Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Um: Objetivos e relevância das penas não privativas de liberdade

 

O que são medidas não privativas da liberdade? Qual a sua importância? Quais os principais objetivos das medidas alternativas à aplicação de uma pena de prisão? E quais os riscos associados?

As medidas não privativas da liberdade, por vezes identificadas como “medidas de correção comunitária” (community corrections), “supervisão do ofensor" (offender supervision), ou "sanções e medidas executadas na comunidade" (community sanctions and measures), situam-se no específico campo das "alternativas à prisão" (alternatives to imprisonment), sendo difícil delinear os seus exatos parâmetros (McNeill, 2013). Alguns autores defendem ser preferível adotar a expressão “sanções ambulatórias” (ambulant sanctions), em vez de alternativas à prisão. Graebsch e Burkhardt (2014, p.15) sustentam que o uso do termo "alternativas" tende a "perpetuar a predominância do recurso a sanções privativas da liberdade", ditando assim que outras opções a ponderar na sentença sejam vistas como exceção e não como regra. Além disso, o termo "alternativas a penas não privativas da liberdade" não inclui sanções que possam ser impostas "adicional ou posteriormente à aplicação da pena de prisão" (Graebsch e Burkhardt, p.15-16). As Palavras-chave.

 

Por que são relevantes as alternativas à pena de prisão?

Em 2018, o World Prison Brief referiu que, a nível mundial, "mais de 10,74 milhões de pessoas estão enclausuradas em instituições prisionais, quer em prisão preventiva, quer para cumprimento de sentenças já decretadas" (Walmsley, 2018, p. 2). Além disso, a população prisional mundial aumentou cerca de 24% desde o ano 2000 (Walmsley, 2018, p.17). Ainda no plano mundial, é preciso notar que o sistema judicial está a lidar com um número recorde de pessoas presas, com elevadas taxas de abuso de substâncias e também com transtornos mentais, quando comparando com os números que se encontram na sociedade em geral (Reforma Penal Internacional, 2018; ver também o Módulo 6 da série E4J de Módulos Universitários sobre Prevenção da Criminalidade e Justiça Criminal).

Os especialistas contemporâneos em matéria de penas, têm argumentado que o "populismo penal" (penal populism) e as “políticas duras de combate ao crime" (tough on crime policies) levaram a uma era de sobrelotação prisional em diversas jurisdições (ver, por exemplo: Zimring, 2001; Robertset al., 2003; Pratt, 2007). Nas últimas décadas, tanto políticos como a comunicação social sensacionalista têm clamado por políticas públicas que potenciem a aplicação de penas de prisão, com o pretexto, mas também com a convicção, de que enclausurar pessoas que tenham praticado crimes determinará a diminuição da prática de crimes, obstando assim a que outros infrinjam a lei. No entanto, os estudos revelam inexistência de correlação entre a aplicação da pena de prisão e a segurança pública, ou entre aquela e a prática de crimes. Por outro lado, os estudos demonstraram que, embora o confinamento prisional impeça temporariamente as pessoas presas de cometer crimes fora da prisão, tal não se traduz em uma efetiva redução da reincidência, evidenciando mesmo a ideia oposta, pois, geralmente, a criminalidade aumenta após a libertação, tornando, em consequência, a sociedade menos segura (ver, por exemplo: Cullenet al., 2011; Roodman, 2017). Para aprofundar o tema relativo ao populismo penal e legislações punitivas, ver o Módulo 1 na Série de Módulos Universitários E4J sobre Prevenção da Criminalidade e Justiça Criminal. 

O uso excessivo das penas de prisão não só foi considerado ineficaz, como se constataram, ainda, significativas violações dos direitos humanos traduzidas, por exemplo, no tratamento inadequado e abusivo dos reclusos, em condições desumanas das instalações prisionais e ainda na sobrelotação prisional. Em 2017, Mauer (2017, p.1) notou que: "Com algumas exceções em algumas partes do mundo, as condições das instalações prisionais variam de inadequadas a tortuosas”. A generalidade dos presos pertence aos grupos mais marginalizados da sociedade, sujeitos a condições que violam a dignidade da pessoa humana e o seu valor como seres humanos (ver, também, Módulos 1 e 6 da Série de Módulos Universitários E4J sobre Prevenção da Criminalidade e Justiça Criminal). Além disso, os "efeitos colaterais" da prisão incluem impactos adversos sobre as crianças e as famílias que se encontram em liberdade, diminuindo o seu envolvimento na sociedade, a confiança que depositam no poder institucional, e o "desgaste dos laços comunitários e do controlo social informal" (Mauer, 2017, p.1). É ainda relevante notar os significativos custos económicos associados à administração e manutenção de um estabelecimento prisional (ver, por exemplo: Kincade, 2018). 

Considerando as desvantagens relacionadas com o aumento da população prisional, a comunidade internacional tem defendido que embora a prisão possa ser necessária nos casos de criminalidade grave, se revela essencial que as sociedades rejeitem políticas duras de combate ao crime, ponderando a utilização de medidas alternativas à prisão nas diferentes fases processuais. Com efeito, diversos autores e ativistas dos direitos humanos têm sustentado que a ideia de recorrer à aplicação de uma pena privativa de liberdade deverá ser equacionada como a ultima ratio do quadro sancionatório, e por um período de tempo limitado ao estritamente necessário. Neste sentido, as normas internacionais sustentam que a aplicação de medidas não privativas da liberdade deverá ser considerada como a primeira opção, e aplicada de uma forma que promova o respeito pelos direitos humanos, que tenha sempre por base o respeito pela dignidade da pessoa humana e que observe o direito a um processo justo. As medidas alternativas que consideram as necessidades dos indivíduos que entram em contacto com o processo penal e os riscos aqui associados, têm a capacidade de gerar maiores dividendos a longo prazo para a sociedade, em termos de coesão social, de economia de custos e de mais segurança pública (UNODC, 2007; UNODC, 2013a; Tonry, 2017; Reforma Penal Internacional, 2018).

 

Quais os principais objetivos das alternativas à pena de prisão?

De acordo com as Regras de Tóquio e bem assim à luz da Recomendação do Conselho da Europa sobre as Regras Europeias sobre Sanções Penais e Medidas Aplicadas na Comunidade (2017), as principais metas e objetivos das alternativas à aplicação de penas de prisão são:

  • Evitar o recurso desnecessário à prisão;
  • Evitar os efeitos negativos da prisão;
  • Racionalizar as políticas de justiça criminal;
  • Garantir a adoção de medidas mais flexíveis, que vão ao encontro dos objetivos de Justiça social, da natureza e gravidade do crime em questão, das necessidades de reabilitação do ofensor e da devida proteção da sociedade;
  • Incentivar e possibilitar mudanças na vida das pessoas;
  • Possibilitar o envolvimento da comunidade no sistema penal;
  • Desenvolver um sentido de responsabilidade para com a comunidade;
  • Evitar a institucionalização, promovendo a libertação e a reintegração na sociedade;
  • Adotar medidas que impulsionem a inclusão social;
  • Reduzir a reincidência;
  • Reduzir os custos.
 

Quais os potenciais riscos?

  • As medidas não privativas da liberdade podem ser consideradas, pelo juiz, como medidas "mais leves";
  • Os fundamentos orientadores, as metas e os objetivos a atingir pelas medidas alternativas podem não ser claros;
  • A possível falta de financiamento e de infraestruturas organizacionais para apoiar e supervisionar a implementação e monitoramento das medidas alternativas;
  • A potencial estigmatização associada à adoção de medidas alternativas à prisão;
  • Falta de popularidade entre políticos e imprensa;
  • Falta de confiança do público na sua eficácia;
  • Expansão da rede de controle penal (netwidening effect) e aumento do controlo social, que emerge quando são impostas sanções comunitárias em casos em que, tendencialmente, não seria imposta qualquer sanção (adaptado de Stefani et al., 2014).

Para além do que vai exposto, importa tomar em consideração o facto de, em alguns ordenamentos, ter ocorrido uma redução significativa do recurso a medidas não privativas da liberdade, no seguimento da privatização de serviços que aplicam medidas alternativas à prisão. Na Inglaterra e no País de Gales, por exemplo, um relatório do Centro para a Inovação da Justiça (Centre for Justice Innovation), de 2018, revelou que, apesar de as sentenças condenatórias considerarem as medidas alternativas à prisão uma opção essencial, os tribunais perderam a confiança na sua implementação, execução e monitoramento. Phil Bowen, Diretor do Centro para a Inovação da Justiça, afirmou em 2018 que "a combinação de cortes orçamentais na justiça e a má implementação das reformas de privatização pelo Governo nos últimos 6 anos, gerou nos juízes desconfiança na efetiva capacidade de aplicação de medidas alternativas" (citado em Bowcott, 2018). Alguns autores referem ainda que a privatização das prisões contribuiu para o recurso excessivo à aplicação de penas de prisão, o que implicou uma sobrelotação das prisões e significativos abusos dos direitos humanos (ver, por exemplo: Aviram, 2015). Para mais informações sobre a privatização das prisões, veja o Módulo 6 da Série de Módulos Universitários E4J sobre Prevenção da Criminalidade e Justiça Criminal.

 
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