujard, 2015).

 

Causas económicas

Embora o benefício pessoal seja, normalmente, a causa mais frequente da corrupção no setor público, esta é apenas uma das causas da corrupção no setor privado. Onde manifestaram os seus efeitos, a liberalização e a desregulação promoveram um mercado caraterizado por uma intensa concorrência, levando as empresas a envolverem-se em atos corruptos para aumentarem a sua eficiência operacional, salvaguardarem o seu desenvolvimento e conquistarem novos mercados (Pakstaitis, 2019). As empresas usam as práticas corruptas para ganharem vantagens competitivas, criando um efeito bola-de-neve nos seus setores empresariais, levando outras empresas a envolverem-se na prática desses mesmos atos para se manterem competitivas. Como vimos supra, a corrupção mina a concorrência, porque as empresas que se recusam a pagar subornos podem ser excluídas do mercado. Menor concorrência conduz a preços mais elevados e a uma menor qualidade dos bens e serviços, em última instância prejudicando o consumidor (Lee-Jones, 2018).

Infelizmente, a corrupção pode parecer uma prática comercial viável e eficaz para a sobrevivência e crescimento dos negócios. Se a maximização do lucro a qualquer custo é vista como o único objetivo de uma empresa, então a avaliação dos potenciais custos e benefícios da corrupção pode ser encarada como um exercício legítimo – justificando inclusive a corrupção. As práticas corruptas podem institucionalizar-se para o alcance de objetivos estratégicos, particularmente em períodos de maiores dificuldades económicas.

No entanto, as evidências demonstram que a corrupção pode conduzir à obtenção de tais benefícios apenas a curto prazo, se os houver sequer, e apenas para um número limitado de empresas (Hanousek e Kochanova, 2015). A longo prazo, a corrupção é mais uma restrição ao desenvolvimento e uma força restritiva à entrada e crescimento do mercado para todas as empresas (Bai e outros, 2019; Forgues-Puccio, 2013). Uma empresa com uma cultura de corrupção dificilmente será sustentável, na medida em que não será atraente para funcionários, investidores, clientes e outras partes interessadas com princípios. O Centro de Pesquisa Anticorrupção U4 vai mais longe, afirmando “que níveis mais altos de corrupção ao nível empresarial estão profundamente correlacionados com um crescimento empresarial mais baixo, mesmo a curto prazo” (U4, 2017 referindo-se às conclusões de Fisman e Svensson, 2007).

 

Causas individuais e racionalizações

No setor privado, como em todo o lado, os indivíduos levam a cabo um conjunto de estratégias de racionalização para justificar o seu comportamento não ético. De acordo com a ciência comportamental, algumas pessoas enganam os demais para obter uma vantagem para si mesmas se forem capazes de racionalizar o seu comportamento e conseguirem, assim, sentir-se bem consigo próprias (Ariely, 2013). Johannsen e outros (2016) descobriram que o contexto nacional, a dimensão da empresa, a sua natureza nacional ou estrangeira, a diversidade no local de trabalho, a identidade de género dos indivíduos, a sua idade, a duração dos seus cargos são fatores-chave que influenciam as racionalizações dos indivíduos no setor privado.

As racionalizações para comportamentos não éticos são discutidas em detalhe no Módulo 6 e no Módulo 7 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética. Para os presentes efeitos, as três racionalizações a seguir apresentadas e a sua relevância para o setor privado são elaboradas do seguinte modo: “Toda a gente o está a fazer”; “Não é minha responsabilidade” e “Os fins justificam os meios”.

 “Toda a gente o está a fazer.”

Esta racionalização pode manifestar-se em diferentes situações. Primeiro, quando os comportamentos não éticos se normalizam num grupo dentro de uma empresa, em toda a empresa ou no setor, não há sanção para quem se envolve nos mesmos. Segundo, a lógica de que toda a gente (i.e. os concorrentes) estão a fazê-lo justifica a conduta corrupta. A Aliança pela Integridade (2016), uma iniciativa de participação múltipla voltada para os negócios e que visa promover a transparência e integridade no setor privado, destaca que entre as dez principais razões ou justificações que os funcionários dão para se envolverem em atos corruptos se encontram: “não percebo como é que os negócios são realizados aqui” ou “se não o fizermos, alguém o fará por nós”. Quando os indivíduos percebem que os seus concorrentes estão envolvidos em práticas corruptas, eles podem justificar ações semelhantes com o argumento de que estão a assegurar o bem-estar da empresa, tal como o seu bem-estar pessoal, sentindo-se, ainda assim, boas pessoas (Johannsen e outros, 2016). Esta racionalização é também designada de “problema da ação coletiva” (Persson, Rothstein e Teorell, 2013). A compreensão da corrupção como um problema de ação coletiva é explicado no Módulo 4 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

“Não é minha responsabilidade.”

Esta afirmação reflete a recusa de quaisquer responsabilidades. Os indivíduos racionalizam o seu envolvimento na corrupção ao considerarem que é algo que está fora do seu controlo. Razões tipicamente invocadas pelos funcionários que tentam negar a sua responsabilidade são: “não sabia que isso era corrupção”; “não o fiz por mim; fi-lo pela minha organização”; “não sei como responder à corrupção” (Aliança pela Integridade, 2016).

“Os fins justificam os meios.”

A prática de atos de corrupção pode ser encarada como geradora de efeitos coletivos positivos, porque – ainda que erroneamente – parece ser do melhor interesse da empresa. A corrupção pode ser igualmente racionalizada ao afirmar os seus efeitos positivos para os indivíduos, por exemplo, permitindo-lhes manter os seus empregos. Os empresários também justificam a corrupção ao considerá-la um fenómeno do qual todos beneficiam e ninguém fica prejudicado (Aliança pela Integridade, 2016). Esta é uma racionalização particularmente mobilizada em empresas mais pequenas (Johannsen e outros, 2016).

 

Cultura empresarial

As causas económicas e individuais da corrupção podem conduzir ao desenvolvimento de uma (e ser apoiadas por uma) cultura empresarial da corrupção. Assim, a cultura da corrupção é tanto um resultado como uma causa da corrupção. Taylor (2016) explica que a cultura normaliza a corrupção através de três processos:

  • Institucionalização: a incorporação de práticas corruptas nas estruturas e processos da empresa;
  • Racionalização: ideologias egoísticas que justificam práticas corruptas; e
  • Socialização: novos funcionários são socializados em sistemas e normas que toleram ou permitem a corrupção. A pressão dos colegas pode socializar os funcionários no sentido de os pressionar a enveredar em práticas corruptas. No contexto da corrupção no setor privado, a pressão dos colegas refere-se a ações realizadas por meio de ordens executivas ou administrativas (Johannsen e outros, 2016).

A cultura empresarial da corrupção é provocada por uma multiplicidade de fatores, como a concorrência e a orientação para o crescimento, estruturas de liderança complexas, e níveis elevados de autonomia e discricionariedade, com falta de transparência, prestação de contas e ética. Num tal ambiente, até “as regras e processos implementados para a promoção da integridade podem ser executados de forma seletiva e facilmente evadidos, como revelado pelos mais recentes casos relacionados com a legislação anti-suborno” (Taylor, 2016). Para uma discussão relacionada com as formas como a psicologia, o ambiente e o comportamento podem influenciar a “cegueira moral” e a falta de ética não intencional, consulte o Módulo 6, Módulo 7 e o Módulo 8 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética.

Para combater e substituir culturas que apoiam a corrupção, dedicou-se mais atenção quer na teoria, quer na prática, à necessidade de promover uma cultura empresarial de integridade. Como explicado com maior detalhe no Módulo 11 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética, quando uma empresa atua de forma ética, promove a cultura de integridade que motiva os seus funcionários a agir eticamente. Tal contribui para que os funcionários possam ter vidas recheadas de sentido e propósitos e, em última instância, para uma melhor sociedade. Para alcançar uma tal cultura, a empresa pode recorrer a práticas de modelação, de formação e outras atividades que promovam a integridade, bem como à aplicação de valores, códigos de ética e normas jurídicas. Em particular, para instaurar uma cultura de integridade e demonstrar aos funcionários que a empresa está disposta a não se limitar só a falar, mas a passar à prática, esta deverá garantir que os meios de gestão do seu desempenho e os seus sistemas de recompensa não se contradizem ou minam os seus valores positivos fundamentais. Embora não haja um modelo que se adeque a todas as empresas, cada uma delas deverá implementar uma abordagem que vá além do básico, isto é, além da conformidade com as normas jurídicas, promovendo uma cultura positiva de integridade. Valores éticos fortes devem estar no centro de um tal programa, e esses valores devem ser identificados e desenvolvidos cautelosamente (sendo, idealmente, criados com as várias partes interessadas). O comportamento ético deve ser incorporado em todas as operações diárias e comunicado em todas as interações com as partes interessadas (Hodges e Steinholtz, 2017).

 
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