Este módulo é um recurso para professores 

 

Tráfico ilícito de armas de fogo como elemento transversal presente em muitos outros crimes   

 

As armas de fogo comumente agem como facilitadoras do crime e multiplicadoras da violência. A disponibilidade, o tráfico e o uso ilícito de armas de fogo por grupos criminosos organizados ou grupos terroristas aumentam exponencialmente o impacto e os danos causados por esses grupos nas comunidades. 

Os efeitos são globais – a demanda por armas impacta diretamente no desenvolvimento dos Estados. Durante uma conferência realizada em 2017 na África, autoridades declararam que ‘As armas ilícitas intensificam os conflitos e facilitam a criminalidade organizada. Mesmo quando não ocorrem em conjunto, o tráfico de armas incentiva crimes como tráfico de drogas, tráfico de pessoas, mineração ilegal, pesca, comércio de animais selvagens e roubo de petróleo’ (ENACT, 2017: 1). 

Embora a posse, fabricação, tráfico e uso ilícitos de armas de fogo sejam crimes autônomos na maioria das jurisdições, só recentemente o seu papel estratégico na gênese e nas operações de grupos criminosos organizados, gangues e terroristas, passou a ser  reconhecido e tratado como uma prioridade de justiça criminal e formulação de políticas (ver Módulo 8). 

Fazer face às relações entre estes grupos, cortar a cadeia de abastecimento que permite a aquisição ilícita de armas de fogo e perturbar sua estrutura organizacional e financeira são objetivos estratégicos em esforços mais amplos para combater a criminalidade organizada e o terrorismo. São objetivos primários para alcançar a paz e o desenvolvimento sustentável, explicitamente consagrados na Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em particular no Objetivo 16.4 (ver os Módulos 1 e 10, sobre armas de fogo, para mais detalhes).

Como explorado no Módulo 3 (o Mercado legal de Armas de Fogo), a maioria das armas de fogo que acabam nas mãos de grupos criminosos e terroristas vem originalmente de fontes legais. Essas fontes incluem transferências de armas legais, estoques de governos nacionais ou estrangeiros e empresas de segurança privada e residências civis. Nestes contextos, as armas de fogo são frequentemente roubadas/perdidas, ou desviadas ilegalmente de sua transferência legal, o que as torna ilícitas e não autorizadas. As transferências cinzas também se enquadram nessa ampla categoria de armas de fogo desviadas e traficadas. Elas costumam estar vinculadas a violações de embargos de armas por meio da exploração de brechas legais ou de esquemas complexos de transferência. Este processo pode assumir a forma de um simples contrabando ou ser mais complexo, envolvendo várias exportações e reexportações para disfarçar a origem das armas traficadas. Acredita-se que apenas uma pequena parcela das armas de fogo ilícitas seja fabricada ilicitamente. Os exemplos desta categoria de armas incluem aquelas produzidas artesanalmente sem autorizações válidas, montadas a partir de peças e componentes não marcados ou traficados e armas de fogo reativadas ilicitamente ou outros tipos de armas (como pistolas de gás) ilicitamente convertidas em armas de fogo. 

No entanto, conforme discutido no Módulo 2, o progresso tecnológico e a globalização da Internet proporcionaram aos criminosos e terroristas meios novos e mais sofisticados para aquisição e produção de armas de fogo. Os exemplos são vários; armas modulares podem ser montadas a partir de diferentes peças que podem ser adquiridas em forma de kit, pela Internet. Armas feitas de polímero, cujas peças não são facilmente detectáveis por meio de scanners, podem ser impressas com uma impressora 3D usando desenhos técnicos disponíveis na Internet. Por fim, há ainda métodos fáceis que estão disponíveis para se reativar armas previamente desativadas, converter armas em armas de fogo totalmente funcionais, ou aumentar a capacidade de potência das armas de fogo – citando somente alguns.

 

Tráfico e fabricação ilícitos de armas de fogo

Para compreender melhor os vários aspectos relacionados com a aquisição ilícita de armas de fogo por grupos criminosos organizados ou grupos terroristas, é importante fazer menção a algumas definições e conceitos legislativos fundamentais. Em particular, os termos “Tráfico ilícito de armas de fogo e “fabricação ilícita” estão descritos no Protocolo sobre Armas de Fogo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), adotado em 2004, bem como outros conceitos-chave contidos em sua convenção original, a Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional  (UNTOC). Os Módulos 1 ((Introdução ao tráfico ilícito, disponibilidade e uso criminoso de armas de fogo), 2 (Conceitos Básicos) e 4 (O mercado ilícito de armas de fogo) abordam esses aspectos mais detalhadamente:

     “Fabricação ilícita" está definida no artigo 3(d) do Protocolo sobre Armas de Fogo e significa: 

a fabricação ou montagem de armas de fogo, suas peças e componentes ou munições:

(i) a partir de peças e componentes traficados ilicitamente;

(ii) sem a licença ou autorização de uma autoridade competente do Estado-parte onde a fabricação ou montagem ocorre; ou

(iii) sem marcação das armas de fogo no momento da fabricação, de acordo com o artigo 8 deste Protocolo.” 

O delito de fabricação ilícita pressupõe a existência de um regime abrangente de controle de armas de fogo, que submeta o processo de fabricação ao controle e autorização de autoridade competente, e a um enquadramento legal específico para a marcação de armas, peças e componentes.

     “Tráfico ilícito de armas de fogo” está definida no artigo 3(e) do Protocolo sobre Armas de Fogo como:

a importação, exportação, aquisição, venda, entrega, movimentação ou transferência de armas de fogo, suas peças e componentes e munições, partindo de ou atravessando o território de um Estado-parte para o de outro Estado-parte sem a autorização de qualquer um dos Estados-parte interessados, de acordo com os termos deste Protocolo, ou ainda se as armas de fogo não estiverem marcadas de acordo com o artigo 8 deste Protocolo.”

A definição internacional de tráfico trata de um fenômeno transnacional que requer a passagem por pelo menos uma fronteira nacional. Isso sujeita esses movimentos transfronteiriços a um mecanismo estabelecido de autorizações mútuas ou licenças emitidas por autoridades competentes nos países de importação, exportação e trânsito. 

Na prática, entretanto, nem todas as armas de fogo ilícitas usadas por grupos criminosos organizados e grupos terroristas em um determinado território foram obtidas por meio de tráfico. Frequentemente, esses grupos têm acesso a armas de fogo por meio de furtos de estoques policiais e militares, de empresas de segurança privada e de domicílios civis, bem como recuperações em campos de batalha em países que enfrentam conflitos armados, entre outros. O Módulo irá fazer distinções ao se referir a armas de fogo ilícitas, e especificará quando pretende se referir ao tráfico ilícito e quando a dimensão transnacional do movimento transfronteiriço é relevante. 

As referências ao tráfico ilícito de armas de fogo neste Módulo são abrangentes e incluirão tráficos em pequena e grande escala. O tráfico em grande escala envolve principalmente grandes quantidades de armas que são exportadas, desviadas ou reexportadas ilicitamente para destinos não autorizados, como países em conflito e/ou sob embargo de armas. Embora a maioria dos casos de tráfico em grande escala pareça estar ligada a situações de conflito armado, eles também podem apresentar ligações com a criminalidade organizada ou com o terrorismo. 

O tráfico em pequena escala refere-se em geral ao tráfico de quantidades de armas de fogo (ou de suas partes e componentes) que normalmente variam de um a dez. Trata-se normalmente de quantidades que podem ser transportadas por um indivíduo ou um pequeno grupo de pessoas, ou que podem ser escondidas dentro de um meio de transporte comum. Este tipo de tráfico, mais comumente conhecido como 'comércio de formigas', muitas vezes tem um caráter repetitivo e usa rotas e funções bem estabelecidas. 

Outro método específico de tráfico em pequena escala é o uso de meios eletrônicos de comunicação e entrega por meio de serviços postais ou de encomendas rápidas. O uso dessa forma de tráfico possibilitou o acesso ao mercado ilícito por terroristas e criminosos, sem a necessidade de conexões previamente estabelecidas, como será apresentado nos estudos de caso deste Módulo. Outros exemplos de crimes com armas de fogo tipicamente ligados à criminalidade organizada ou grupos terroristas também podem ser encontrados neste Módulo. Eles compreendem tipos específicos de armas de fogo ou modus operandi, como o tráfico de armas convertidas ilicitamente em armas de fogo, armas de fogo reativadas ilicitamente e outras formas de fabricação e tráfico ilícitos. 

 
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