Este módulo é um recurso para professores 

 

Investigação da corrupção

 

Tratamento das denúncias como uma condição prévia para investigações bem-sucedidas

Assim que uma denúncia é feita (por denunciantes, cidadãos, empresas ou jornalistas), o seu tratamento apropriado é fundamental para um combate eficaz à corrupção. Tal é verdade independentemente de a corrupção que foi denunciada conduzir à aplicação de sanções criminais ou ser tratada internamente. O modo como os órgãos lidam com as denúncias de corrupção é crucial, pois afeta o caso imediato e origina perceções sobre se as reclamações são levadas a sério, assim determinando se outras serão apresentadas no futuro. Quando as pessoas tomam a decisão de denunciar a corrupção, elas querem estar seguras de que a sua denúncia será levada a sério e que tal não colocará em causa a sua segurança ou a dos seus familiares e colegas. Particularmente, eles querem ter a certeza de que todas as medidas adequadas serão adotadas. Por exemplo, a UNODC (2017, p. 17) revelou que na Nigéria, entre incidentes de subornos denunciados pelos cidadãos, mais de um terço não foi devidamente averiguado (33,7%) e apenas 17,6% dos casos denunciados deram início a um processo formal contra o funcionário público em questão. De acordo com as pessoas às quais foi requerido o pagamento de um suborno, a principal razão para que tais situações não sejam denunciadas às autoridades é a perceção de que as denúncias não serão devidamente analisadas (UNODC, 2017).

Como parte do plano de ação para combater a corrupção, é importante que as autoridades responsáveis, tanto internas como externas às organizações, desenvolvam sistemas claros e transparentes para o tratamento das denúncias de corrupção. Sem esses sistemas, o processo de investigação da corrupção será, na melhor das hipóteses, aleatório. Ao se avaliarem e considerarem tais sistemas, há várias considerações a fazer.

Primeiro, qualquer sistema para tratamento de denúncias, seja público ou privado, deve atender a certos padrões de qualidade e justiça. Afinal de contas, as organizações têm um dever de cuidado face às populações que se relacionam com elas.

Segundo, as organizações e os governos devem fornecer informações ao público sobre o que pode ser denunciado, a quem, como deve ser feito, e o que acontece com as denúncias posteriormente. A entidade a quem as denúncias devem ser feitas varia consoante o país e o contexto em causa. Denúncias de corrupção, por exemplo dentro de uma organização, devem ser feitas, em primeira linha, a um supervisor ou funcionário de ética da empresa, enquanto as denúncias de corrupção por parte da sociedade civil devem ser dirigidas diretamente à polícia ou a comissões anticorrupção. Devem ser fornecidas orientações neste sentido aos funcionários como potenciais denunciantes, bem como às organizações como potenciais destinatários de denúncias de corrupção. Na Austrália, por exemplo, a Office of the Commonwealth Ombudsman’s Agency produziu o Guide to the Public Interest Disclosure Act 2013, o qual explica como as organizações devem lidar com as novas preocupações.

Terceiro, devem existir procedimentos claros que determinem quando as denúncias podem ser tratadas internamente e quando devem ser investigadas por um órgão externo, como um órgão anticorrupção ou a polícia. Para cada denúncia de incidentes de alegada corrupção, uma organização deve conseguir definir as razões claras pelas quais decidiu dar início a uma investigação ou não. A limitação de recursos materiais, humanos e temporais implica que nem todas as denúncias de corrupção possam ser investigadas, mas sem um protocolo que determine quais as denúncias que impõem uma investigação, as organizações e os Estados arriscam a seleção arbitrária dos casos a investigar ou, pior ainda, a seleção dos casos que lhes sejam mais vantajosos. Se uma organização ou governo se comporta de forma arbitrária ou se se está a servir a si mesma durante uma investigação de corrupção, tanto os funcionários como o público perderão a confiança e o sistema tende a degradar-se. 

Finalmente, as organizações devem encontrar formas de prevenir a corrupção no tratamento de denúncias de corrupção. A corrupção entre os responsáveis pelo tratamento das denúncias pode conduzir a supressões de informação, desencorajar mecanismos de deteção e prejudicar os esforços anticorrupção (Stapenhurst e Kpundeh, 1999, p. 8).

Embora existam diferentes métodos de lidar com denúncias de corrupção, geralmente ditados por regulações internas ou leis nacionais, um bom standard é oferecido pela Organização Internacional de Normalização (ISO). A ISO 37001 (sistema de gestão anti-suborno) especifica uma série de medidas para ajudar as organizações a prevenir, detetar e solucionar o suborno, incluindo o estabelecimento de procedimentos de denúncia e de investigação.

Os propósitos e princípios da investigação

Uma vez que as alegações de corrupção tenham sido levadas ao conhecimento da entidade apropriada, é fundamental que seja conduzida uma investigação completa e justa. Dependendo do ato de corrupção exposto, as investigações podem ser realizadas internamente por uma organização (disciplinar) ou externamente (através de procedimentos regulatórios ou criminais). O propósito de uma investigação é decidir se devem ser tomadas medidas responsivas e, se sim, que medidas devem ser adotadas. O Handbook on Practical Anti-Corruption Measures for Prosecutors and Investigators das Nações Unidas (2004, p. 45) identifica quatro principais respostas à corrupção: 1) processos criminais ou administrativos, conduzindo a um possível aprisionamento, a multas, ordens de restituição ou outras punições; 2) ações disciplinares de natureza administrativa, conduzindo a possíveis medidas relacionadas com o emprego, como despedimento ou despromoção; 3) instaurar ou incentivar processos de natureza civil através dos quais os indivíduos diretamente afetados (ou o Estado) procuram recuperar o produto da corrupção ou pedir uma indemnização pelos danos sofridos; 4) ações corretivas, como uma reciclagem ao nível dos indivíduos ou a reestruturação das operações de maneira a reduzir ou eliminar oportunidades para a corrupção (mas não necessariamente procurando disciplinar os envolvidos).

Para cada uma dessas quatro respostas, provas da corrupção devem ser recolhidas e avaliadas através de uma investigação. Devido à natureza singular da corrupção, as investigações tendem a requerer conhecimento especializado, experiência e força organizacional (Kiyono, 2013, p. 1). Tais investigações podem ser internas (dentro da organização) ou externas (como a investigação criminal). Independentemente do facto de uma investigação ser conduzida interna ou externamente, todas as investigações devem ponderar como garantir proteção a todas as partes envolvidas, a confidencialidade e imparcialidade. Os próprios investigadores devem considerar todas as provas, mobilizar meios de prova razoáveis e proteger as testemunhas na medida do possível (UNODC, 2004, 18–19). Durante a Conferência Internacional de Investigadores de 2003, as seguintes 10 diretrizes foram elencadas como cruciais para qualquer atividade de investigação (UNODC, 2004, p. 45):

  • A atividade de investigação deve incluir a recolha e análise de documentos e outros materiais; revisão dos bens e instalações da organização; entrevista de testemunhas; observações de investigadores; e a oportunidade para os sujeitos de responderem às reclamações.
  • A atividade de investigação e as decisões fundamentais devem ser documentadas de forma regular com os gestores do investigador;
  • A atividade de investigação deve requerer a análise de todas as provas, tanto incriminatórias como exculpatórias.
  • As provas, incluindo os testemunhos corroborativos e as provas forenses e documentais, devem ser sujeitas a validação. Na medida do possível, as entrevistas devem ser conduzidas por dois investigadores. 
  • As provas documentais devem ser identificadas e preenchidas, com a designação da origem do documento, o local e a data, e o nome do investigador que preencheu tais dados.
  • As provas que provavelmente serão usadas em audiências judiciais ou administrativas devem ser preservadas e a custódia assegurada.
  • As atividades de investigação realizadas pelo investigador não devem ser inconsistentes com as regras e regulamentos da organização, e devem tomar em devida consideração as leis aplicáveis ao Estado onde tais atividades decorrem.
  • O investigador deve recorrer a informadores ou outras fontes de informação e assumir responsabilidade pelas despesas em que estes razoavelmente incorram.
  • As entrevistas devem ser realizadas na língua da pessoa que está a ser entrevistada, utilizando intérpretes independentes, a menos que outra coisa seja acordada. 
  • O investigador deve procurar aconselhamento sobre as normas jurídicas, culturais e éticas associadas à investigação.

Estas dez diretrizes fornecem algumas informações sobre a complexidade das investigações da corrupção e muitas das considerações que os investigadores devem tomar em conta. Além disso, estas diretrizes dão uma ideia do quão morosas e dispendiosas tais investigações podem ser. Isto é fundamental em certos países cujos recursos para o combate à corrupção são limitados. Para uma discussão mais detalhada sobre o processo de investigação, vide o Handbook on Practical Anti-Corruption Measures for Prosecutors and Investigators da UNODC (UNODC, 2004, p. 45).

Investigações internas vs. investigações externas

Os casos de corrupção em organizações e órgãos governamentais são frequentemente descobertos internamente. Em geral, aqueles que trabalham dentro das organizações têm melhor acesso a informações e conhecimentos que são fundamentais para a identificação de casos de corrupção. Portanto, os funcionários são, geralmente, quem está em melhor posição para identificar erros ou padrões que foram ignorados e para informar os supervisores. Considere o caso de Rita Crundwell, supervisora financeira da cidade de Dixon, a qual foi descoberta a roubar dinheiro da cidade por um colega de trabalho (vide o caso conforme descrito abaixo).

As organizações desejam, geralmente, combater a corrupção interna e ajudar nas investigações. Muitas organizações têm até funcionários de ética para ajudar os trabalhadores com conflitos de interesses ou casos de corrupção. Uma discussão útil sobre como as empresas podem conduzir investigações está disponível no Guia Prático sobre Programas de Ética Anticorrupção e Compliance Empresarial da UNODC (2013, p. 41). Existe, porém, uma considerável variação na capacidade das diferentes organizações de levarem a cabo investigações internas de corrupção. As organizações de maior dimensão, por exemplo, podem ter departamentos ou unidades internas com funções de investigação, mas este processo pode ser mais complicado em organizações mais pequenas onde todos se conhecem. Nesse caso, pode ser útil que sejam chamadas partes terceiras para auxiliar no processo de investigação.

Quando uma investigação interna é conduzida no seio de uma organização, existe um conjunto de sanções que podem ser aplicadas – desde o despedimento ou despromoção de alguém, reter pagamentos ou impor formações ou denúncias. Se existirem provas da prática de um crime, a organização terá que decidir se irá autodenunciar o incidente de corrupção (vide a discussão acima sobre autodenúncias). Se a organização não se autodenunciar, pode ser bastante difícil expor a corrupção, a menos que um denunciante ou jornalista denuncie o assunto, ou uma auditoria detete o problema. Em princípio, poderão também existir casos de investigação proactiva por parte de órgãos policiais ou órgãos anticorrupção. A forma mais comum de investigação externa é a investigação criminal.

Investigações criminais

Os procedimentos criminais só podem ser utilizados para combater a corrupção quando os específicos atos de corrupção já foram criminalizados ao abrigo das leis de um determinado país. A maioria dos sistemas jurídicos é mais exigente em matéria de prova no domínio jurídico-penal do que no âmbito civil (Abdelsalam, 2017). Por exemplo, em muitos sistemas jurídicos, para que alguém seja condenado por um crime, cada uma das condutas deve ser provada para além da dúvida razoável. Portanto, mesmo se uma pessoa for condenada a pagar uma indemnização por danos num caso civil, tal não significa que exista prova suficiente para que a mesma pessoa seja condenada no domínio jurídico-penal. Nos casos criminais, particularmente nos casos de corrupção em larga escala, a recolha da prova é bastante difícil e normalmente requer investigações bastante morosas. Dependendo do país e do contexto, as investigações criminais podem ser conduzidas por um vasto conjunto de órgãos, incluindo, por exemplo, a polícia, comissões especializadas de combate ao crime, comissões reais e organismos reguladores.

Em muitas jurisdições, os órgãos policiais e de combate ao crime desempenham um papel central na investigação e prevenção da corrupção. Assim que esses órgãos recebem uma queixa de crime de corrupção, devem avaliar as possibilidades de seguir com o caso, mormente se as provas de que dispõem são suficientes para corresponder ao limiar probatório necessário. Se se realiza uma investigação, devem reunir-se todas as evidências do crime, de testemunhas, registos e outras fontes. A polícia e as comissões anticorrupção têm consideráveis poderes de investigação à sua disposição, incluindo: apreensão de bens e documentos, inquirição de testemunhas, gravação dos testemunhos, etc. Ao longo do processo de investigação, é da maior importância que tais órgãos respeitem as políticas de confidencialidade e outros procedimentos legais para que a mesma não seja comprometida.

Além disso, em muitas investigações de corrupção, é fundamental que os membros da equipa de investigação tenham preparação especializada para realizar a mesma e analisar a informação à medida que esta é obtida. Em alguns países, foram criadas unidades com formação especializada que se concentram unicamente na investigação de crimes de corrupção. Em outros países, existem comissões especializadas anticorrupção encarregues de navegar no complexo e especializado processo de investigação, tão necessário em casos de corrupção.

A diferenciação entre formas internas e externas de investigação oferece uma estrutura analítica útil, mas é importante reconhecer que, quando um indivíduo é suspeito de corrupção dentro de uma organização, tanto os processos internos, como externos, podem ser, e geralmente são, iniciados simultaneamente. O exemplo de um caso com elementos de investigação interna e criminal de corrupção nos Estados Unidos é o de Rita Crundwell, supervisora financeira da cidade de Dixon, Illinois (vide Carozza, 2018; e McDermott, 2012). Em 2011, enquanto Crundwell estava em licença sem vencimento do seu trabalho como supervisora financeira da cidade de Dixon, um colega, Swanson, descobriu que Crundwell depositou grandes somas de dinheiro público numa conta não oficial (Carozza, 2018). Após uma revisão das contas, Swanson tomou medidas internas e informou a sua superior hierárquica, a Presidente da Câmara de Dixon. A Presidente da Câmara, por sua vez, analisou as provas de corrupção e decidiu chamar o Federal Bureau of Investigations (FBI) (Carozza, 2018). Foi neste momento que a investigação criminal teve início.

O FBI analisou registos bancários e descobriu movimentações de milhões de dólares em transações ilegais. De acordo com a NPR Illinois, durante os 20 anos em que Crundwell trabalhou para a cidade, ela conseguiu roubar cerca de um terço do orçamento anual da cidade, fugindo com um total de mais de 53 milhões de dólares (McDermott, 2012). Após uma demorada investigação, o FBI iniciou um processo de natureza simultaneamente criminal e civil contra Crundwell e a mesma foi sentenciada a 19 anos e sete meses de pena de prisão (McDermott, 2012). Ao longo da investigação federal, a cidade de Dixon conduziu o seu próprio processo interno e decidiu despedir Crundwell (Carozza, 2018). Este caso é um exemplo de como vários processos internos e externos podem ser acionados durante as investigações de corrupção. Como resultado deste caso, a cidade de Dixon recuperou 40 milhões. Para mais informações sobre este caso, vide o documentário All the Queen’s Horses.

 
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