Este módulo é um recurso para professores 

 

Casos práticos

Caso Prático (Cen Zahangyao)

O arguido Cen Zahangyao, em conluio com uma pessoa no estrangeiro, o Sr. Ayazi e o co-arguido Sr. Wu Zheng, por forma a traficar falcões saker (animais com proteção nacional) para fora da China para outros países, Depois de algumas negociações, Wu Zheng assumiu a responsabilidade de reservar espaço de carga, e providenciar documentos alfandegários. Cen Zhangyao prometeu pagar 3,000 yuan pelo contrabando de cada falcão saker.

Ayazi confiou a outros o transporte dos facões para Cen Zhangyao e, depois de receber os falcões, Cen transferiu-os para um local perto do aeroporto e entregou-os a Wu Zheng. Depois, Wu Zheng entregou os falcões a Zhang Hao, que reservou espaço de carga e declarou os falcões aos agentes alfandegários como taças de vidro. Como havia sido acordado previamente, os agentes alfandegários Zhu Qianwei e Qian Wenbin não fizeram qualquer inspeção à carga. Os falcões foram transportados para o Qatar quando foram descobertos por outros agentes alfandegários que abriram, e verificaram, a caixa da carga.

As investigações demonstraram que, entre 2007 a 2008, os arguidos Cen Zhangyao, Wu Zheng, Zhang Hao, Qian Wenbin conseguiram contrabandear 82 falcões saker.

Em março de 2009, de acordo com os factos que constavam do processo crime, e as circunstâncias dos arguidos, e o grau de dano social, o Intermediate People’s Court of Ningbo City proferiu uma sentença condenatória para todos os arguidos. A Cen Zahangyao foi aplicada a pena mais severa – a pena de morte de segunda instância (a pena de morte com prorrogação de dois anos), privação vitalícia de direitos políticos e perda de todos os seus bens pessoais. Cen Zhangyao confessou o seu crime e procurou redenção.       

Uns anos após esta sentença, a oitava emenda da lei criminal da China adotou, em 25 de fevereiro de 2011, a abolição da pena de morte para o crime de tráfico de animais e plantas raros, e dos produtos que deles derivem.

Processos relacionados

 

Característica significativa

  • Pena de morte por crimes contra a vida selvagem
 

Questões para discussão

a) Qual a política da ONU sobre a pena de morte?

b) Qual a filosofia punitiva que está subjacente àquela forma de punição?

Caso Prático (Tráfico de Migrantes de Marrocos para Espanha)

Em maio de 2016, o arguido tentou atravessar de Marrocos para Espanha através do posto fronteiriço de Beni-Enzar (Marrocos). Ele conduzia um veículo com uma matricula falsa. O veículo tinha dois compartimentos escondidos: um atrás do banco traseiro, e outro na frente do veículo, abaixo do painel, entre o porta-luvas e o motor. Após um procedimento de buscas, os agentes da autoridade descobriram dois migrantes escondidos no compartimento na frente do automóvel, e outro migrante escondido no cubículo traseiro. Os três migrantes não possuíam a documentação necessária para atravessar e permanecer legalmente em Espanha.

A condenação baseou-se na confissão do arguido, que assumiu ter cometidos os crimes de tráfico ilícito de migrantes e falsificação de documentos. O arguido também confessou que a sua conduta incluía circunstâncias agravantes, nomeadamente o perigo para a vida e segurança dos migrantes. Em relação a estas circunstâncias agravantes relativas ao perigo para a vida e segurança dos migrantes, e considerando jurisprudência anterior (e.g. STS 887/2005, STS 1025/2012), foram considerados os seguintes elementos como indicadores para aplicar o número 3 do artigo 318.º bis do Código Penal: (i) dimensões reduzidas dos compartimentos escondidos em que os migrantes eram transportados, (ii) a falta de ventilação, (iii) inalação de ar contaminado devido à proximidade com o motor, (iv) impossibilidade de se movimentarem.

Para além disso, o procurador enfatizou que o arguido era reincidente pelo mesmo tipo de crimes. Havia acabado de cumprir pena (de quatro anos de prisão) pouco tempo antes de cometer novo crime pelo qual estava a ser julgado. Com um registo criminal anterior por tráfico ilícito de migrantes, o arguido permaneceu preso até 23 de abril de 2015 por crimes relativos ao processo em curso, até ter sido condenado a seis anos de prisão por tráfico ilícito de migrantes, e com uma pena de multa por falsificação de documentos.

Processos relacionados

 

Características significativas

  • Fatores a tomar em consideração em processos de tráfico ilícito de migrantes
  • Circunstâncias agravantes
 

Questões para discussão

a) Quais as finalidades da condenação que provavelmente foram consideradas pelo tribunal neste processo?

b) Quais foram os fatores agravantes e atenuantes?

c) Como e porquê foram combinadas penas de prisão e multa neste processo?

Caso Prático (Butler vs. Reino Unido)

Um cidadão britânico, Francis J. Butler, perguntou a H. para transportar dinheiro do Reino Unido para Espanha para suportar transações imobiliárias que ele tencionava encetar neste país. Este transportador não chegou a Espanha uma vez que foi mandado parar pelos serviços alfandegários Britânicos sob a Lei do Tráfico de Estupefacientes de 1994. Conduzindo um carro alugado H. foi mandado parar em Portsmouth pelos Serviços Alfandegários Britânicos e Serviços das Finanças. Quando foi questionado sobre quanto dinheiro transportava, H. respondeu “£500.” Numa busca subsequente à viatura foram apreendidos £240,000. H. assumiu que a soma pertencia a um amigo com quem ele se iria encontrar em Espanha. O dinheiro foi apreendido no procedimento de confisco civil, e foi determinado que, considerando as provas circunstanciais, o dinheiro correspondia, direta ou indiretamente, de proveitos do tráfico de estupefacientes e/ou tinha como destino ser usado no tráfico de estupefacientes.

Francis Butler é um apostador compulsivo em corridas de cavalos e, geralmente, detinha grandes quantias de dinheiro para esse fim. Para além dos seus proveitos das apostas, ele também havia herdado uma grande soma de dinheiro do seu pai em 1990, e em 1992 havia conseguido um grande lucro decorrente da venda de um cavalo, que ele havia comprado e criado. O demandante alegava que nunca havia sido condenado por qualquer crime relacionado com tráfico de estupefacientes, e a manutenção da perda do ativo que havia sido confiscado a H. era ilegal.

Francis Butler contactou as Autoridades Alfandegárias e as Finanças para reclamar o dinheiro e apresentou-se de forma voluntária, com o seu advogado, a uma reunião no dia 4 de outubro de 1996. Nessa ocasião, o demandante foi informado que ele não estava detido. Ele respondeu às questões que lhe foram dirigidas e, nessa altura, deu autorização para ser levantado sigilo bancário, bem como acesso à sua conta na casa de apostas.

Uma ordem de apreensão do dinheiro do demandante foi emitida pelo Magistrado do Tribunal de Portsmouth a 19 de setembro de 1996 a pedido das Autoridades Alfandegárias e Finanças nos termos do n.º 2 da secção 42.º da Lei do Tráfico de Estupefacientes de 1994. O Magistrado do Tribunal de Portsmouth emitiu uma ordem para confiscar o dinheiro em apreço, e condenou o demandante nas custas do processo.    

O recurso do demandante foi apreciado pelo “Portsmouth Crown Court” em 2 e 3 de outubro de 1997. O tribunal confirmou a decisão de perda de bens e condenou o demandante no pagamento adicional de custas. O tribunal já tinha dado nota que o processo que correu termos perante o Magistrado do Tribunal de Portsmouth e o Crown Court proporcionou ao demandante uma ampla oportunidade para contestar as provas produzidas contra ele, e para impugnar a ordem de confisco do montante. Julgando o recurso inadmissível, o tribunal não acompanhou a alegação do demandante que o dinheiro confiscado era o equivalente a uma sanção penal, e considerou que se tratava de uma medida preventiva destinada a retirar de circulação dinheiro  que se presumia ligado ao tráfico internacional de estupefacientes.

No processo Butler v The United Kingdom, o demandante apresentou uma queixa junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em que alegou que havia provado, para além da dúvida razoável, que o dinheiro não se destinava ao tráfico de estupefacientes, e que havia sido violado o princípio da presunção de inocência, considerando que as autoridades públicas só tinham que satisfazer um padrão de prova num equilíbrio de probabilidades sobre o mesmo aspeto. O tribunal fez notar que os procedimentos perante o Magistrado do Tribunal de Portsmouth e o “Crown Court” concedeu ao demandante ampla oportunidade para contestar a prova produzida contra ele e impugnar a ordem de perda de bens, considerando a queixa do demandante manifestamente não fundamentada e inadmissível.

Processos relacionados

 

Característica significativa

  • A legalidade da perda de bens não baseada em sentença condenatória como medida preventiva
 

Questões para discussão

a) Quais são os fundamentos para uma perda de bens não baseada em sentença penal condenatória, também denominada perda de bens civil, em geral? Quais são as diferenças e semelhanças neste caso?

b) Qual foi o crime cometido pelo demandante e pelo qual foi acusado? Quais as finalidades que se visam com a perda de bens preventiva?

c) Por que razão o demandante falhou na apresentação de prova que demonstrasse a origem legítima do dinheiro apreendido?

d) Foi violado o princípio da presunção de inocência do demandante uma vez que recaiu sobre si o ónus da prova, para além da dúvida razoável (o padrão em processo crime) que o dinheiro em questão não tinha qualquer relação com o tráfico de estupefacientes, enquanto às autoridades só se impõe a prova dentro de um quadro de probabilidades (padrão civil) que o dinheiro que lhe foi apreendido representava, direta ou indiretamente, os proveitos do tráfico de estupefacientes, ou se destinava a que qualquer pessoa o canalizasse para o tráfico de estupefacientes? 

 

Caso Prático (Os bens de Sani Abacha)

Em setembro de 1999, a República Federal da Nigéria abriu uma investigação aos pais e parentes do falecido Sani Abacha que foi acusado de apropriação ilegítima, sob pretexto falso, de fundos pertencentes ao Banco Central da Nigéria, emitindo cheques bancários, dando ordens de transferências bancárias e levantamentos de dinheiro. Alguns dos fundos apropriados ilegitimamente foram transferidos para contas abertas em bancos suíços, tanto diretamente, como através de empresas. Sob investigação estavam Maryam Abacha, viúva de Sani Abacha, Mohammed Abacha, filho de Sani Abacha, Abdulkadir Abacha, irmão de Sani Abacha, Ahmadu Daura, Bagudu e Gwarzo. As pessoas mencionadas supra foram acusadas de roubo, perda de confiança, envolvimento em conspiração criminal e atos de branqueamento de capitais.

O Supremo Tribunal Federal da Suíça, na sua decisão de 7 de fevereiro de 2005, também concluiu que uma grande parte dos ativos, avaliados em 458 milhões de dólares americanos, eram claramente proveitos de crimes e podem ser devolvidos à Nigéria sem que este último tivesse que emitir previamente uma ordem de perda. O rumo do processo permitiu que os ativos em apreço fossem rapidamente devolvidos para o país em relação aos quais provêm a sua titularidade, e também é algo inovador num contexto internacional. A Suíça foi o primeiro país em que os fundos de Abacha foram depositados a devolver os ativos à Nigéria, com base numa decisão oficial. 

Parte do acordo, à escala mundial, relativo aos ativos recuperados, foram usados para financiar projetos em saúde, educação, água, eletricidade e setor rodoviário, e foram monitorizados pelo Banco Mundial.

Processos relacionados

 

Características significativas

  • Jurisdição extraterritorial
  • Perda e devolução de ativos roubados direta e indiretamente propriedade de um agente público estrangeiro
 

Questões para discussão

  • Discuta a importância da devolução de ativos roubados a países em desenvolvimento. Como pode ser assegurado que os ativos recuperados não são novamente desviados para atos de corrupção?

Caso Prático (R (on the application of Coll) (Appellant) v Secretary of State for Justice (Respondent) [2017] UKSC 40. On appeal from [2015] EWCA Civ 328)

No Reino Unido, é frequente recorrer a uma condição para libertar prisioneiros, de risco médio ou elevado, a cumprir pena de prisão, mas eles têm que viver em “Estabelecimentos Aprovados” (APs). Existem 94 APs para homens, distribuídos por Inglaterra e pelo País de Gales, incluindo diversos em Londres. Existem apenas 6 APs para mulheres, que constituem 5% da população prisional, e nenhum deles em Londres ou em Gales. Isto significa que as mulheres são, provavelmente colocadas num AP que será distante das suas casas ou comunidades.

Em 2004, a arguida, Sra. Coll, foi condenada a pena de prisão perpétua por homicídio, com uma tarifa de 11 anos e três meses, que venceria em novembro de 2015. Desde então, ela foi libertada sob licença. Como condição para a libertação, ela era obrigada a viver de forma permanente num Estabelecimento Aprovado em Bedford, não sair para viver em outro lugar nem por uma noite, sem a aprovação prévia do seu oficial supervisor e, posteriormente, residir conforme orientação desse oficial.

Em 2013, a Sra. Coll propôs uma ação relacionada com a oferta limitada de instalações aprovadas para mulheres em Inglaterra e no País de Gales. Ela requereu uma declaração de que a disposição atual sobre APs equivalia a uma discriminação sexual ilegal, em violação da Lei da Igualdade de 2010 (EA), e dos seus direitos protegidos pelos artigos 8.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e de que o Secretário de Estado atuou em violação do dever de igualdade no setor público (PSED) nos termos da secção 49 EA, por não ter em conta a devida necessidade de eliminar a discriminação contra as mulheres na previsão de APs. Em parte, ela argumentou que o sistema prisional é “amplamente projetado por homens e as mulheres foram marginalizadas dentro dele.”

Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal considerou que a atual distribuição das APs constituía uma discriminação sexual ilegal contra as mulheres. O Supremo Tribunal enfatizou que, embora em princípio, as diferentes disposições para homens e mulheres se possam justificar, “o Ministro da Justiça nunca abordou adequadamente a mente coletiva para o problema de fornecer vagas suficientes e adequadas em APs para mulheres que alcançaram, até agora quanto possível, a política de colocá-las o mais próximo possível de casa.”

Processos relacionados

 

Característica significativa

  • Existe discriminação sexual ilegal
 

Questões para discussão

a) Concorda que colocar a recorrente numa AP longe de casa  constitui uma discriminação ilegal em razão do sexo?

b) Em princípio, podem ser justificadas diferentes normas para homens e mulheres?

c) Qual a solução que recomendaria neste caso (e.g., substituir uma ou mais das maiores APs para mulheres relativamente grandes, para um número maior de unidades mais pequenas, mais amplamente difundidas; fechar uma ou mais APs femininas existentes e recolocá-las em APs mais próximas das áreas onde um grande número de mulheres com infrações graves têm as suas casas e as suas famílias; redesenhar APs para homens em Londres e destiná-las a mulheres, e uma das APs para mulheres destiná-las para homens para compensar a perda de lugares; ou considerar formas alternativas de acomodação para mulheres libertadas sob licença?

d) Os Estados devem fazer uma mudança positiva em apoio a previsões específicas em razão do género?

 
 
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