Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Três: Em prol de prisões humanas e recurso apropriado a sanções alternativas

 

Neste tópico final, os alunos desenvolverão a compreensão sobre como podem as prisões funcionar humanamente, considerando para o efeito exemplos de abordagens reabilitadoras em diferentes ordenamentos e focando-se em regimes prisionais que refletem um compromisso na aplicação prática de normas e de padrões internacionais. Também será considerada a finalidade da privação da liberdade e serão abordadas, de modo resumido, perspectivas alternativas à punição e bem assim o papel de medidas não privativas da liberdade na redução do recurso à prisão. 

Reabilitação nas prisões

As questões centrais a abordar neste tópico incluem: Como podem os presos tratar presos humanamente? Como podem os presos tratar os presos como cidadãos e reproduzir a vida em sociedade? Como é que as prisões podem apoiar a reintegração social de um indivíduo? Este tópico pretende analisar estas questões e considerar exemplos práticos e iniciativas que incorporem alguns dos princípios fundamentais acima referidos, através de um planeamento individualizado das penas, regimes normalizados e atividades construtivas (ver também van Zyl Smit e Appleton, 2019). 

Classificação e individualização do planeamento das sentenças

O Artigo 10.3 do ICCPR (Resolução da AG 2200A (XXI)) determina que o objetivo essencial do tratamento dos reclusos será "a sua emenda e recuperação social". Para atingir tal propósito, os sistemas prisionais devem classificar os reclusos e desenvolver e aplicar estratégias de penas individualizadas que tenham em conta o risco e as necessidades de cada recluso, concentrando-se nas oportunidades de reabilitação que contribuam para o facilitar da progressão do indivíduo com vista à libertação e a sua reintegração na sociedade. É importante notar que as populações prisionais são constituídas por uma grande diversidade de pessoas e que as razões que os levaram a cometer o crime são muitas vezes atribuíveis ao ambiente e às circunstâncias pessoais. Pelo exposto, "o sucesso na identificação, orientação e tratamento dos riscos e necessidades dos ofensores depende de um sistema de avaliação eficaz que permita identificar essas necessidades e medir os processos de mudança no grau em que efetivamente tenham lugar" (UNODC, 2018; Coyle et al., 2016). Como os presos não são um grupo homogéneo, também é imperativo identificar aqueles que são mais vulneráveis na prisão; os idosos ou pessoas com deficiências físicas podem necessitar de auxílio à mobilidade ou espaço para cadeira de rodas. Também devem ser tomadas medidas adequadas para proteger os direitos de outras pessoas com características especiais, tais como minorias étnicas, estrangeiros, presos com problemas de saúde mental ou lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais ou pessoas intersexuais (LGBTI). 

A Regra 2.2 das Regras de Nelson Mandela estabelece: "Para que o princípio da não discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem ter em conta as necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em situação de maior vulnerabilidade. As medidas tomadas para proteger e promover os direitos dos reclusos portadores de necessidades especiais não serão consideradas discriminatórias.” Estão igualmente disponíveis mais informações no Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da UNODC de 2009.

Em conformidade com as Regras Nelson Mandela, o propósito da classificação é separar os reclusos com base na avaliação dos riscos e dividi-los em tipologias, com vista a promover a sua reabilitação social (Regra 93 das Regras Nelson Mandela). Mais especificamente, o processo de classificação envolve avaliação de riscos e necessidades no momento da admissão (que devem ser periodicamente atualizados), a (re)classificação dos reclusos na categoria de segurança que lhes corresponda e a colocação respectiva em um regime prisional adequado. Um sistema de classificação devidamente concebido e gerido é fundamental para assegurar (a) um sistema de custódia incólume, seguro e humano para os presos e (b) contribuir para a preparação atempada da sua eventual libertação, através de um plano de pena individualizado. O processo de classificação baseia-se em informação obtida através da avaliação individual dos riscos e necessidades de cada recluso, que toma em consideração o "passado social e criminal do condenado, as suas capacidades e aptidões físicas e mentais, a sua personalidade, a duração da condenação e as perspetivas da sua reabilitação" (Regra 92 das Regras Nelson Mandela). Também pode ser facultada informação sobre o teor da avaliação médica realizada pelos profissionais de saúde aquando da admissão, quando tal ocorra. As avaliações individuais são cruciais para garantir a adoção das medidas necessárias para minimizar os riscos que os presos podem representar nas prisões, para dar resposta a necessidades especiais que possam ter e para conceber um plano de execução de pena que apoie a sua eventual reintegração social (Regra 94 do Regulamento Nelson Mandela) (UNODC, 2016). 

De acordo com as Regras Nelson Mandela e outras normas regionais, os condenados devem participar ativamente no seu plano de reabilitação (regras 96.1 e 98.3 das Regras Nelson Mandela; a regra 103.3 das Regras Penitenciárias Europeias). As áreas fulcrais da reabilitação em contexto prisional incluem educação, formação profissional e programas de trabalho. Contudo, para atender verdadeiramente às necessidades individuais da população prisional, o regime de reabilitação deve igualmente incluir serviços e acompanhamento especializados, tais como serviços de saúde física e mental, incluindo o tratamento de toxicodependência, o aconselhamento psicológico e tutoria, bem como programas de desenvolvimento de comportamentos cognitivos e de competências (como gestão de raiva, programas de tratamento de agressores sexuais e prevenção de recaídas) (UNODC, 2018; UNODC 2017). 

Vários sistemas prisionais em todo o mundo apoiam o processo de reintegração social, estabelecendo "uma abordagem sistemática do planeamento de execução da pena" (Drenkhahn, 2014, p.293). Na Nova Zelândia, por exemplo, todos os presos têm um plano de execução de penas para avaliar os seus "riscos, necessidades e capacidade de resposta" que inclui os seguintes aspetos:

  • a necessidade de programas como os de Tratamento de Droga e de Álcool ou de Prevenção da Violência
  • avaliação das necessidades de literacia e no âmbito da matemática - o Certificado Nacional de Competências para o Emprego pode proporcionar tanto formação profissional como literacia básica
  • competências e experiência profissional e défices nesta área
  • analisar questões em torno da reintegração, com vista a preparar com sucesso o regresso dos presos à sociedade. Isto pode incluir, por exemplo, apoio para encontrar trabalho após a libertação (Departamento de Correção da Nova Zelândia, Secção B). 

Os planos individualizados de execução de penas também auxiliam a apreender os níveis de segurança necessários para cada preso e bem assim como devem ser acomodados, de modo a ir ao encontro do nível de risco e necessidades de cada um, com tipos de regime prisional e nível de supervisão adequados. Isto auxilia a minimizar os riscos de fuga, de violência e má conduta na prisão, assegura que os recursos não sejam desperdiçados em instalações de alta segurança ou em medidas específicas em casos em que não são necessárias, aumentando a oportunidade de os presos poderem aceder a programas de reabilitação adequados. Em alguns ordenamentos, os planos de execução de penas também funcionam como uma espécie de "contrato" entre presos e staff prisional, "que define os comportamentos esperados durante o cumprimento da pena de prisão, o envolvimento em atividades e o compromisso para com o plano acordado" (UNODC, 2013b, p.62), a ser revisto e reavaliado regularmente. Nestes termos, os planos individualizados de execução de penas podem servir como incentivo fundamental para que os condenados realizem certas atividades e alcancem determinados objetivos, como parte da sua progressão global tendente à libertação. 

Regimes normalizados (normalized regimes)

A Regra 5 das Regras Nelson Mandela estabelece que: "O regime prisional deve procurar minimizar as diferenças entre a vida durante a detenção e aquela em liberdade que tendem a reduzir a responsabilidade dos reclusos ou o respeito à sua dignidade como seres humanos". Encontram-se manifestações concretas deste princípio ao longo das regras, incluindo no plano dos serviços de saúde (Regra 24.1  “Os reclusos devem poder usufruir dos mesmos padrões de serviços de saúde disponíveis à comunidade e ter acesso gratuito aos serviços de saúde necessários, sem discriminação em razão da sua situação jurídica") ou de programas de reabilitação adequados (Regra 99.1: "A organização e os métodos do trabalho nos estabelecimentos prisionais devem aproximar-se, tanto quanto possível, dos que regem um trabalho semelhante fora do estabelecimento [...]" / Regra 104.2: "A educação dos reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, tanto quanto for possível, [...]").

A nível regional, a Regra 5 das Regras Penitenciárias Europeias (2006) prevê o seguinte: "A vida na prisão aproximar-se-á, na medida do possível, dos aspectos positivos da vida fora da prisão." Em conformidade com o princípio da normalização, o preâmbulo dos Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas (2008) afirma que o objetivo principal da privação de liberdade é o da "reforma, readaptação social e reabilitação pessoal das pessoas condenadas; ressocialização e reintegração na vida familiar (...)". Além disso, o Princípio VIII sublinha que:

As pessoas privadas de liberdade devem gozar dos mesmos direitos reconhecidos a todas as pessoas nos instrumentos, nacionais e internacionais, sobre direitos humanos, com exceção dos daqueles cujo exercício seja limitado, ou temporariamente restringido, por disposição da lei e por razões inerentes à sua condição de pessoa privada de liberdade. 

Embora a vida na prisão nunca possa ser igual à vida em liberdade, os regimes prisionais normalizados visam reduzir o mal e os efeitos da prisão, fazendo refletir, tanto quanto possível, a realidade da vida na comunidade dentro do ambiente prisional, dando oportunidade aos presos para exercerem a sua responsabilidade pessoal e promover o processo de reintegração social, o contacto com o mundo exterior e a progressão pessoal tendente à libertação (ver Gronowska, 2016). 

O regime das prisões dinamarquesas, por exemplo, baseia-se no princípio da normalização, um regime de abertura e de responsabilidade, onde "a vida na prisão deve ser o mais normal possível" (Storgaard, 2014, p.110). Tipicamente, os presos vivem em instalações em que, entre outras coisas, são responsáveis pela gestão de um orçamento, compram comida na loja da prisão, preparam e cozinham as suas próprias refeições e lavam a sua própria roupa. Além disso, são muitas vezes envolvidos no planeamento dos seus tempos livres e na tomada de decisão sobre o seu tratamento durante a prisão (Ibid.). O Manual do Serviço Prisional e de Liberdade Condicional Dinamarquês estabelece que, "ao fixar condições o menos diferentes possível das que se experienciam na vida quotidiana fora da prisão, os motivos para a agressão e para a apatia reduzem-se e os efeitos negativos da permanência na prisão são limitados" (Ministério da Justiça dinamarquês, 1994, p.10). 

Nos últimos anos, desenvolveu-se, nos regimes normalizados, um enfoque especial quanto à importância da arquitetura e do design das prisões (ver por exemplo: Comité Internacional da Cruz Vermelha, 2012 e 2018; Fransson et al., 2018; UNOPS 2016). Em alguns ordenamentos, os projetistas (designers)das prisões concentraram-se em acrescentar estética arquitetónica e qualidade aos edifícios que possam melhorar a função reabilitadora da prisão, e reduzir a violência física e psicológica. Entre as características de design encontradas nestas prisões verificam-se, por exemplo, o uso de mobiliário suave, esquemas de cores eficazes, aproveitamento máximo da luz natural, espaços abertos, utilização de obras de arte, vista sobre a natureza através de janelas sem barras e acesso a plantas, árvores, flores e, em geral, à natureza (Handcock e Jewkes, 2011; Jewkes e Moran, 2014). Considerou-se que esta abordagem para desenhar novas prisões "encoraja a criatividade pessoal e intelectual, e mesmo uma experiência leve e vívida, em contraste com a soturna, pesada e tensa experiência comumente associada à prisão e à escuridão dos seus materiais, que é mesmo uma descida aos infernos" (Moran et al., 2016, p.125; ver também Gleeds, 2016; Wall, 2016). 

As Regras Nelson Mandela reconhecem que permitir aos presos manter e melhorar o contacto construtivo com o mundo exterior é outro elemento-chave dos regimes prisionais normalizados e da preparação para a libertação (Regra 106). A Regra 58 do Regimento das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece que: "Os reclusos devem ser autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar periodicamente com as suas famílias e com amigos", "por correspondência e utilizando, se possível, meios de telecomunicação, digitais, eletrónicos e outros"; e "através de visitas". A Regra 59 estabelece: "Os reclusos devem ser colocados, sempre que possível, em estabelecimentos prisionais próximos das suas casas ou do local da sua reabilitação social".

Embora a prisão resulte inevitavelmente em alguma perda de acesso ao mundo exterior, existem várias formas positivas para que os regimes prisionais possam criar novas oportunidades, para os condenados manterem fortes laços e ligações significativas com os seus familiares e amigos na comunidade, incluindo, por exemplo, visitas familiares, visitas conjugais, saídas prolongadas, etc. (ver especialmente Coyle e Fair, 2018, p.103-110). No relatório de 2018 Tendências das Prisões no Mundo (Global Prisons Trends), a Reforma Penal Internacional destaca as estratégias inovadoras de Singapura, em que os presos são encorajados a desenvolver relações familiares estreitas durante um dia denominado "Dia da Família", que compreende um período de quatro horas. Do mesmo modo, no Zimbabué, foram introduzidas as "Semanas da Família" para reforçar a ligação com os membros da família (Reforma Penal Internacional, 2018, p.27). 

Para além do que vai exposto, a promoção de ligações com pessoas e organizações fora da prisão que possam prestar auxílio após a libertação é um elemento crucial na normalização das prisões. A Regra 107 das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece: "Desde o início do cumprimento da pena de um recluso, deve ter-se em consideração o seu futuro depois de libertado, devendo este ser estimulado e ajudado a manter ou estabelecer relações com pessoas ou organizações externas, aptas a promover os melhores interesses da sua família e da sua própria reabilitação social". 

Em vários ordenamentos jurídicos de todo o mundo, os presos podem sair da prisão durante o dia para ir trabalhar, frequentar cursos de formação ou estabelecimentos de ensino (ver, por exemplo: Subramanian e Shames, 2013). Essas oportunidades são importantes, porquanto auxiliam os presos a adquirir ferramentas e capacidades para ganhar a vida depois da libertação e oferecem meios para os integrar na sociedade. 

Regimes normalizados significam, portanto, que os reclusos devem - tanto quanto possível em um contexto prisional - ter os mesmos direitos que os outros cidadãos e que as suas condições de vida devem poder refletir uma vida normal e auxiliar no processo de reabilitação e de reintegração. Em muitos países europeus foi reconhecida a cidadania a todos os reclusos, sendo-lhes facultados os mesmos direitos democráticos dos restantes cidadãos, incluindo o direito de voto. Este direito de voto é uma parte importante dos regimes prisionais normalizados e do processo de reinserção social, porque é um "símbolo de cidadania, bem como um sinal de participação na sociedade" (Crétenot, 2013, p. 25). Como defendem os especialistas penitenciários, "privar os presos de um dos seus direitos mais básicos de cidadania, como é o direito de voto, isolá-los-á das suas comunidades e concidadãos ameaçará a sua capacidade de estabelecer ou manter com sucesso papéis próprios dos adultos, que são importantes no processo de desistência do crime" (van Zyl Smit e Snacken, 2009, p.254). 

Atividades construtivas

Elemento inerente e crucial dos regimes prisionais normalizados é a disponibilização aos presos da possibilidade de participar em atividades construtivas, como a educação, a formação profissional e o trabalho, que constituem condição prévia para garantir significado prático aos planos individualizados de execução de penas e para avaliar o seu progresso tendente à reintegração social depois da libertação (UNODC, 2017; van Zyl Smit e Appleton, 2019). Conceder oportunidades aos presos para construir experiência profissional, adquirir qualificações e desenvolver novas competências melhorará as perspectivas de emprego aquando da libertação, reduzindo assim a reincidência e aumentando a segurança pública. Levar uma "vida profissional normal" na prisão (Regra 99(1) das Regras Nelson Mandela, 2015) também pode reduzir o risco de institucionalização, de problemas de saúde mental ou de marginalidade aprendida (learned helplessness) entre os presos, e ajudar a desenvolver regimes mais positivos e seguros (UNODC, 2017b). O Roteiro para o Desenvolvimento de Programas de Reabilitação na Prisão (2017b) do UNODC aborda os temas da educação, formação profissional e trabalho, fornecendo aos Estados-Membros exemplos concretos de um vasto leque de países para orientar o desenvolvimento de programas que se alinhem com as normas e padrões internacionais. 

A educação na prisão é geralmente considerada como um instrumento fundamental para a mudança pessoal - "o seu valor é avaliado pelo impacto na reincidência, na reintegração e, mais especificamente, pelos resultados do emprego após a libertação" - bem como um "imperativo por direito próprio" (Muñoz, 2009, p. 2). Há um conjunto substancial de provas que sugerem que muitos presos em todo o mundo não possuem as competências básicas, ao nível da literacia e da matemática, mas também existe o "reconhecimento crescente da necessidade de equipar os presos com competências e educação necessárias, para obterem emprego aquando da libertação" (Reforma Penal Internacional, 2017, p. 33). A Regra 104 das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece:

Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos que daí tirem proveito, incluindo a instrução religiosa nos países em que tal for possível. A educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração prisional especial atenção. 

Além disso, as oportunidades educativas na prisão "devem estar integradas no sistema educacional do país, para que depois da sua libertação [os reclusos] possam continuar, sem dificuldades, os seus estudos" (Regra 104 das Regras Nelson Mandela, 2015). É também relevante o recente e crescente número de “parcerias universitárias”, na maior parte do mundo. O UNODC identificou o desenvolvimento de tais parcerias em muitos ordenamentos, incluindo iniciativas do género no Reino Unido, Nigéria, Panamá, Canadá e nos Estados Unidos, segundo as quais "os presos podem aprender, a par de estudantes universitários e de bacharelato e podem iniciar cursos regulares de nível universitário ou de bacharelato que podem depois concluir após libertação" (UNODC, 2017b, p. 33; ver também Champion, 2018). Como parte deste trabalho, o UNODC está a implementar um projeto em El Salvador, destinado a promover oportunidades para que os reclusos e as reclusas obtenham educação universitária. Este projeto está a ser desenvolvido no âmbito do Programa Global para a Implementação da Declaração de Doha.

A importância de oferecer formação profissional na prisão, foi também reconhecida como forma de melhorar as perspetivas de emprego e reduzir a reincidência após libertação. A Regra 98(2) das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece: "Deve ser proporcionada formação profissional, em profissões úteis, aos reclusos que dela tirem proveito e especialmente a jovens reclusos." Um estudo realizado pela RAND Cooperation nos Estados Unidos confirma uma clara ligação entre as oportunidades de formação profissional na prisão e a melhoria de emprego no futuro (2013). De modo significativo, os investigadores constataram que "os indivíduos que participaram em programas de formação profissional tinham probabilidades de obter emprego após a libertação que eram 28% superiores às dos indivíduos que não tinham participado na formação profissional" (Davis et al., 2013, p. 58). Para além disso, a participação em programas educativos de reeducação foi associada à significativa redução do risco de nova prisão, nos três anos seguintes à libertação (ibid, p.38-39; ver também UNODC, 2017b).

Acresce que a Regra 105 das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece: "Devem ser proporcionadas atividades recreativas e culturais em todos os estabelecimentos prisionais, em benefício da saúde mental e física dos reclusos". É importante notar que as atividades físicas e recreativas podem desempenhar um papel significativo na neutralização do mal que vai associado à prisão, organizando o tempo na prisão, desenvolvendo competências sociais e encorajando a utilização dos tempos livres de modo consciente depois da libertação. O acesso a práticas e atividades religiosas (incluindo dieta alimentar, serviços religiosos, obrigações e apoio) pode também desempenhar um papel crucial na saúde dos presos. A Regra 66 das Regras Nelson Mandela (2015) estabelece: "Tanto quanto possível, cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as exigências da sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no estabelecimento prisional e tendo na sua posse livros de rito e prática de ensino religioso da sua confissão" (Coyle et al., 2016, p.94).

Por último, as normas internacionais reconhecem claramente que o trabalho produtivo e remunerado é um componente crucial da vida prisional. O trabalho nunca deve ser prejudicial, utilizado como castigo ou em benefício dos agentes prisionais. Diferentemente, deve "ser de natureza que mantenha ou aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a vida depois de libertados" (Regra 98 das Regras Nelson Mandela, 2015). Em observância ao princípio da normalização, as melhores práticas sugerem que, quando é oferecido trabalho na prisão, os presos devem poder escolher - tanto quanto possível - o tipo de emprego em que querem trabalhar; a organização do trabalho deve "assemelhar-se tanto quanto possível a trabalho similar fora da prisão"; e o interesse dos presos "não deve estar subordinados ao objetivo de obter lucro financeiro com o trabalho na prisão" (Regra 99 das Regras Nelson Mandela, 2015). 

Alternativas à pena de prisão

Embora haja reconhecimento crescente da importância dos direitos dos presos e da melhoria das condições prisionais em todo o mundo, a implementação de reformas não é fácil de ser alcançada. Muitos grupos de reforma prisional enfrentam obstáculos significativos, incluindo pressões políticas e sociais, problemas graves de sobrelotação, falta de dirigentes prisionais com formação adequada, legislação obsoleta, escassez de recursos, sistemas de controlo e de proteção deficientes e oportunidades limitadas para promover ligações entre os presos e o mundo exterior. A situação preocupante que se vive nas prisões de todo o mundo e os graves efeitos sobre os presos, as suas famílias e a sociedade no seu conjunto foram por diversas vezes apelidados pelas Nações Unidas de "crise prisional global" (A/HRC/30/19, A/65/273). 

Muitos presos, pertencentes aos grupos mais marginalizados da sociedade, são tratados, frequentemente, de forma desumana e degradante e sujeitos a condições que violam a dignidade humana e o seu valor enquanto seres humanos. Além disso, uma característica comum a muitos sistemas prisionais são as taxas de reincidência que persistem ser elevadas e muitos presos libertados são de novo conduzidos à prisão (ver, por exemplo, The Scottish Centre for Crime and Justice, 2012; Padfield, 2005; Appleton, 2010; Prison Reform Trust, 2018). 

Face aos danos, falhas e críticas em torno da instituição prisão, alguns penalistas defenderam a abolição da prisão ou o chamado “abolicionismo penal” (penal abolition) (ver, por exemplo: van Swaaningen, 2013; Epperson e Pettus-Davis, 2017). Nas últimas décadas, os abolicionistas começaram a questionar o papel da prisão nas sociedades e a questão de saber até que ponto será necessário infligir um mal por via da privação da liberdade. Defendem um futuro em que a punição e as respostas punitivas ao crime são abolidas, surgindo, no seu lugar, um sistema de resolução de litígios, reparação e justiça social (ibid, ver também Braithwaite, 1989; 1999). René van Swaaningen (1986, p. 9), um abolicionista holandês, resumiu de modo sintético a mensagem abolicionista da seguinte forma: "Desde os primórdios [o direito penal] tem sido visto como um causador de problemas, em vez de os resolver. A reação penal, após a prática de um crime, não é preventiva, antes dessocializa um número cada vez maior de pessoas. Por isso, seria de abolir os meios de coerção penal, substituindo-os por meios mais reparadores" (ver também Rutherford, 1984; Mathiesen, 1986; 2006; Sim, 1994). 

Outros investigadores defendem a tese do ‘reducionismo penal’ (penal reductionism), para moderar ou limitar o uso da prisão e para "reunir vontade política para a mudança" (Scott e Flynn, 2014, p. 209; ver também Loader, 2010). Na sequência da famosa declaração de Sir Alexander Paterson, em 1922, "as pessoas são enviadas para a prisão como punição [as punishment] não para punição [for punishment]” (citado em Ruck, 1951, p. 13), os defensores do reducionismo penal partilham o compromisso de reduzir a sobrelotação e melhorar as condições prisionais e os direitos dos reclusos. A reforma prisional demanda: redução da capacidade das prisões; prisão apenas para crimes graves; mais prestação de contas no contexto prisional; sentenças menos punitivas; fixação de um leque de crimes não suscetíveis de privação de liberdade; libertação antecipada dos presos; e o estabelecimento de alternativas à prisão (Scott e Flynn, 2014). 

Em linha com a abordagem reducionista, as normas internacionais estabelecem que a prisão apenas deve ser utilizada como ultima ratio e que as medidas alternativas devem ser utilizadas o máximo possível (cf., em especial, as Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas da Liberdade (Regras de Tóquio, 1990); ver também UNODC, 2007; e para questões específicas de género, as Regras de Banguecoque, 2010). O desenvolvimento e a implementação de alternativas à prisão é particularmente relevante, tanto como forma de enfrentar o problema da sobrelotação prisional, como meio para promover a reintegração social e reduzir a reincidência penal. Em princípio, é possível cumprir as finalidades da punição em muitos casos sem ter de recorrer à condenação em pena de prisão efetiva. A regra 2.3 das Regras de Tóquio (1990) determina que os sistemas de justiça penal devem facultar “uma vasta gama de medidas não privativas de liberdade, desde as medidas que podem ser tomadas antes do julgamento até às disposições relativas à execução das penas“, “[tomando] em consideração a natureza e a gravidade da infração, a personalidade e os antecedentes do delinquente e a proteção da sociedade, e para que se evite o recurso inútil à prisão“ (ver também UNODC, 2007).

A ideia de que as sanções não privativas de liberdade são mais eficazes do que a prisão para efeitos de reabilitação, reintegração social e redução da reincidência encontra-se refletida nas normas internacionais dos direitos humanos, bem como na literatura empírica e teórica. Todavia, o êxito das alternativas à prisão depende, em parte, de uma reforma global do sistema de justiça penal, bem como da comunicação com a sociedade em geral e com os meios de comunicação social, para aumentar a sua legitimidade pública. As Nações Unidas, juntamente com organizações governamentais e grupos de reforma prisional de todo o mundo, estão a desenvolver e introduzir ativamente estratégias e ferramentas para ajudar os países a reformar os seus sistemas penais e a reduzir o recurso à prisão, em conformidade com as normas e padrões internacionais (ver, por exemplo: UNODC, 2011). O sistema judicial tem um papel fundamental a desempenhar no que diz respeito às opções não privativas de liberdade. A formação judiciária e a integridade judiciária são analisadas com um maior pormenor no Módulo 14 sobre a independência do poder judicial e o papel do Ministério Público. Para mais informações sobre este tema, os alunos deverão consultar o Módulo 7 sobre Alternativas à Prisão.

 
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